No evangelho da Coteminas, José é o criador e Josué, seu filho, o homem que conduziu a companhia
na fuga do país dos juros altos
para a terra prometida da internacionalização. José, no caso, é Zé Alencar, fundador da Companhia de Tecidos Norte de Minas e atual vice-presidente da República. Foi ele quem fez da fabriquinha de tecidos de Montes Claros (MG) a maior empresa têxtil do Brasil, com faturamento de R$ 1,28 bilhão em 2003 e marcas poderosas como Santista, Artex e Calfat. Mas o mérito pela transformação da companhia em uma azeitada máquina de exportação é de Josué Gomes da Silva, sucessor hereditário de Alencar na presidência do grupo mineiro. O balanço da empresa, publicado na quarta-feira 31, revela que, pela primeira vez na sua história, as exportações da Coteminas superaram as vendas internas. Sua presença na América Latina está consolidada, mercados europeus estão sendo conquistados e as encomendas feitas pelos Estados Unidos são de tal ordem que exigiram a abertura de uma nova fábrica ? na Argentina. O filho do vice ganhou o mundo. E parece pronto a levar a empresa a alturas que seu pai não alcançou.

?Em 1997, nossas exportações não passavam de US$ 5 milhões
por ano?, lembra Gomes da Silva. O Brasil ainda crescia na onda do Plano Real, e o foco da companhia estava no mercado interno. A partir dali, as coisas mudaram. Crises vieram em sucessão ? asiática, russa, brasileira, argentina ?, o País empacou e o mercado interno começou a encolher. Neste meio tempo, Alencar elegeu-se senador (em 1998) e passou o comando do dia-a-dia da empresa a Gomes
da Silva. Foi quando se abriu uma janela para o mundo. Com o filho pródigo no comando, a Coteminas manteve, entre 1998 e 2003,
um crescimento médio de 31,9% ao ano em suas vendas, graças a uma reorganização que voltou seu foco para as exportações. Neste ano, elas romperão a barreira dos US$ 250 milhões, sendo cerca
de US$ 160 milhões para o mercado americano, destino de 65%
de tudo o que a Coteminas exporta.

Poderia ser mais, mas os Estados Unidos impõem cotas apertadas para a importação de têxteis brasileiros. ?Só as encomendas que temos em carteira já superam a cota brasileira?, revela Gomes da Silva. Sob o risco de não poder atender aos pedidos de seus clientes americanos, o empresário resolveu abrir uma fábrica de toalhas de banho na Argentina e, de lá, exportar para os Estados Unidos, driblando as cotas. A decisão foi tomada em outubro. No último dia de fevereiro as primeiras máquinas da planta de La Banda, na província de Santiago Del Estero, já estavam ligadas. Em pouco mais de quatro meses completou-se um processo que costuma levar dois anos ? ao modesto custo de US$ 15 milhões. ?Foi um milagre?, diz Gomes da Silva. Com a fábrica na Argentina, com capacidade de produção de 8 mil toneladas/ano, e mercado garantido nos Estados Unidos, a Coteminas fica em posição privilegiada entre seus pares.

 

Seus movimentos estão sendo observados de perto pelo mercado. ?O passo seguinte deles deve ser uma operação dentro dos Estados Unidos?, acredita Rodrigo Bonsave, analista do setor têxtil da corretora Coinvalores. Tanto é assim que, no final do ano passado, a Coteminas participou do leilão de venda das marcas da americana Pillowtex ? que já foi a segunda maior companhia têxtil do mundo e hoje está falida, com dívidas de mais de US$ 1 bilhão. Derrotados, os mineiros estariam agora procurando alternativas no pólo têxtil da Carolina do Norte. ?A Coteminas é o destaque do setor têxtil no Brasil e as exportações foram a menina dos olhos dela no ano passado?, atesta José Alberto Baltieri, analista de mercado da corretora Socopa. O lucro líquido de R$ 167,4 milhões obtido em 2003 superou as expectativas do especialista, que está recomendando a seus clientes a compra de ações da companhia.

