21/06/2006 - 7:00
“Poucas empresas têm um apelo emocional tão grande como a Harley Davidson”
“Com o Wonka, da Fantástica Fábrica de Chocolate, a Nestlé foi direto ao coração do consumidor”
DINHEIRO ? Em um de seus livros, o senhor faz uma ?viagem? a 2030. Como serão as empresas e os profissionais daqui a 24 anos?
Rolf Jensen – Terão, de saída, um novo organograma. Esqueça o que existe hoje. Hierarquia vai contar, é claro, mas será algo muito menos importante do que é hoje. O que valerá é a capacidade de criação, o entusiasmo. São valores que compõem o que chamo de reator vibrante de uma empresa. Imagine um círculo com várias camadas internas. No núcleo existem as pessoas entusiasmadas com a companhia, com seus valores e seus produtos. À medida que se vai distanciando do núcleo, poderemos ver os funcionários que apenas cumprem ordens e, quase saindo do círculo, aqueles que estão lá apenas pelo dinheiro. Nem é preciso dizer que a empresa de sucesso no futuro será a que tiver a maior quantidade de funcionários no núcleo do círculo. Um bom exemplo é a seleção brasileira de futebol. Você deve ter 100 pessoas envolvidas nos interesses do time, contando jogadores, dirigentes, funcionários. Todos trabalhando por um objetivo maior: a conquista de um campeonato. Vocês já ganharam várias Copas. Ou seja, o núcleo da seleção brasileira deveria ser o sonho de qualquer empresa.
DINHEIRO ? Os profissionais de comunicação teriam um grande papel dentro das empresas no futuro? Maior até do que o do gerente industrial ou do diretor financeiro?
Jensen – Eu prefiro dizer que o profissional criativo terá mais espaço. Pegue uma empresa de telefonia celular. Quinze anos atrás, o CEO falava primeiro com o engenheiro. Agora ele está cada vez mais envolvido com a turma do design. Sabe por quê? Tecnologia, nessa área, virou commodity, todo mundo tem igual. O que pega no coração é o design. É claro que nas companhias do futuro as habilidades tradicionais serão necessárias. Mas a criatividade será o diferencial.
DINHEIRO ? Em suas palestras, você sugere a troca do CEO (Chief Executive Officer) pelo CIO (Chief Imagination Officer)…
Jensen – Não haverá a substituição. O CEO terá que existir, mas deverá estar cercado de CIOs, de homens suficientemente preparados e criativos para transformar a empresa. Mas o CEO terá que entender muito bem dos dois assuntos: coração e mente.
DINHEIRO ? O que são Amaprofs?
Jensen – É a mistura de amadores com profissionais. Você deve ter o coração caloroso do amador com o sangue-frio dos profissionais. Esse será o executivo do futuro.
DINHEIRO ? O que é a Dream Company ou Companhia dos Sonhos?
Jensen – É uma empresa dinamarquesa pequena que ajuda outras empresas a entrar numa nova economia, que eu chamo de sociedade dos sonhos e outros especialistas definem como economia de experiência. Sou eu e mais dois ajudantes na Dream Company. Fazemos apresentações, seminários e prestamos consultorias.
DINHEIRO ? Explique a Sociedade dos Sonhos ou a Economia da Experiência.
Jensen – Nesta sociedade, a força motriz de uma empresa será sua capacidade de contar histórias, de agregar seus valores internos ao seu produto e mostrar ao consumidor ou cliente que por trás daquele bem que ele está adquirindo existe uma fantástica experiência humana ou empresarial. Num futuro breve, a compra de um produto será bem mais emocional do que racional. E as empresas vão ter que apelar ao coração dos consumidores, não mais ao cérebro.
DINHEIRO ? Por que os produtos terão um apelo mais emocional?
Jensen – A razão é o crescimento do PIB. As pessoas no Brasil, na China ou na Dinamarca estão ficando de 20% a 30% mais ricas a cada década. Isto quer dizer que gradualmente você terá dinheiro para pagar coisas a mais do que simplesmente ?comprar? funções. Explico: hoje, se você precisa de um relógio, talvez pague 250 reais em produto que obviamente vai te dar a hora de forma precisa. Todos dão. Então, sua necessidade estará atendida. Mas e seus anseios? Haverá a vontade de comprar um Rolex, porque queremos enviar um sinal: eu sou assim, rico, jogo golfe… E essa empresa tem uma tradição fantástica, tem qualidade e me dá essa sensação de bem-estar ter no pulso um produto dela. Mesmo uma água. Você pode, em países desenvolvidos, abrir a torneira de casa e beber água. Mas quer comprar uma Pelegrino. Por quê? Porque a Pelegrino tem um viés emocional.
DINHEIRO ? O senhor fala de marcas que são conhecidas e já têm uma história. Como se deve fazer para criar história em uma marca relativamente nova?
