25/03/2009 - 7:00
DINHEIRO – A crise está prejudicando o crescimento mundial e 2009 tende a ser um ano ruim. Como o sr. vê a situação do Brasil?
VICENTE TARDÍO – A crise financeira não chegou pesada ao País. Foram atingidos países da Europa e os EUA, de onde borbulharam todos os problemas via crédito imobiliário. Agora está afetando individualmente e em escalas diferentes os outros países. E virou um problema global, sem dúvida. O Brasil foi pouco afetado, mas a posição do país mudou nos últimos anos. O Brasil melhorou em muitos aspectos, enquanto outros países pioraram. É só pegar a classificação dos bancos brasileiros, que hoje estão melhores que muitas instituições estrangeiras.
DINHEIRO – Por que o sr. destaca o Brasil?
TARDÍO – A crise afetou a todos, dos desenvolvidos aos que estão em desenvolvimento. Mas o Brasil foi, de todos eles, o que melhorou. Veja o crescimento do PIB. E neste ano a expectativa é ter um PIB positivo enquanto a maioria dos outros países terá uma retração.
DINHEIRO – Os países europeus estão em pior situação?
TARDÍO – A Espanha é o mais afetado. O país teve um crescimento extraordinário nos últimos anos, mas ele não foi diversificado. Estava concentrado em três atividades econômicas: mercado imobiliário, indústria automobilística e turismo. O primeiro está totalmente destruído e o segundo está muito mal. O maior problema é que as fábricas não são espanholas. Montadoras com sede em outros paí-ses europeus, por exemplo, quando vão reduzir o número de empregados, colocam a Espanha como prioridade. Só depois pensam nos seus países-sede. Por fim, o turismo será afetado com a perda de poder aquisitivo de todo europeu. É um panorama difícil. E o desemprego, um dos maiores do continente, chegou a quase 20% no final do ano. Isso implica redução de consumo. Quem estava comprando, parou. E quem tem medo do desemprego vai reduzir as compras. Definitivamente, não sou otimista com a situação da Europa.
DINHEIRO – Como se comporta uma seguradora nesses momentos?
TARDÍO – Em momentos difíceis o setor de seguros resiste muito bem. Muitas atividades seguradoras são anticíclicas. Na Espanha prevemos ter benefícios importantes. E sabe como? O automóvel é onde teremos o melhor resultado. Quando a crise aumenta, as pessoas passam a circular menos de carro, o que diminui a quantidade de acidentes. A previsão é reduzir em 15% a quilometragem anual percorrida pelo espanhol. O impacto imediato é uma redução de 15% na possibilidade de sinistros. A lei dos grandes números não falha nunca.
DINHEIRO – As seguradoras continuam com problemas nos seus negócios?
TARDÍO – Todas as seguradoras passam por dificuldade. A AIG foi a primeira a ter problemas. Aquelas que não tinham o segmento de vida como prioridade foram salvas e não apresentaram grandes problemas. Porém, quem é ativo em vida compete de maneira sofisticada com o sistema financeiro. Quem era ligado a esses produtos teve problemas sérios. O que dá para dizer é que as seguradoras tradicionais vão passar melhor pela tempestade do que as seguradoras modernas, que têm uma atividade de mercado financeiro ativo.
DINHEIRO – Haverá mais alguma quebra de seguradora?
TARDÍO – Como a AIG, eu não creio que se repita. É claro que há problema em seguradoras com reservas invertidas de valores, aquelas de renda variável. Mesmo que se escolham papéis triplo A, é um valor altíssimo a pagar e pode afetar o balanço. Não é o negócio. Em geral, este ano teremos balanços com resultados pouco brilhantes.
DINHEIRO – Até que ponto o dinheiro público deve ser utilizado para salvar instituições financeiras em dificuldades, sejam bancos ou seguradoras?
TARDÍO – Em geral, convém deixar que os mercados se regulem por si, com o fim de não introduzir elementos que possam distorcer a concorrência entre as empresas. Porém, há alguns meses, com o estopim da crise financeira internacional, pode-se observar numerosos exemplos de intervenção pública em diferentes países. E todas encaminhadas para apoiar diferentes empresas e setores. Esta situação contradiz com o funcionamento tradicional dos mercados e suas regras em matéria de competência.
DINHEIRO – As agências de classificação de risco (rating) são as culpadas pela crise?
TARDÍO – Não que elas sejam as culpadas, mas ajudaram a piorar. Elas não atuaram bem, deixaram um pouco de dúvida. O que fizeram foi atuar posteriormente. Cinco minutos antes de falir, uma empresa era triplo A. Logo depois, as agências baixaram a cotação. O papel delas é ser crítica. Todas as companhias americanas tinham essa avaliação alta e estão quebradas agora.
DINHEIRO – Elas desencadearam o processo?
TARDÍO – O desencadeante não foram as agências de rating. Elas não cumpriram a função de avisar. E elas têm que avisar dos perigos, é essa a função de uma agência de rating. Mas não cumpriram.
DINHEIRO – Quem é o grande culpado, então?
TARDÍO – É difícil ver a culpabilidade. Embora todos os “jogadores” financeiros sejam os culpados, foram os que desencadearam a espiral do crédito podre.
DINHEIRO – O presidente Barack Obama pode virar esse jogo?
TARDÍO – Tomara. Ele tem de ser a diferença. Todas as medidas têm de resolver o problema do consumo. É com o consumo que tem de se preocupar. Umas medidas podem ser mais efetivas que outras. Em várias medidas que ele tomou, a bolsa não reagiu. Mas, como os EUA são mais dinâmicos, foram os primeiros a entrar e serão os primeiros a sair da crise. Só depois virão todos os demais países.
DINHEIRO – Quais são as ameaças para os seguros este ano?
TARDÍO – Os riscos existem todos os dias, mas a subida de sinistros é um fato em períodos de crise. Quando a situação econômica piora muito, aumenta a crimina-lidade. O Brasil terá um bom ano, mas a maior preocupação é com os automóveis. As organizações criminosas roubam carros e os desmontam para vender peças de segunda mão.
DINHEIRO – A conquista do grau de investimento pelo Brasil foi boa?
TARDÍO – A maioria do mercado financeiro já esperava pelo investment grade. O Brasil é o melhor país neste momento, o mais equilibrado e atrativo de todos.