Por Maria Carolina Marcello e Eduardo Simões

BRASÍLIA (Reuters) – Com trânsito pelos vários espectros ideológicos –a ponto de ser elogiado tanto por Luiz Inácio Lula da Silva como Jair Bolsonaro– e com acesso fácil a diversos setores da administração pública, José Múcio Monteiro lançará mão dessas capacidades à frente do Ministério da Defesa, que voltará a ser comandado por um civil em janeiro após quase cinco anos.

Bem visto pelos militares, o futuro ministro anunciado por Lula nesta sexta-feira terá uma tarefa delicada ao assumir a Defesa. Além de ser o primeiro civil após quatro militares no comando da pasta, assumirá possivelmente no momento de maior tensão dos militares –que participaram maciçamente do governo do presidente Jair Bolsonaro– com relação a Lula, tensão essa que não ocorreu nos oito anos que o petista presidiu o país pela primeira vez.

Entre os episódios de tensionamento inédito desde a redemocratização está o suporte dado por integrantes da cúpula militar aos questionamentos do atual presidente às urnas eletrônicas. Convidados a participarem de uma comissão de transparência eleitoral, levantaram questionamentos infundados e chegaram a elaborar um relatório após o pleito que, mesmo sem apontar fraudes, apontou vulnerabilidades hipotéticas no sistema.

Também após a vitória eleitoral de Lula, o atual cúpula militar chegou a aventar a saída antecipada da chefia de Exército, Marinha e Aeronáutica para não se subordinarem ao petista a partir de janeiro, mas a ideia de forçar um vácuo de poder pode perder tração já que o presidente eleito anunciou que, ainda nesta sexta, terá uma conversa com Múcio, com a expectativa de anunciar os futuros comandantes das três forças.

“Depois que terminar o jogo do brasil eu vou ter uma reunião com ele (Múcio) e os comandantes que ele já conversou para que a gente possa começar a discutir o futuro do nosso país”, disse Lula, em Brasília.

O traquejo político e a facilidade de relacionamento de Múcio, de 74 anos, talvez sejam explicados pelo fato de já ter, ao longo de décadas de carreira pública, circulado entre os Poderes da República e passado por partidos de diferentes matizes ideológicas –chegou a presidir o PFL, também integrou as fileiras do PSDB e, no PTB, foi líder do governo Lula na Câmara dos Deputados e ministro responsável pela articulação política do petista.

Múcio iniciou a carreira política na década de 1970, filiado à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido que dava sustentação política ao regime militar instaurado após um golpe em 1964. Com o fim do bipartidarismo, filiou-se ao PDS, sucessor da Arena, e posteriormente ao PFL, partido que posteriormente mudou de nome para Democratas (DEM) e atualmente é o União Brasil, após fusão com o PSL. Entre 1992 e 1993 foi presidente nacional da legenda.

Em 1981, elegeu-se prefeito da cidade pernambucana de Rio Formoso, tomando posse em 1982, mas permanecendo no cargo somente até 1983, quando assumiu a presidência da então companhia energética de Pernambuco, Celpe.

De 1991 e 2009 iniciou um período de sucessivos mandatos de deputado federal, pelo antigo PFL, depois pelo PSDB e ainda pelo PTB, pelo qual foi líder do governo Lula na Câmara em 2007, mesmo ano em que se licenciou do mandato parlamentar para assumir o posto de ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.

Em 2005, quando era líder do PTB na Câmara, participou –segundo confirmou à época– de reunião em que o então presidente da sigla, Roberto Jefferson, denunciou a Lula o esquema que ficou conhecido como mensalão.

“APAIXONADO”

Também licenciou-se em outros momentos do mandato parlamentar para ocupar cargos no Executivo, como o de secretário de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente da prefeitura de Recife.

Em 2009 renunciou ao mandato de deputado para assumir cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), corte que presidiu entre 2019 e 2020.

Prova do trânsito fácil que tem entre os vários espectros ideológicos é o fato de que volta agora a trabalhar com Lula pouco tempo depois de ter recebido elogios públicos do atual vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que é general da reserva, e de Bolsonaro, que deixará o cargo em 31 de dezembro.

Ao comentar ao portal Metrópoles a possibilidade de Múcio assumir a Defesa, Mourão disse que o ex-ministro do TCU era “muito bem visto pelas Forças Armadas”, o classificou como “jeitoso” e disse ter “muito apreço e respeito” por ele.

Já Bolsonaro, em evento em 2020, declarou-se “apaixonado” por Múcio, lamentou a então saída dele do posto de ministro do TCU e praticamente o convidou para, se quisesse, assumir um cargo em seu governo.

“Se a saudade lhe bater, venha para cá. Estará entre nós, pode ter certeza, no nosso primeiro time para do outro lado aqui, do Executivo, traçarmos e bem fazermos política para o futuro da nossa nação. Zé Múcio, me permite, eu sou apaixonado por você”, disse Bolsonaro na ocasião.

Aparentemente a saudade bateu, mas possivelmente a paixão de Bolsonaro não só não foi correspondida, como também direcionada a seu maior adversário político.

(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu e Bernardo Caram. Edição de Alexandre Caverni e Flávia Marreiro)

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