Jensen – Se for uma grande cervejaria, global, com vários acionistas, produzindo em massa, terá necessariamente que fazer muita propaganda. O apelo emocional pode ser pequeno ou talvez já tenha se perdido no tempo. Mas imagine uma microcervejaria. Nela, é possível tentar contar uma boa história. O dono pode ser um ex-funcionário de uma grande cervejaria que um dia abandonou o conforto de um emprego estável para tentar sua própria sorte numa fabricação artesanal da bebida. Nesse caso, a origem do negócio já é interessante. Além disso, ele treina pessoalmente seus funcionários, tem um cuidado especial com todos eles, ajuda a comunidade… enfim, ele tem algo a contar. E as pessoas vão saber disso.
Peti Realiver | |
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| ?Com o Wonka, da Fantástica Fábrica de Chocolate, a Nestlé foi direto ao coração do consumidor? |
DINHEIRO ? E a empresa que não tiver nada para contar?
Jensen – Deve se esforçar para criar sua história. Mas tem que ser real. Eu visitei uma empresa de contabilidade européia e perguntei aos donos: emocionalmente, o que você entrega aos clientes? Eles me responderam ?confiança?. Eu disse que isso era importante. Mas será que o cliente tinha mesmo essa noção de confiança? Será que os próprios funcionários sabiam como vender essa confiança? Sugeri a eles que convidassem os funcionários a pular de bungee jumping, a confiar naquela corda e naquele guindaste. O diretor disse: ?Genial! O funcionários que entrarem na empresa, de agora em diante, terão de pular de bungee jumping. Não há símbolo maior de confiança?. E o melhor de tudo é que a empresa contou isso aos clientes. Passou a ser vista como uma companhia criativa, disposta a mostrar seus valores à sociedade. O resultado? Aumento na receita.
DINHEIRO ? O meio para fazer chegar essa informação ao consumidor, então, é uma aproximação mais pessoal, no boca a boca?
Jensen – É mais pessoal. A história real tem que ser contada de funcionário para funcionário, de funcionário para cliente, de cliente para consumidor. É aí, sem propaganda alguma, que o emocional funciona. Você passa a adquirir o produto desta ou daquela empresa porque a conheceu um pouco mais, foi além da imagem que ela passa na televisão ou na prateleira. Estive na Bahia há pouco tempo e comprei uma fita do Senhor do Bonfim. Quando voltar à Dinamarca, meus amigos me perguntarão o que é isso que tenho amarrado no pulso. Direi que é uma fita vendida por mulheres bonitas, vestidas com belíssimas roupas tradicionais da Bahia e que é um símbolo da fé do brasileiro. Basta fazer um pedido, amarrar a fita e, quando ele for atendido, a fita cairá. É uma excelente história que vou levar a uma centena de pessoas, que quando vierem ao Brasil provavelmente irão atrás dessa fita. Funciona assim.
DINHEIRO ? Há outros exemplos de propagação do valor emocional de um produto ou empresa?
Jensen ? Nos EUA, a Procter&Gamble recruta adolescentes e donas-de-casa via internet, por meio de seu site. Os adolescentes podem baixar músicas, recebem amostras de produtos, podem falar com ?conselheiros? sobre vários assuntos. Então, você arregimentou 250 mil embaixadores da Procter&Gamble nos Estados Unidos. Outro exemplo bom é o da Nestlé com o chocolate Wonka. A empresa adquiriu os direitos de comercializar o chocolate usado no filme ?A Fantástica Fábrica de Chocolate?. Não fez propaganda alguma. Mas os consumidores foram pegos pelo emocional. Compravam a barra de Wonka e se sentiam como Charlie, o garoto que compra o produto no filme à espera de um bilhete para visitar a fábrica. A Nestlé foi direto ao coração do consumidor.
DINHEIRO ? A Nestlé não gastou nada em publicidade do Wonka?
Jensen ? Pelo que sei, ela não fez nenhuma campanha ligando o chocolate ao filme. E nem precisava. Quer outro caso emocional? A Harley Davidson tem grande qualidade? Tem. Mas as japonesas talvez sejam melhores. Só que a Harley tem história. A empresa montou um clube de proprietários, com 350 mil membros. Ou seja, são 350 mil embaixadores Harley. Há um ponto interessante. Que tipo de consumidor compraria uma motocicleta da marca? Todos. Pode ser um banqueiro ou um hell angels. Eles difundem a história da marca. Costumo dizer o seguinte: se houver um incêndio em todas as fábricas da Harley, os donos podem ir ao banco no dia seguinte, pegar um empréstimo, e em uma semana a marca estará de novo no topo. Poucas empresas têm um apelo emocional tão grande quanto a Harley.
DINHEIRO ? Harley é uma empresa que já está no futuro, na sociedade dos sonhos?
Jensen – Sim e não. Sim por conta da força da marca. Não porque ainda tem de se adaptar aos novos tempos. Um dos exemplos de empresa do futuro é a customização, a capacidade de oferecer produtos personalizados. Hoje, a gente vê um pouco disso com a Nike. Se você clicar no site da empresa é possível desenhar seu próprio tênis. Isso será uma tendência.