26/04/2013 - 6:04
DINHEIRO ? Durante boa parte de sua carreira no setor privado, o sr. lidou com a CVM e com outros reguladores estrangeiros. Como ela se compara com outros órgãos?
LEONARDO PEREIRA ? A CVM tem muita credibilidade. Eu já pensava assim antes, e só confirmei quando vim para cá. A equipe técnica é muito boa, as pessoas são muito engajadas, muito atualizadas. A CVM assumiu um papel internacional muito grande, com essas discussões que acontecem no G-20, no Financial Stability Board (FSB) e em outros foros. A regulação brasileira também é muito boa. Em algumas áreas o Brasil é benchmark (referência); em outras, temos que melhorar.
DINHEIRO ? Como sua gestão será diferente da gestão da ex-presidenta Maria Helena Santana, que ficou marcada pelas punições?
PEREIRA ? A punição faz parte do papel do regulador. Temos vários papéis, como organizar, supervisionar e orientar o mercado, além de educar, normatizar e punir, se alguém fizer algo errado. Foi isso que a Maria Helena fez: se mais gente vai contra as regras, aumentam as punições.
DINHEIRO ? Essas punições tiveram um papel educativo?
PEREIRA ? Tiveram. Um levantamento feito por nós depois do Parecer 35, que deu mais esclarecimentos sobre o que pode e o que não pode ser feito no mercado de ações, mostra a redução do número de punições. Isso demonstra que o papel de orientar e de esclarecer os procedimentos desse mercado é muito importante. Quando tomei posse, listei quatro ou cinco pontos que considerava prioritários e percebi que para todos eles a resposta é a melhora da educação.
DINHEIRO ? Educação para as empresas ou para o acionista?
PEREIRA ? Para todo mundo. É preciso que todos estejam engajados em melhorar a educação.
DINHEIRO ? O mercado cresce com os juros num patamar menor?
PEREIRA ? Sim, e não apenas o de ações. Hoje existem no Brasil 11 mil fundos. O mercado de valores mobiliários, que movimenta atualmente R$ 6 trilhões, deve crescer para R$ 8 trilhões nos próximos dez anos. É muito grande e tem muitos produtos novos.
DINHEIRO ? A regulação é adequada?
PEREIRA ? É boa, mas continuamos aperfeiçoando. Vamos agora começar uma revisão da norma 409, para melhorar a regulação dos fundos. Estamos fazendo um estudo interno, para depois colocar em consulta pública. Deveremos ter a mudança no próximo ano.
DINHEIRO ? O que é preciso mudar?
PEREIRA ? A regulação tem de estar em linha com o crescimento da indústria de fundos, que está se expandindo rapidamente. Como vai muito para o varejo bancário, é preciso que as pessoas que estão vendendo saibam o que estão vendendo e as pessoas que estão comprando saibam o que estão comprando.
DINHEIRO ? Havia uma expectativa de que bolsas estrangeiras viessem para o Brasil, mas, como isso não aconteceu, acabou permanecendo o monopólio da BM&FBovespa. Por quê?
PEREIRA ? Não vieram, mas há vários interessados. Essa questão, antes de tudo, é de mercado. O regulador tem de assegurar que o risco sistêmico não se deteriore, independentemente de ter ou não monopólio.
Abilio Diniz, presidente dos conselhos do Pão de Açúcar e da BRF
DINHEIRO ? Para o crescimento do mercado, faz diferença ter mais de uma bolsa?
PEREIRA ? A experiência internacional varia. Em alguns lugares, a fragmentação foi positiva, e em outros, não. Não tenho uma resposta. Mas, se alguém pedir para ser analisado, passará por avaliação. Até agora, ninguém pediu formalmente, mas informalmente sei que há interesse de estrangeiros em vir para o Brasil.
DINHEIRO ? Quando assumiu, o sr. disse que sua prioridade era a questão dos conselhos de administração. O que está sendo feito?
PEREIRA ? Os conselhos de administração têm de saber qual é o seu papel. A boa governança começa no conselho de administração. Eles também mudaram muito nos últimos anos. Estamos num processo de transição. Acho que a tradução para conselheiro do termo em inglês non-executive director é ruim. Parece que a pessoa só está lá para dar conselhos. Mas, se for olhar o texto da Lei das S.A., verificamos que a função do conselheiro é muito clara. Ele é responsável por nomear os diretores executivos, que são responsáveis por executar as diretrizes que o conselho decidiu.
DINHEIRO ? O que a CVM pode fazer?
