09/03/2012 - 6:00
DINHEIRO ? O Brasil tem muitas reclamações contra a China na OMC. Como está a relação entre os dois países?
LI JINZHANG ? Temos visitas frequentes de alto nível e uma confiança política muito profunda entre os dois países. Estamos discutindo novas áreas para o desenvolvimento da parceria estratégica. A cooperação econômico-comercial, em particular, se desenvolve muito rapidamente. Segundo a estatística chinesa, o comércio bilateral chegou a US$ 84,2 bilhões no ano passado, com alta de 35% em relação ao ano anterior. As exportações do Brasil à China respondem por 80% das exportações brasileiras para a Ásia. A China também quer mais cooperação em recursos naturais, energia, indústria automobilística, agricultura e na área financeira.
DINHEIRO ? Como ampliar essa cooperação em face da crise?
LI ? A cooperação pragmática já se desenvolveu bastante, mas ainda temos espaço para avançar. O PIB da China ultrapassou US$ 7 trilhões e o do Brasil, US$ 2 trilhões, que se tornou a sexta maior economia do mundo. O volume de comércio, de US$ 80 bilhões, ainda é uma cifra pequena.
DINHEIRO ? E como ela pode ser ampliada? Hoje, o Brasil praticamente só exporta commodities para o mercado chinês.
LI ? Temos de ter como premissa básica dessa cooperação o benefício mútuo e os ganhos partilhados. Para isso, precisamos seguir as regras da OMC e também as regras de funcionamento do mercado. Ao longo dessa cooperação é natural que surjam opiniões diferentes, até divergentes. Diante desses problemas, temos de ter um respeito recíproco e negociar de forma amistosa. Na China também há gente que reclama que nos últimos anos só tivemos déficit no comércio com o Brasil. Segundo as nossas estatísticas, o déficit chinês foi de US$ 80 bilhões nos últimos dez anos. Só no ano passado, foram US$ 20 bilhões, conforme a estatística chinesa, e US$ 11 bilhões, segundo a brasileira. Para o Brasil, isso significa que a China representou um terço do seu superávit. Esse superávit significa muitas vagas de trabalho na China.
DINHEIRO ? No Brasil, quando se fala em equilíbrio, a reclamação costuma partir do setor industrial, que deseja exportar mais. O sr. acredita que o equilíbrio pode vir no sentido de zerar o déficit chinês?
LI ? Há pessoas que querem isso, mas o governo da China não apoia essa ideia. Nós achamos que é natural ter algum déficit ou superávit no comércio bilateral. O mercado chinês tem forte demanda por esses produtos importados do Brasil e não podemos reprimi-la apenas para buscar um equilíbrio no comércio.
Plantação de soja no Estado de Mato Grosso.
DINHEIRO ? Como se dará esse equilíbrio?
LI ? A estrutura do comércio bilateral, com exportação de manufaturados chineses, demonstra a natureza das economias e as vantagens comparativas de cada país. Não podemos imaginar a China exportando recursos naturais para o Brasil. A nossa vantagem comparativa está nos recursos humanos, porque temos uma população muito grande. Por isso a China pode oferecer produtos manufaturados de boa qualidade e preço competitivo. Mas também queremos importar mais produtos de maior valor agregado do Brasil. O mercado da China é aberto. No ano passado, nossas importações passaram de US$ 1,7 trilhão, incluindo muitos produtos industrializados. Estamos trabalhando para aperfeiçoar cada vez mais a estrutura de comércio com o Brasil. O setor de aviação civil da China importou 101 unidades do modelo ERJ da Embraer.
DINHEIRO ? Por outro lado, a Embraer teve problemas para produzir na China…
LI ? É bem natural o surgimento desse tipo de problema nos negócios entre as empresas. As companhias têm de ajustar sua atuação de acordo com a demanda do mercado. Mas agora, segundo o meu conhecimento, os negócios da Embraer na China estão indo bem. Associada ao parceiro chinês, a Embraer deve começar a produzir o jato executivo Legacy ainda neste ano. Creio que os empresários brasileiros devem ser mais agressivos para explorar o nosso mercado. Devem estudá-lo melhor e explorá-lo de forma positiva, para exportar cada vez mais produtos de alto valor agregado, de qualidade superior. Por exemplo, os produtos químicos e metálicos brasileiros têm um grande potencial. No ano passado, a exportação aumentou 30%.
