10/11/2019 - 14:00
Um dos principais grupos de cosméticos do País, o Boticário colocou o pé no acelerador na última década, com a criação de novas marcas – como Eudora e Quem Disse, Berenice? – e a aquisição de negócios como Vult, voltado à classe C, e Beleza na Web, de e-commerce. Com faturamento anual de R$ 13 bilhões, a gigante do varejo, dona de 4 mil lojas, também se aventurou por outros canais de venda, como o porta a porta e a internet. Agora, vai usar a tecnologia para antecipar o que o consumidor quer.
Segundo o presidente do Grupo Boticário, Artur Grynbaum, a empresa desenvolve uma ferramenta de identificação do cliente por reconhecimento facial. O projeto dependerá da adesão dos consumidores que participam do programa de fidelidade d’O Boticário. Com o recurso, o atendente terá à sua disposição dados de compras anteriores e também de navegação nos sites do grupo.
“Um dos desafios é a forma de usar esse dado, porque não podemos ser invasivos”, explica Grynbaum. “Mas a gente tem muito dado, e temos de enriquecer o perfil do consumidor para oferecer coisas que façam mais referência às necessidades individuais dele. Não estamos mais na fase da customização, mas sim da personalização.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O Boticário trabalha com vários canais de venda. A fusão de todas as opções ao e-commerce gerou alguma dor ao grupo?
Acho que houve uma dor com o e-commerce lá atrás, no começo dos anos 2000. As empresas pensavam que iria acabar o mundo, que as lojas não iriam existir. Nós nunca tivemos essa visão. Sempre vimos, em todos os canais de venda, uma oportunidade de relacionamento (com o cliente). No caso da minha principal marca, O Boticário, por causa da capilaridade de lojas, o atendimento do e-commerce é feito pelos franqueados. Se existia chance de atrito ou fricção, (ela foi eliminada).
Como a Beleza na Web, que já nasceu digital, ajuda o grupo como um todo?
Fizemos aquisições de maior porte. A Vult, há dois anos, e agora a Beleza na Web. Pela característica de nossas marcas proprietárias (criadas pelo grupo) – em especial O Boticário, que tem uma loja a uma distância média de cerca de 3 km de cada brasileiro -, o e-commerce não era muito demandado. A Beleza na Web traz uma oportunidade de explorar um negócio (novo). Num primeiro momento, essa aquisição vai ajudar mais a The Beauty Box, que também trabalha com perfumes de diversas marcas, mas traz uma oportunidade de aprendizado para os outros negócios também (O Boticário ainda é dono de Eudora e Quem Disse, Berenice?).
Como os novos negócios ajudam o grupo a testar modelos digitais?
Quando decidimos criar o grupo foi justamente para a gente poder entender o atendimento de diferentes consumidores e diferentes perfis de valor. Era também uma chance de experimentar novos modelos. O Boticário é um navio muito grande – toda mexida tem um grande impacto. Com as marcas menores eu tenho mais liberdade para fazer testes. É um ambiente de experimentação muito importante.
Como o ambiente digital ajuda o grupo a testar e conhecer produtos?
Para algumas pessoas, digital é aplicativo. Para a gente, a tecnologia tem de estar em todas as pontas do processo. Posso usá-la para fazer análise de dados, previsão de demanda, organizar o processo fabril. Posso complementar a experiência na loja no comércio eletrônico. Afinal, o celular é hoje uma extensão do corpo humano. Podemos proporcionar que a cliente veja o resultado de uma maquiagem por meio de um app, mas também podemos ter o espelho digital na loja.
Como o conceito de trabalho do setor de tecnologia está sendo implantado no Grupo Boticário?
Antes, as empresas tinham “silos”. O pessoal de tecnologia ficava isolado e angariava os pedidos dos diferentes setores. Hoje, tudo precisa ser mais dinâmico. Por isso, é preciso colocar tecnologia junto com as áreas de negócio, com metas comuns. É preciso acelerar desenvolvimentos. Temos um “lab” para o qual eu trago fornecedores que já trabalham conosco, além de novos fornecedores, que podem nos trazer novos serviços. Uma das coisas que estamos trabalhando é no reconhecimento facial, na identificação do consumidor quando ele entra na loja, para que a consultora possa fazer uma abordagem mais assertiva.
Em que estágio está o reconhecimento facial?
Estamos testando, desenvolvendo em nosso BotiLabs. A ideia é interagir com as pessoas que estão registradas em nosso programa de relacionamento. Quando ela entrar no ambiente, eu já saberei: esse é fulano de tal. O consultor de loja recebe a informação no celular. Eu vou ter um histórico de compra da pessoa conosco e até um produto de interesse que ela tenha buscado em nossos sites. Essa é a intenção. Ou seja: é uma forma de trabalhar os dados.
E como fazer isso sem ser invasivo?
O uso dos dados é um desafio. Não podemos ser invasivos. Temos de enriquecer nossas bases atuais, para saber mais sobre o perfil do consumidor e oferecer a ele coisas que tenham mais relação com as necessidades dele. A customização foi substituída pela personalização da oferta ao consumidor.
Como foi a experiência de desenvolver fragrância por inteligência artificial?
Eu achei a experiência fantástica. Uma empresa brasileira ser pioneira num conceito tão inovador quanto esse. Foi um primeiro bom teste da capacidade de desenvolvimento de produtos pela inteligência artificial. Fizemos a linha Egeo, que foi lançada em maio. Mas a inteligência artificial fica mais rica a partir das perguntas que você formula para a base de dados responder. Eu diria que esse nem foi o primeiro passo, foi a primeira ‘andadinha de pé’. A ideia é trazer produtos que sejam realmente inovadores e que tenham benefícios para o consumidor. Isso abriu para nós um portal.
Qual é a relação do grupo com startups? Ele pode comprar empresas?
Estamos abertos a quase todos os tipos de modelo de trabalho com startups. Podemos contratar os serviços das startups ou até mesmo comprar 100% de um negócio, com a condição de que o fundador permaneça conosco para implantar a ideia. Temos necessidades específicas, e essas empresas têm respostas específicas, e muitas vezes oferecem soluções bastante efetivas. O BotiLabs pode funcionar como uma incubadora e aceleradora de startups. Temos relacionamento com o Cubo, do Itaú, e também temos observado startups em mercados como China e Israel.
Como é preparar a equipe para um mundo em que a tecnologia tem um papel mais importante para o negócio?
A minha geração foi treinada para planejar e depois partir para a execução. Graças a Deus eu matei um pouco essas aulas porque sempre tivemos uma questão muito forte de experimentação no grupo. Hoje se fala que o melhor é errar rápido. Se não acertar, você aprende rápido e corrige. É importante estar evoluindo o tempo todo. Tem uma galera que vem com esse espírito, mas também muita gente que não tem esse pensamento. É preciso compatibilizar esses públicos, identificar quem tem fome de aprender sobre esse mundo novo.
Parte da equipe tem de mudar?
Tem de ser transformada. Vamos ter cada vez mais gente de e-commerce, de tecnologia. É preciso revolucionar a forma de atuar de algumas áreas dentro da empresa. Para fazer a transformação digital, temos de lidar com as diferentes resistências e apresentar um novo caminho. Tem gente que vai se adaptar e gente que não. Aí a seleção é feita. Temos coaches de tecnologia para ajudar, mas as pessoas têm de estar dispostas a dar esse passo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.