O investimento na Argentina e os planos de desembarque nos Estados Unidos não inibem o apetite da Coteminas por aquisições no Brasil. José Alencar ? que embora afastado da gestão da companhia segue sendo seu principal acionista e mantém posições minoritárias em diversas outras empresas do ramo ? deve assumir no fim do mês o controle da Santanense, terceira maior indústria têxtil de Minas Gerais. O vice-presidente tem um crédito de R$ 11 milhões a receber do dono da empresa, Adelmo Percope. Bancos de investimento envolvidos na operação avaliam que o empréstimo, que vence no dia 30 de abril, dificilmente será honrado, o que resultará na transferência para Alencar das ações de Percope, oferecidas como garantia.

Aos 40 anos de idade, sendo cinco à frente da empresa, Gomes da Silva ainda vive à sombra do pai ? e convive muito bem com ela. Mais em evidência do que nunca agora que está no governo, Alencar continua fazendo as vezes do grande empresário por trás do grupo, enquanto seu filho se permite ser um sujeito normal, de perfil discreto. Ele é do tipo que não se esconde atrás de assessores ou secretárias. Gosta, por exemplo, de fazer e atender suas chamadas telefônicas. E adora contar a história da vida de
seu pai, em que aparece como um inquieto coadjuvante.
?Meu pai criou esta companhia do nada. Minha missão é fazer
dela uma potência internacional?, diz.

Quando Gomes da Silva nasceu, em dezembro de 1963, Alencar já era o principal atacadista de tecidos de Minas Gerais e estava começando uma fábrica de roupas masculinas que daria origem ao império da Coteminas. ?Desde pequeno, eu sempre gostei de ir ao escritório, para atrapalhar meu pai e comer o bolinho de fubá que vinha na hora do café?, lembra-se. A intensa convivência ao longo das décadas forjou personalidades parecidas. Quem lê a análise macroeconômica que abre o Relatório da Administração da Coteminas para o ano de 2003 encontra no documento ecos das diatribes antimonetaristas que fizeram de José Alencar um rebelde no coração do poder. Exemplo: ?A insistência das autoridades monetárias na política de juros altos (…) levou à desnecessária queda do PIB, aumento do desemprego e à significativa perda de renda da população?. Gomes da Silva garante, porém, que não é só a Coteminas que está afinada com o discurso de seu pai. ?É todo o setor industrial?, argumenta. Na condição de diretor-geral do Iedi (fórum de debates dos industriais brasileiros), ele diz que 99% dos empresários, ?e uma parcela crescente dos financistas?, consideram desnecessária a manutenção dos juros altos. Apesar de formalmente afastado da Coteminas, Alencar procura o filho quando pode para conversar sobre negócios. ?A preocupação dele é ter informações sobre o ambiente econômico?, explica Gomes da Silva.

CRIADOR: Alencar consulta o filho sobre ?temperatura? do mercado
Se há algo de fundamentalmente diferente na trajetória de José e Josué, este algo é a educação formal. Décimo primeiro filho de
uma família humilde de 15 irmãos, Alencar saiu de casa aos 14 anos para ganhar a vida, com pouco estudo. Gomes da Silva, ao con-
trário, foi o protótipo do aluno dedicado. Cursou engenharia e direito, ao mesmo tempo em que assumia o nascente departamento de informática da Coteminas. Depois, foi estudar administração na Universidade Vanderbilt, em Nashville (EUA). ?Lá eu também estudava umas 15 horas por dia
e era o melhor aluno?, gaba-se. ?Hoje é que fiquei preguiçoso.? Preguiçoso? Seu expediente começa às 7h30, não acaba antes
das 22 horas. Sobra pouco tempo para a esposa e o casal de
filhos, mas, paciência, Josué é um homem com uma missão. Sua inspiração vem de uma passagem do Sermão da Montanha que ele gosta de repetir: ?Aonde está teu tesouro, está teu coração?. O tesouro dele, ninguém duvida, chama-se Coteminas.

Colaborou Leonardo Attuch

US$ 250 MILHÕES
É quanto a Coteminas vai exportar em 2004, sendo
US$ 160 milhões para o mercado americano
Fábrica na Argentina vai produzir 8 mil toneladas/ano
de toalhas destinadas aos EUA
Grupo tentou comprar a americana Pillowtex.
Perdeu, mas não desistiu de aquisições
No Brasil, o fabricante deve assumir em breve
o controle da tecelagem Santanense