Compromisso com o meio ambiente. Reforma tributária aprovada. Ingresso na OCDE. Escalada dos juros compensando a inflação. Esse é o Brasil que o ministro Paulo Guedes projeta para o próximo mandato de Jair Bolsonaro. Pelo menos foi o que disse para os empresários, chefes de Estado e membros do clubinho dos países ricos durante seu tour pelo Velho Continente. E tudo ia bem, até que abalos provocados por seu chefe do lado debaixo da linha do Equador atravessaram o oceano e fizeram tremer também o solo onde pisava Paulo Guedes. Entre demissões, exonerações e pesquisas de popularidade, o discurso do ministro perdeu força, e em seus últimos compromissos ficou evidente o desconforto tanto do emissor quanto dos receptores da mensagem.

E foi nessa derrocada que o arauto de um Brasil melhor passou a ampliar os discursos. Além da reforma tributária, falou sobre transferência de renda direta do Estado para a população. Criticou a inflação na Europa e disse que os Bancos Centrais estão errando ao não aumentar os juros. Disse que não tem “nada a ver com o que acontece na Petrobrás” e lavou as mãos sobre o assunto. Também aproveitou para criticar as pesquisas de popularidade do presidente Jair Bolsonaro e alfinetar a imprensa.
E todo esse caos começou na tentativa de defender o motivo de ter interesse em vender as empresas estatais. Para justificar seu pensamento, ele comparou a situação do Estado brasileiro com o francês, que tem bilhões de dólares em estruturas e empresas estatais e “de vez em quando vemos alguém dormindo debaixo da Torre Eiffel”. “Por que não distribuímos, além de renda, nossas riquezas?”. Em um rompante que mistura o discurso liberal que o forjou e toques de Peter Pan, ele afirmou que essa transferência solucionaria o problema do Brasil. “Eu prefiro vender e dar o dinheiro para os pobres. Acho que teria um impacto muito maior na economia.”

E ele não está errado, mas esse movimento isolado não é capaz de mudar de forma perene a situação brasileira. Carlos Eduardo Silveira, professor de macroeconomia da Universidade de Brasília e ex-pesquisador-chefe do Ipea explica. “A transferência de riquezas do Estado fortalece a população até certo ponto, pois quanto mais esvaziado o Estado e suas capacidades de amparar o cidadão, maior o gasto por família.” Um exemplo, segundo ele, são os Estados Unidos, que venderam praticamente 95% de suas empresas, fomentaram programas de forte redistribuição de renda no começo dos anos 1990 e em 2022 somavam 37,2 milhões de cidadãos abaixo da linha da pobreza, segundo o próprio governo.

75% dos brasileiros ouvidos pelo Datafolha culpam o governo Bolsonaro pela alta inflação

TODO MUNDO ESTÁ ERRADO Como se os problemas internos no Brasil não bastassem, e a inflação não estivesse maltratando a renda, Guedes também reservou um tempo para criticar o comportamento dos Bancos Centrais dos países europeus. Segundo ele, “há algo de errado” no andamento da política monetária nos países. “Com 8% de inflação e taxas de juros de 0,5%, a inflação vai ser um grande problema aqui [Europa]. No Brasil, a taxa de juros é 12% e a previsão da inflação para este ano é de 6%, ou seja, as taxas de juros reais são muito positivas. Nos EUA e na Europa, eles estão se movendo muito lentamente”.

E se por aqui a escalada da Selic tem sido, na visão de Guedes, o suficiente para controlar a inflação, essa percepção não parece ter sido comprada pelos brasileiros. Segundo uma pesquisa do Datafolha, 75% dos brasileiros responsabilizam na totalidade ou em parte o governo Bolsonaro pela inflação. Mas não foi só essa pesquisa que jogou balde de água fria nos planos de reeleição de Bolsonaro.

Outro levantamento do Datafolha revelou que só 19% dos beneficiados pelo Auxílio Brasil consideram o governo Bom ou Ótimo, abaixo da média nacional de 25%. Para 68% dos ouvidos, o valor de R$ 400 é insuficiente e, para piorar, 62% afirmaram não votar no atual presidente de jeito nenhum, com 59% preferindo o ex-presidente Lula. “Então eu acho que o Datafolha está fazendo o seu trabalho, sem problema, está coletando dados para dizer que Bolsonaro é um mau presidente e que Lula está voltando, e vai ter dinheiro para todo mundo, inclusive para a imprensa.” Típico discurso muito passional e pouco profundo que tem marcado a gestão de seu chefe.

OUTRO MINISTRO DA BRIGA ELEITORAL

Enquanto Paulo Guedes tenta emplacar a reeleição de Bolsonaro, outro importante ministro faz suas apostas. O chefe da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, deu na quarta-feira (30) início ao processo de privatização portuária do atual governo, com o leilão da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa). Ele, que deve ser a aposta de Bolsonaro na corrida pelo governo do estado de São Paulo em outubro, não pretende parar por aí. “Queremos fazer neste ano ainda a privatização do porto de Itajaí, de São Sebastião e do porto de Santos”, disse.

No cronograma da Pasta, o Espírito Santo foi só o começo. “Com ele nós entendemos a natureza e a dimensão dos desafios regulatórios para fazer as outras privatizações”, disse. Tarcísio, que na quinta-feira (31) pediu exoneração do cargo de ministro para se preparar para a corrida eleitoral reforçou que, só o leilão do porto de Santos trará R$ 19 bilhões em investimentos. O fundo de investimentos Shelf 119 Multiestratégia, da gestora Quadra Capital, que levou a Codesa, ofertou uma outorga no valor
de R$ 106 milhões pela concessão.