DINHEIRO ? O sr. acredita que os empresários brasileiros precisam ser mais agressivos ou eles não têm vantagens comparativas, preço, qualidade?
LI ? Em relação a preço e qualidade, isso será decidido pelo mercado. Qualquer empresa para entrar num mercado tem de elevar a qualidade, adaptar-se à demanda dos consumidores e baixar custos. Mesmo com todos os problemas, sou bastante otimista. O Brasil é um grande emergente. E, em algumas áreas, é o mais avançado do mundo. É o caso do plantio de soja, que o Brasil desenvolveu na região tropical. Não se pode dizer que são produtos básicos. Têm alta tecnologia e produtividade. Além disso, o Brasil está bem avançado na área de biotecnologia, com o desenvolvimento do bicombustível e também em nanotecnologia.
DINHEIRO ? O Brasil aumentou o IPI para carros importados, o que afetou empresas chinesas. Como o sr. avalia essa medida e quais serão as conversas com o governo brasileiro no próximo ano, quando a medida já não estará em vigor?
LI ? O governo brasileiro já disse que é uma medida provisória. Quando a medida foi anunciada, muitos países já reclamaram na OMC.
O presidente chinês Hu Jintao.
DINHEIRO ? A China pretende reagir?
LI ? Não. Nós preferimos negociações amistosas. Algumas empresas automobilísticas chinesas já começaram o processo para produzir no Brasil. Isso pode trazer tecnologia e gestão para as empresas de automóveis do Brasil e gerar mais postos de trabalho e arrecadação.
DINHEIRO ? A exportação de frango brasileira já foi ampliada, porque a China colocou uma barreira às exportações dos Estados Unidos por causa de uma medida antidumping dos americanos. O Brasil também tem muitos processos antidumping contra produtos chineses. A China pode adotar uma medida semelhante em relação ao Brasil?
LI ? Acho que o frango brasileiro é bem saboroso. Eu como todos os dias. Também começamos a importar carne suína do Brasil. Nas próximas semanas vem uma delegação chinesa de técnicos para analisar a importação de mais produtos. Pessoalmente, sou contra esse tipo de guerra comercial, retaliações, etc. Isso só vai causar prejuízos para os dois lados. Vira um círculo vicioso.
DINHEIRO ? O embaixador brasileiro em Pequim, Clodoaldo Hugueney, disse que o Brasil vai impor novas restrições aos produtos chineses. Ele salientou, inclusive, que o governo chinês já foi avisado.
LI ? Ainda não vi a íntegra do discurso do embaixador, apenas o que saiu na imprensa. Por isso não gostaria de fazer comentários sobre isso. Só posso dizer que o protecionismo não vai elevar a competitividade da indústria. Só vai prejudicar os consumidores.
DINHEIRO ? Como estão as negociações para que o Brasil reconheça a China como economia de mercado?
LI ? Estão em curso. Estão avançando.
DINHEIRO ? A China apoiaria o Brasil para o Conselho de Segurança da ONU em troca do apoio na OMC?
LI ? São assuntos completamente diferentes. A China não vai negociar com algumas questões de princípio.
DINHEIRO ? E qual é o princípio nesse caso?
LI ? Nós apoiamos a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Devemos dar prioridade ao aumento da representatividade dos países em desenvolvimento. O Brasil deve desempenhar um papel de maior destaque no cenário mundial.
DINHEIRO ? Outra medida em estudo pelo governo brasileiro é a proibição de compra de terras por estrangeiros. Muitos chineses estão comprando terras no Brasil? Como o governo vê essa proibição?
LI ? Não prestei muita atenção nesse assunto. Poucas empresas chinesas compraram terras no Brasil. As de outros países compraram mais. Os investimentos de empresas chinesas no Brasil têm de obedecer às regras locais.
DINHEIRO ? Qual é o interesse do investidor chinês pelo Brasil?
LI ? Temos interesse nas áreas de energia, com a Petrobras, construção civil e infraestrutura.
DINHEIRO ? O governo chinês estabeleceu uma nova meta de 7,5% para o crescimento do PIB este ano antes os 8% adotados desde 2005. Qual é o impacto disso?
LI ? A atual conjuntura econômica mundial é delicada, complexa e cheia de incertezas. A meu ver, uma taxa de crescimento do PIB de 7,5% é bastante alta. Com o aumento da produtividade e a melhora de vida do povo chinês, a demanda por commodities do mercado doméstico manterá uma tendência crescente no longo prazo.