A América Latina compartilha os valores do Ocidente, mas precisa da China e carrega fardos como a luta contra as drogas, a pobreza e um Estado de direito fraco, opinam os ex-presidentes Luis Alberto Lacalle, Ernesto Zedillo e Juan Manuel Santos.

“Nós, latino-americanos, devemos aceitar que fracassamos” na tentativa de fazer com que as economias e sociedades alcançassem os níveis dos países mais desenvolvidos, afirmou na quarta-feira (30) o mexicano Ernesto Zedillo em um simpósio no Georgetown Americas Institute, em Washington, sobre os desafios e oportunidades da região.

A região se afoga em três “poços”: “crescimento medíocre” devido à baixa produtividade, “pobreza e desigualdade” e “um Estado de direito fraco”, lista Zedillo, que exclui três bons alunos: Uruguai, Chile e Costa Rica.

Tudo isto num contexto global complexo, agravado pelo fato de “muitos dos nossos países retornarem ao passado, a governos autoritários, autocráticos, despóticos que não acreditam no Estado de direito nem nas instituições”, acrescentou.

Para remediar isso, ele propõe uma abordagem “holística” para esses três “poços”, com “soluções intermediárias”.

“Algumas pessoas estão interessadas no Estado de direito e na segurança, mas não querem pagar impostos” e outras “querem preservar seus privilégios”, como às vezes acontece com alguns sindicatos, sustentou.

“Defendem tanto esses direitos que não permitem que outros tenham o mesmo direito”, disse Zedillo, que liderou o México por seis anos (1994-2000) pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI).

Lacalle, por sua vez, lembrou que não existe uma única América Latina, por isso “é muito difícil aplicar uma única fórmula ao tipo de relações que devemos e podemos ter”.

E é especialmente verdade hoje, quando a China e a Rússia “estão movendo as peças no tabuleiro de xadrez”, ressaltou.

– Valores ou prosperidade –

A Ucrânia monopoliza o noticiário, mas longe dali há “outras tensões” e emergências, lembrou, citando o caso da Venezuela, liderada pelo presidente Nicolás Maduro e, segundo ele, “colonizada por Cuba”.

Lacalle está convencido de que “uma tempestade está se formando” naquele país e que Cuba “se introduz até mesmo no serviço de inteligência”.

O restante da América Latina mantém, segundo ele, uma relação muito importante com a China, grande parceiro comercial da região.

“Se nos colocamos do lado dos valores, claro que estamos dos Estados Unidos, da União Europeia e da civilização cristã”, mas “por outro lado, a realidade do comércio e da prosperidade vem da relação com a China”, resume, insistindo que países pequenos como o seu devem colocar seus interesses em primeiro lugar.

Lacalle, um conservador que governou o Uruguai entre 1990 e 1995 e cujo filho Luis Lacalle Pou agora preside o país, também insistiu na importância da legitimidade política, não apenas com eleições justas, mas “no exercício do poder “, respeitando a lei.

Tanto Zedillo quanto Lacalle compareceram pessoalmente ao evento, mas Juan Manuel Santos o fez virtualmente.

“Sofremos o que quase todas as democracias sofrem”, uma “polarização crítica” que reduz a eficácia, declarou o ex-presidente conservador colombiano e prêmio Nobel da Paz em 2016.

– “Sabedoria” –

Essa polarização foi agravada, segundo ele, pela pandemia e a guerra às drogas.

“Hoje, um dos principais desafios” na região “é que estamos perdendo a luta” contra as drogas, disse Santos, que durante seu mandato (2010-2018) já apelava a uma outra abordagem a este problema.

“Acho que toda a América Latina deveria se reunir e discutir e fazer uma proposta para o resto do mundo” porque “é um problema muito grande que temos que enfrentar sendo mais pragmáticos, regulamentando as drogas e tirando dinheiro do crime organizado”, pediu.

Para Santos, falta “uma liderança” na região que ele espera que seja suprida por Luiz Inácio Lula da Silva, que assume a presidência do Brasil em 1 de janeiro.

Ele pode contribuir, segundo Lacalle, com “sabedoria” porque “o Brasil é politicamente muito sábio”. “Não acho que ele será um presidente radical”, afirmou, porque é sua “última” chance.

O ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton devia encerrar o dia com uma reflexão sobre a América que foi adiada porque contraiu covid-19.