23/03/2022 - 9:14
Das generosas doações aos grandes partidos à concessão de títulos de nobreza, a influência do dinheiro russo na política britânica suscita duras críticas desde a invasão da Ucrânia, reavivando os apelos por uma limpeza das finanças das formações políticas.
“A influência do dinheiro russo é muito importante na política e no ‘establishment’ britânico (…) e aumentou nos últimos 20vinte anos”, diz à AFP o empresário e ativista William Brodwder.
+ Biden cita “ameaça real” de russos usarem armas químicas na Ucrânia
Um relatório parlamentar de 2020 já alertava que “vários membros da elite russa próximos ao presidente Vladimir Putin foram identificados entre doadores para organizações políticas e beneficentes no Reino Unido”.
Atenção especial é dada ao Partido Conservador no poder, acusado de leniência depois de ter recebido, segundo a oposição trabalhista, quase 2 milhões de libras em doações de russos ricos desde que Boris Johnson se tornou primeiro-ministro em 2019.
Entre esses doadores, estão Alexander Temerko, um ex-funcionário de alto escalão do Ministério russo da Defesa e presidente da gigante petrolífera Yukos, agora um crítico do Kremlin; e Lubov Shernukhin, cujo marido serviu no gabinete do presidente Putin até cair em desgraça.
A imprensa britânica descreve este último como o maior doador da história do Partido Conservador. Desde 2012, ele transferiu mais de 2 milhões de libras para a legenda. Ele também ocupou as manchetes quando pagou dezenas de milhares de libras em um leilão para jogar tênis com o ex-primeiro-ministro David Cameron e com o próprio Johnson, e participou de um jantar com a ex-primeira-ministra Theresa May.
Os trabalhistas também pedem a renúncia do copresidente do Partido Conservador, Ben Elliot, responsável pela arrecadação de fundos e ligado a russos ricos por meio de uma empresa de concierge para os ultrarricos que ele cofundou, a Quintessentially.
– Gatilho –
Desde a invasão russa da Ucrânia em 24 de fevereiro, várias matérias foram publicadas pelos jornais sobre a nomeação vitalícia em 2020 para a Câmara dos Lordes – a câmara alta do Parlamento britânico, cujos membros não são eleitos, mas nomeados por título de nobreza – de Evgeni Lebedev, um amigo de Johnson e filho do magnata russo e ex-espião Alexander Lebedev.
De acordo com o Sunday Times, Johnson participou de festas em uma luxuosa propriedade de Lebedev na Itália.
No entanto, ele, como Temerko, se manifestou contra a ofensiva russa na Ucrânia e nega estar na folha de pagamento do Kremlin.
Os conservadores afirmam que todas as suas doações são registradas, legais e procedentes de cidadãos britânicos naturalizados. E acusam os trabalhistas de hipocrisia, dizendo que receberam um milhão de libras em doações de pessoas de origem russa.
William Browder lembra que o deputado trabalhista Lord Peter Goldsmith teria aceitado, segundo documentos revelados pela imprensa na época, trabalhar para um russo afetado pelas sanções.
E o membro conservador da Câmara dos Lordes Greg Barker acaba de renunciar ao cargo de presidente da EN+, uma gigante da mineração, cujo maior acionista é o oligarca russo Oleg Deripaska.
“É notável que alguns membros da Câmara dos Lordes tenham interesses comerciais ligados à Rússia, ou trabalhem diretamente para grandes empresas russas ligadas ao Kremlin”, insiste o relatório parlamentar de 2020.
Também se referiu, embora sem demonstrá-lo, à influência russa no voto a favor do Brexit, então defendido pelo agora primeiro-ministro.
“Ser um doador russo não significa apoiar Vladimir Putin, mas em um país como a Rússia, onde a indústria está ligada ao governo, você realmente não pode se tornar um oligarca sem o apoio do Kremlin”, diz o diretor do Centro Brennan de Estudos Governamentais e Eleitorais da Universidade de Nova York, Daniel Weiner.
Mais categoricamente ainda, Browder acredita que, como a Rússia é “uma ameaça à segurança nacional”, doações anteriores de russos devem ser “vistas com o maior ceticismo e não deve haver mais doações aceitas por qualquer partido de qualquer pessoa ligada a um governo”.
Ele acredita que a guerra na Ucrânia agiu como um gatilho para o governo britânico, que parece ter intensificado sua repressão ao dinheiro sujo na política e nos negócios.
“Putin forçou todos a perceberem que esta é uma questão de sobrevivência para (nosso) país”, diz ele.