21/06/2022 - 14:05
Apesar de possível na Alemanha, gestantes enfrentam jornada para conseguir informações básicas e ter acesso ao procedimento para interromper a gravidez. Situação pode mudar em breve com mudança prevista na lei.”Eu realmente tive muita dificuldade de encontrar informações na internet”, conta Verena, que, aos 22 anos, descobriu uma gravidez indesejada. “Não havia uma maneira fácil de descobrir quais médicos fazem aborto, onde eles estão e como o procedimento é feito.”
A situação legal do aborto na Alemanha é complicada. Segundo o Parágrafo 218 do Código Penal, uma mulher que interrompe a gravidez pode ser condenada a até três anos de prisão. No entanto, uma emenda modifica a lei: segundo o texto, o ato é tolerado se for realizado até a 12ª semana e a mulher consultar um conselheiro sobre sua decisão e marcar a intervenção para pelo menos três dias após a sessão.
O aborto também não é crime se a gestação coloca a saúde da mãe em risco ou se foi provocada por estupro. Após a 12ª semana, contudo, a interrupção é ilegal, a menos que se constatem circunstâncias médicas imprevistas.
Apesar da permissão, há muitas barreiras para mulheres que optam pelo procedimento. Uma delas é o Parágrafo 219 do Código Penal. Essa antiga lei de 1933, que entrou em vigor durante a era nazista, proíbe que médicos anunciem nos sites de seus consultórios os tipos de procedimento de aborto oferecidos, além de publicar informações sobre período de recuperação ou potenciais riscos.
Embora essa lei tenha sido reformada em 2019, permitindo médicos de listarem o procedimento em seus sites, eles ainda não podem fornecer detalhes.
Mas esse parágrafo está com os dias contados. Em janeiro, o Ministério da Justiça da Alemanha propôs um projeto de lei para permitir que os médicos do país não sofram mais restrições para informar sobre procedimentos de aborto. Nesta semana, a coalizão de governo formada por social-democratas, verdes e liberais deve abolir a legislação em votação no Parlamento.
Sob o 219, a ginecologista da cidade de Giessen Kristina Hänel, que realiza abortos há 30 anos, foi condenada em 2017 a pagar uma multa de 6 mil euros (R$ 32,7 mil) por listar o procedimento no site de seu consultório. O caso gerou um acalorado debate no país. “Se o 219 for abolido, a Alemanha dará um passo na direção certa para fornecer informações aos pacientes”, disse Hänel.
Jornada para conseguir informações
Há cinco anos, Verena descobriu que a falta de informação acessível pode levar a horas de busca sem resultado. Até que ela ligou para uma clínica local que repassou o contato de três médicos. Apesar de ter os contatos, ela não conseguiu qualquer informação sobre a avaliação desses especialistas e também sobre como os procedimentos eram realizados, efeitos colaterais e recomendações para depois do aborto.
“Ao procurar sobre aborto no Google, você é direcionado a sites que alertam sobre depressão, traumas e infertilidade. Isso não é um conselho médico, e faz você se sentir a pior pessoa do mundo”, afirmou, enfatizando o custo emocional para obter até mesmo as informações mais básicas.
Para a ginecologista Jana Maeffert, da organização de direitos reprodutivos Doctors for Choice Germany, a escassez de informações pode criar situações terríveis para pacientes que correm o risco de descobrir tardiamente que determinada clínica não oferece o que eles procuravam. Médicos atualmente não podem informar em sites que tipo de procedimento de interrupção da gravidez oferecem e até qual semana de gestação realizam o aborto.
Menos acesso ao aborto
Para realizar um aborto, a paciente precisa apresentar ao médico um certificado de que passou por uma consulta de aconselhamento num centro credenciado pelo Estado pelo menos três dias antes do procedimento. Há várias organizações que oferecem esse serviço, no qual a gestante é informada sobre outras opções, como onde pode encontrar ajuda psicológica e financeira se decidir ter o bebê e também sobre adoção.
Verena conta que foi quase impossível conseguir uma consulta num desses centros. Ela lembra que fez várias ligações, e conseguir marcar um horário pode levar semanas.
Por fim, ela conseguiu encontrar um médico que fazia aborto e marcar a consulta de aconselhamento, mas essa não é a regra para todas as mulheres na Alemanha. Desde 2003, o número de médicos que fazem procedimentos de interrupção da gravidez diminuiu 40% – atualmente apenas 1,2 mil consultórios em todo o país oferecem esse procedimento. Há 20 anos, eram 2 mil.
“O aborto é um tabu na Alemanha, para pacientes e também para médicos. Médicos de cidades pequenas preferem não oferecer o procedimento para não serem rotulados como o doutor do aborto”, afirma Maeffert. Apenas um em cada dez ginecologistas realiza abortos na Alemanha. Não necessariamente porque são contra, mas devido às altas barreiras”, acrescenta.
Segundo Maeffert, alguns pacientes precisam viajar dezenas de quilômetros para realizar o procedimento, principalmente em regiões rurais de estados católicos, como a Baviera. Mas a situação não é muito melhor em algumas metrópoles. Segundo a imprensa local, em Stuttgart, nenhum hospital faz aborto. Em Münster, o último médico que fazia o procedimento se aposentou em 2019.
Alvo de ativistas
Além da diminuição no número de consultórios que oferecem aborto, estatísticas mostram que também houve uma queda na quantidade de mulheres que interromperam a gravidez de forma espontânea. Em 2021, foi registrado o menor nível em 25 anos. Segundo o Departamento Federal de Estatística da Alemanha, cerca de 94.600 abortos foram feitos em 2021, o que representa 5,4% a menos do que no ano anterior.
Já médicos se tornaram alvos de ativistas antiaborto, que protestam na frente de consultórios, realizam passeatas e enviam ameaças nas redes sociais. Hänel convive com essa violência há anos, e sempre antes de fazer alguma palestra conversa com a polícia. Para a ginecologista que se aposentará em breve, essa situação é bastante pesada para jovens médicas.
Além da dificuldade para os pacientes terem acesso à informação, estudantes de medicina também não recebem o treinamento necessário. Segundo a organização Medical Students for Choice, o tema, quando abordado, é tratado em “apenas dez minutos” durante a aula.
Por isso, estudantes de medicina encontraram alternativas para receber o treinamento necessário. Nos chamados “workshops do mamão”, por exemplo, eles aprofundam os conhecimentos e são treinados para o procedimento usando um mamão.
Alguns médicos também prescrevem pílulas abortivas em um projeto de telemedicina. Sob supervisão médica, a paciente toma os comprimidos em casa para induzir o aborto.
Há várias possibilidades de fazer aborto na Alemanha, mas ainda não é fácil obter informações sobre o tema. Isso pode mudar em breve, quando o parágrafo 219 for abolido do Código Penal.