A indústria está diante de um tabu de quatro décadas ? e ainda não sabe como enfrentá-lo. É o colaboracionismo com o regime militar brasileiro (1964-1984), uma relação estreita, obscura e sinuosa que, numa quadra de crescimento econômico acelerado – na qual se produziu o chamado milagre econômico – aproximou os departamentos de assuntos institucionais e recursos humanos das empresas dos aparelhos de repressão. A partir desta semana, executivos de empresas como Firestone, General Motors, Philips e Volkswagen começam a ser chamados a Brasília para uma audiência pública. O convite é da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, interessada em apurar as histórias de elaboração de listas negras anti-contratações, fichas profissionais entregues à polícia e reuniões de trabalho entre executivos e militares. ?A verdade é que as empresas fizeram uma parceria público-privada com a repressão?, atesta o deputado Chico Alencar, integrante da Comissão. ?Não queremos o surgimento de uma nova indústria de indenizações, mas a verdade tem de aparecer para que não se repita?.

A pressão para a indústria lembrar de um passado que quer esquecer acontece num momento em que as alianças entre companhias privadas e regimes fechados chega às barras dos tribunais. Nos Estados Unidos, o caso mais rumoroso é o do pedido de indenização feito por 17 famílias de ex-operários da antiga Mercedes Benz da Argentina (DaimlerChrysler). A empresa teria enviado os nomes dos seus empregados, fotos e fichas completas aos órgãos de repressão da ditadura militar do país (1976-1983). Eles foram presos, perderam seus empregos e tiveram suas vidas marcadas pela perseguição. A gigante petrolífera Exxon, ao mesmo tempo, é acusada de patrocinar mercenários para patricarem crimes de tortura e assassinato em troca da proteção de suas instalações na Indonésia. As subsidiárias colombianas da Coca-Cola, por sua vez, sofrem processo sob acusação de terem financiado esquadrões da morte contra dirigentes sindicais. Com os assuntos em tramitação na Justiça, as companhias evitam se pronunciar. Mas o Departamento de Estado dos EUA resolveu advogar para as empresas. Em cartas a juízes, funcionários recomendam o engavetamento das ações, sob pena de prejuízo aos interesses americanos no mundo.

No Brasil, muitos episódios de colaboracionismo chegam à luz agora nas páginas do livro Linhas de Montagem, do historiador Antonio Luigi Negro. Recém-lançado, exibe documentos inéditos sobre a parceria das empresas com o regime. ?Nem o governo nem as companhias toleravam greves e a agitação sindical?, conta o historiador. ?Com o PIB crescendo quase 10 por cento ano, na virada da década de 60 para 70, era mais do que natural que a aliança histórica entre as duas partes se fortalecesse?. Um dos documentos, obtido no acervo do antigo Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e datado de 30 de maio de 1975, revela que uma paralisação de meia hora feita por 200 funcionários da seção de pintura da GM foi monitorada pelo setor de inteligência do exército. Os militares registraram num relatório oficial que os empregados reivindicavam ?salário igual para trabalho igual? e seu principal líder era o sindicalista Paulo Vidal, antecessor de Lula como presidente do sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Apontados pelos militares como cabeças do movimento, oito trabalhadores foram demitidos. Os arquivos da GM não registram o episódio.

O palco central da ligação entre as empresas e os órgãos de repressão era mesmo o ABC paulista. Ali, de acordo com um relatório do SI (setor de informações) do Dops, ocorreu uma reunião no dia 18 de setembro de 1974 ?entre representantes da política política, do II Exército, da Delegacia Seccional de Polícia do ABCD e chefes de seguranças das empresas citadas?. Eram a Volks, a GM, a Ford e a Chrysler. No encontro foi traçada uma linha de ação conjunta contra greves rápidas, ?de aproximadamente 40 minutos?. Ainda hoje os representantes das montadoras não admitem que se traçasse, neste tipo de reuniões, estratégias contra os grevistas. ?Isso é lenda, só aconteceu em filme?, diz o empresário Roberto Della Mana, ex-negociador da Fiesp com os metalúrgicos do ABC na década de 1980. ?Em qualquer tempo, nenhum funcionário da Volks teve delegação para participar, em nome da empresa, de reuniões deste tipo?, afirma um porta-voz da companhia. O ex-metalúrgico Jaime Vicente da Silva Ferreira, um antigo ativista sindical dos tempos de Lula como dirigente sindical, acusa a empresa de tê-lo demitido sob a alegação de que era comunista. ?Gostaria de uma retratação?, diz ele. A Volks alega ter vasculhado seus arquivos sem encontrar o nome dele entre seus ex-empregados. Um caso típico para figurar na audiência pública a ser marcada em Brasília.

Entre réus

Parceria:
A Globo.com pretende dividir com os fabricantes a receita sobre cada venda
Vitrine eletrônica:
Alguns produtos dos cenários serão escolhidos de acordo com o potencial de vendas
Ganhos:
Os atores terão ganhos extras com os acordos assinados entre a emissora e os anunciantes em função do novo modelo de propaganda