PEREIRA ? Ela tem de orientar, supervisionar e zelar pela boa governança. Quando isso não acontece, tem de punir. Nós temos feito isso. Temos acompanhado as assembleias, as eleições dos conselhos. Estamos discutindo mudanças no formulário de referência para deixar bem claro qual é o papel deles. Além dos conselheiros, queremos aperfeiçoar as informações sobre operações entre partes relacionadas, quando há negócios entre empresas do mesmo dono.
DINHEIRO ? Um caso muito noticiado no mercado brasileiro nos últimos meses envolve o empresário Abilio Diniz, que quer permanecer no conselho do Pão de Açúcar e no da BRFoods. É possível ficar nas duas empresas, mesmo sendo, a um só tempo, fornecedor e cliente?
PEREIRA ? Quem tem de decidir sobre a presença de Abilio nos dois conselhos são as duas empresas envolvidas. A regra não diz nada sobre casos desse gênero. Se as partes envolvidas quiserem, podem consultar a CVM, mas até agora ninguém fez isso. Estão fazendo da forma correta, discutindo entre eles. Todo mundo está prestando muita atenção nisso.
DINHEIRO ? A CVM tomou uma atitude polêmica, no início do mês, com a suspensão da abertura de capital do BB Seguridade, depois revogada, porque dois gerentes enviaram e-mails a clientes recomendando a compra das ações. Houve excesso de rigor?
PEREIRA ? Não sei se foi excesso de rigor. Algumas pessoas disseram isso. Mas existe a regra. Outras disseram que foi resolvido rápido demais. Nunca todo mundo está satisfeito. A área técnica viu, suspendeu e conversou com o Banco do Brasil. Os dois lados se comunicaram de modo eficiente e buscaram resolver o problema. Eu nem estava no Brasil, só acompanhei de longe. A decisão nem precisou ser levada ao colegiado da CVM, porque já foi resolvida rapidamente pela área técnica. É importante o regulador conversar com o regulado. Muitas vezes o regulador fica um pouco longe do mercado e o regulado não fala com o regulador.
Operador brasileiro, em 2008, acompanha a queda dos papéis com a crise que estourou nos EUA
DINHEIRO ? O regulador fica como xerife.
PEREIRA ? Pois é. Essa brincadeira do xerife é o seguinte: você tem um mercado em que se trocam coisas. Nesse caso, é um mercado de capitais, mas podia ser uma feira. É preciso que os objetos de troca funcionem direito para que os participantes estejam à vontade, tenham segurança. As regras buscam equilibrar isso. E para tanto, é preciso ter os canais de comunicação abertos.
DINHEIRO ? As empresas vêm utilizando muito a justificativa do período de silêncio, que antecede a divulgação dos balanços, como pretexto para não falar. Com isso, muitos não falam mais nada. Há alguma discussão na CVM sobre mudar essas regras, flexibilizá-las ou deixar mais claros os limites?
PEREIRA ? Acredito que tem de deixar mais claro. Mas, a não ser que veja algo errado, o regulador não pode intervir. É preciso deixar bem claro que o período de silêncio é sobre aquelas questões do trimestre ou do ano. Também é preciso saber falar. Tive muitas discussões na minha vida de executivo sobre isso. Não se pode falar sobre aqueles assuntos específicos, mas a empresa precisa se comunicar. E, se algum acionista achar que está sendo prejudicado porque a empresa não está falando sobre algo que deveria falar, tem que reclamar.
DINHEIRO ? Como está o mercado brasileiro em relação à segurança?
PEREIRA ? Comparando com o resto do mundo, está bem. Comparando com o que era há 30 anos, quando eu comecei, também está bem.
DINHEIRO ? E comparado a 2008?
PEREIRA ? Acho que o mercado de ações está mais seguro. Isso não quer dizer que não haja muito a ser feito. Mercado é assim: se tirar o vigia, pode ficar perigoso. O mundo está mais preparado para lidar com o risco. Os papéis dos agentes estão mais claros.
DINHEIRO ? O mercado está mais seguro para evitar uma nova crise?
PEREIRA ? Nunca se pode saber com certeza, porque nunca se sabe qual será a próxima crise. Mas acho que sim. Veja a questão dos derivativos, por exemplo: o mundo inteiro já colocou novas regras, e continua colocando. Hoje, os gerentes de portfólio têm muita preocupação com a diversificação. Há mais regras e mais atenção. Fazemos a discussão de risco de forma antecipada e não reativa. Para isso, a questão da educação financeira é fundamental. E isso leva também à capacitação de todos os profissionais. Todos precisam se aprimorar, o tempo todo.