Nos últimos dois anos, cerca de 600 mil pessoas deixaram de pagar por serviços informais, fornecidos por traficantes ou milicianos em favelas e morros do Rio de Janeiro, e foram incorporadas ao sistema legal. Esse contingente vive em áreas onde foram instaladas as 14 Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que romperam o círculo de medo e ilegalidade.

 

São localidades como Cidade de Deus, Chapéu Mangueira, Morro Santa Marta e, mais recentemente, o Complexo do Alemão, nos quais itens essenciais como água e luz não chegavam ou eram fornecidos de forma precária. O cenário era ainda pior para as operadoras de tevê por assinatura via satélite, cujo serviço se transformara em monopólio dos chamados “Netgatos”.

 

119.jpg
George Moraes, diretor da Oi 

 

Com isso, as detentoras de licenças de operação ficavam alijadas de imensas áreas da cidade e viam sua receita minguar por conta de fraudes. A Light, concessionária de energia elétrica, é um exemplo emblemático do estrago causado por essa situação. As perdas derivadas de ligações clandestinas, “gatos” ou adulteração dos medidores, respondem por cerca de 30% da energia fornecida pela empresa. Na ponta do lápis, o prejuízo chega a R$ 800 milhões. “Se todos pagassem a conta de luz, poderíamos reduzir a tarifa em até 17%”, disse à DINHEIRO Jerson Kelman, presidente da Light.

 

O esforço de legalização, obviamente necessário, embute a seguinte questão: como conciliar o desejo desses consumidores em obter os serviços legais com sua capacidade de pagamento? Afinal, de uma hora para outra será preciso pagar por algo que até então era gratuito ou fornecido por um preço, digamos, subsidiado. Para enfrentar o problema, a Light decidiu atacar em várias frentes. Ao mesmo tempo que intensifica a fiscalização, criou mecanismos para ajudar os moradores de regiões carentes a ter mais controle sobre os gastos com energia.

 

118.jpg

Jerson Jelman, da Light: ”O combate ao furto de energia é uma das prioridades da Light”

 

Um desses programas é o Comunidade Eficiente, no qual já foram investidos R$ 55 milhões até agora. Os recursos foram aplicados na melhoria da infraestrutura, como a modernização da rede aérea e a troca de fios na casa do cliente. A companhia também fez a doação de geladeiras e lâmpadas fluorescentes compactas. Essa política já permitiu à concessionária regularizar, em média, 30% dos “gatos” onde existe UPP.

 

Esse número atingiu 90% na comunidade Morrinho, situada no Jardim Batam (Realengo) “Apostamos fortemente na educação e no consumo responsável”, afirma o presidente da Light. Os dividendos já começam a aparecer. No morro Santa Marta, o primeiro a receber uma UPP, em 2008, a taxa de inadimplência dos novos clientes é de apenas 2%, semelhante à verificada em outras áreas da cidade.

 

Quem também sentiu na pele os efeitos da ilegalidade foi a Oi, empresa de telefonia fixa, móvel e de banda larga. A companhia não detalha as perdas financeiras, mas apenas no Complexo do Alemão, conjunto de morros e favelas situado na Penha, o número de assinantes caiu de 37 mil, em  2007, para os atuais sete mil. “Por conta da violência, não conseguíamos entrar nesses locais para realizar reparos nas redes ou nas casas dos clientes”, afirma George Moraes, diretor da Oi e vicepresidente do Instituto Oi Futuro.

 

117.jpg

Sergio Ribeiro, da Sky: “A Sky foi pioneira em criar produtos específicos para as comunidades beneficiadas pelas UPPs”

 

Com a expulsão dos traficantes, o executivo acredita que a situação irá se reverter rapidamente. “Nossa meta é atingir 50 mil clientes nos próximos 12 meses”, diz. O otimismo leva em conta uma questão aritmética. É que no Alemão vivem 180 mil pessoas que ocupam desde a base da pirâmide de consumo até a classe C. Para dar suporte ao volume de clientes potenciais, a Oi vai investir R$ 15 milhões. Parte dessa verba será gasta na modernização de três estações rádio-bases existentes na área, além da instalação de mais três unidades.

 

“Teremos de garantir suporte para o crescimento da demanda, que deverá ser bastante elevado”, afirma Moraes. Para atrair esses consumidores, a Oi criou pacotes que embutem um período de até 30 dias de “degustação” gratuita. A operadora de telecomunicações criou também mecanismos mais flexíveis de aprovação do cadastro dos assinantes.  Com isso, conseguiu avançar em áreas como Cidade de Deus, em Jacarepaguá, onde já conta com mil assinantes.

 

116.jpg

 

A primeira a colocar esse consumidor na mira, no entanto, foi a Sky, que atua com o sistema de tevê por assinatura via satélite. Em setembro, a empresa firmou parceria com o governo do Estado do Rio de Janeiro para oferecer seu pacote básico por R$ 44,90, nos locais onde fossem instaladas as UPPs. O valor é R$ 5 abaixo do cobrado em outras regiões da cidade.

 

A tática deu certo do ponto de vista comercial. A Sky vendeu 300 assinaturas de tevê por satélite no primeiro sábado após a pacificação do Morro do Alemão. “Mais que oferecer o serviço, queremos fazer parte da comunidade”, diz Sergio Ribeiro, diretor de vendas da Sky TV. A exemplo das concorrentes, a operadora também adota a chamada política da boa vizinhança. Já possui lojas em quatro comunidades e pretende ampliar os pontos de atendimento para todas as 14 UPPs. Os vendedores e os técnicos serão recrutados nesses locais. “Nossa expectativa é gerar 400 empregos”, afirma o executivo.