08/04/2016 - 0:00
O Cerrado Brasileiro, com seu clima árido e seco no inverno, é um local propício para alucinações. Talvez seja essa a razão para os deputados do Congresso Nacional gastarem seus vernáculos com propostas que atentam contra a razão e o Estado de Direito. A mais recente alucinação coletiva aconteceu na CPI dos crimes cibernéticos. Seu relatório final apresenta uma série de propostas para combater o crime digital que faz corar os Estados mais autoritários do planeta, como Arábia Saudita, Irã ou Coreia do Norte.
Para aqueles que lutaram por um país democrático, o texto da comissão presidida pela deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO) e assinado pelo deputado Espiridião Amin (PP-SC) pode ser considerado uma versão digital do AI-5. Para quem não conhece a história, trata-se do ato institucional de 1968 que deu plenos poderes aos ditadores militares, cessou com todas as garantias constitucionais dos cidadãos comuns e manchou com sangue a história da República brasileira. O relatório final, que ainda precisa ser aprovado, traz oito sugestões de projetos de lei para alterar legislações já existentes.
Há propostas que transformam as redes sociais em órgãos de patrulha. Os conteúdos que “atentem à honra” e forem considerados “acintosos” terão de ser apagados em 48 horas. O relatório propõe ainda que a identidade de qualquer usuário seja revelada “ao delegado de polícia e ao Ministério Público”, sem a necessidade de um mandado judicial. A Polícia Federal ganharia competência para lidar com todos os crimes computacionais, desde casos de difamação até pirataria de música e de filme.
E, por fim, o projeto altera o Marco Civil da Internet, uma espécie de constituição da web, para recriar a censura pura e simples no Brasil, ao permitir que os provedores de conexão façam o bloqueio de acesso integral de sites e serviços de internet. A internet não é terra de ninguém, como faz crer o senso comum. Hoje, é verdade, as redes sociais destilam ódio, num debate polarizado que vai muito além da boa educação. Mas não se pode, em hipótese alguma, concordar com propostas que parecem ter sido escritas apenas para beneficiar políticos ou corporações que se sintam ofendidos pelo conteúdo da web.
A rigor, sem ordem judicial, eles poderão pedir para que as informações sejam apagadas. Os abusos e as difamações precisam ser combatidos, mas com a intermediação de uma terceira parte capaz de garantir os direitos dos cidadãos de expressar sua opinião. O caminho contrário ao livre debate já foi trilhado por nós brasileiros em diversas épocas, como no Estado Novo, nos anos 1930 e 1940, e na Ditadura Militar, que durou de 1964 a 1984. Apesar de alguns loucos ainda pedirem a volta dos militares, é um legado que precisa ficar onde está: no passado.
(Nota publicada na Edição 962 da Revista Dinheiro)