28/06/2013 - 6:08
DINHEIRO ? Depois de o sr. escrever os seus primeiros livros, as empresas passaram a procurá-lo para prestar consultoria. Como é trabalhar com elas?
STEVEN LEVITT ? Tento pegar projetos nos quais percebo que posso criar algum valor. E aprendi que preciso cobrar muito dinheiro das empresas, porque tratamos de temas que exigem mudanças difíceis de realizar nas formas de trabalho e as quais elas não gostam de fazer. Quanto menos você cobra, menos os executivos prestam atenção no que você tem a dizer. Se estão gastando muito, sentem obrigação de fazer algo.
DINHEIRO ? Pode dar um exemplo de projeto?
LEVITT ? Na United Airlines, fomos chamados para tentar prever os próximos voos que as pessoas vão tomar, a partir de suas últimas viagens. Então, percebemos que sentar no meio do avião faz uma pessoa evitar voar pela mesma companhia. Também que os melhores clientes deixam de gastar milhares de dólares nos anos seguintes com a empresa, depois que passam por uma experiência de atraso de mais de quatro horas. Mesmo que o atraso não aconteça por culpa da companhia aérea.
DINHEIRO ? Do que tratará o seu terceiro livro?
LEVITT ? Será um livro do tipo ?como fazer?, para ensinar as pessoas a pensar como um ?freak? (maluco). Depois dos meus dois primeiros livros, recebia de 20 a 30 e-mails por dia com pedidos para resolver problemas. Quero agora dar essas ferramentas para as pessoas poderem fazer isso por conta própria.
DINHEIRO ? Como alguém pode saber se está fazendo as perguntas certas se, em qualquer assunto, existem variáveis que podem estar relacionadas?
LEVITT ? Provavelmente, eu começo fazendo as perguntas erradas. Você não tem ideia do que está procurando até encontrar a pergunta certa. É preciso começar sabendo que não conhecemos as respostas. As pessoas gostam de complicar. Nas empresas, todo mundo gosta de tecnologia e complexidade. Meu gráfico favorito é o que tem uma barra grande do lado de uma barra pequena. Gosto de simplicidade. Chego numa empresa e pergunto como funciona a distribuição para ver se tenho alguma boa ideia. Costumo dizer que é preciso fazer perguntas infantis.
DINHEIRO ? As decisões nas empresas são tomadas de forma errada?
LEVITT ? De forma totalmente errada. Funciona da seguinte maneira: existe um problema e se convoca uma reunião. Então, dez pessoas se reúnem e todas têm uma opinião. A conclusão acaba sendo uma mistura entre as melhores ideias levantadas e as dadas por certas pessoas de mais prestígio.
DINHEIRO ? O problema maior, então, é com os altos executivos?
LEVITT ? Os grandes executivos são pagos para saber das coisas e não podem admitir que não sabem do que estão falando. Tomar uma decisão deveria ser um método científico. Mesmo que leve mais tempo. Acredito que, quanto menos fala, melhor é o executivo.
DINHEIRO ? As empresas têm dificuldades em extrair dados importantes para os seus negócios?
LEVITT ? Percebo que os dados são coletados sem pensar na forma mais interessante com a qual eles podem ser usados. Por exemplo, não dá para perguntar ao cliente o que ele quer. As pessoas são péssimas para dizer por que gostaram de alguma coisa ontem e o que vão querer no futuro. Nas entrevistas, elas mentem e fingem, para poderem parecer bem. Prefiro muito mais observar esses clientes e seus hábitos para descobrir algo verdadeiro.
Tony Hsieh, CEO da varejista de calçados Zappos
DINHEIRO ? Há companhias que fazem isso bem?
LEVITT ? A Amazon e, principalmente, o serviço de música digital Pandora. Esta última vai registrando o que nós, consumidores, costumamos ouvir e, a partir de sutilezas musicais, faz sugestões de novas canções e grupos que não conhecíamos ou não sabíamos que poderíamos gostar. A Zappos é outro exemplo. Ela pegou um negócio horrível, que é vender calçados online, e teve sucesso exatamente por ouvir bem os seus clientes. Ela não tem grande lucro, até por causa do índice alto de devolução de sapatos, mas conseguiu ótimo valor de mercado e foi vendida para a Amazon.
DINHEIRO ? Como o sr. vê o tema de Big Data, a criação de volumes gigantescos de informações na internet, tão discutido nos últimos tempos ?
LEVITT ? O futuro fundamentalmente irá pertencer aos dados. Mas sinto que há uma diferença muito grande entre a importância deles e o talento das pessoas para analisar as informações. Nem as faculdades nem as escolas de negócios e as empresas ensinam a pensar inteligentemente. Na minha consultoria, tenho 30 funcionários. A maior parte são graduandos, aos quais ensinamos a analisar dados. É chocante ver jovens de 23 anos conversando com os CEOs e CFOs de grandes empresas. Depois dessas reuniões, elas tentam contratar os nossos consultores, mesmo existindo tanta gente esperta com doutorado por aí. As empresas precisam colocar o maior número de dados possível disponível, porque a grande ideia pode vir de qualquer funcionário.
DINHEIRO ? A melhor forma de analisar uma informação é saber quais são os riscos e ganhos de cada decisão, como mostra o seu estudo que defende que professores podem trapacear tanto quanto lutadores de sumô se souberem que podem ter ganhos elevados?
LEVITT ? Não acho que o ganho financeiro seja o motivador principal por trás das decisões das pessoas. Em muitos casos, pode ser o prestígio. A melhor variável para saber as chances de alguém entrar para o tráfico de drogas é se a sua mãe já foi viciada. O acesso a esse mundo é mais importante, nesse caso.
DINHEIRO ? O que pensa da economia brasileira?
LEVITT ? O que acho mais interessante no Brasil é que nunca conheci um país que dê tanta atenção aos economistas. As pessoas realmente escutam os economistas. O mais impressionante é que isso acontece mesmo depois de eles já terem causado muito mal ao País. Mas em termos de momento econômico atual não sou eu o tipo de cara que vai resolver o problema de inflação brasileiro.
DINHEIRO ? Que tipo de economista é o sr.?
LEVITT ? Desde que comecei, não sou um verdadeiro economista. Eu era um grande fã do Alan Greenspan (ex-presidente do Fed). Queria ser o cara que, quando tomasse uma má decisão, o mercado cairia. Mas tinha grandes dificuldades com matemática, durante a minha graduação no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
O ex-presidente do Fed Alan Greenspan
DINHEIRO ? E como foi possível chegar até aqui sem dominar a matemática?
LEVITT ? Só fui passando de ano porque os economistas são autocentrados e preguiçosos. Depois de uma série de suicídios no campus, o MIT adotou uma série de procedimentos e exigências para que os alunos pudessem ser reprovados. Então, para me reprovar, os professores teriam de prestar muitas justificativas. E eles preferiam me passar com notas baixas, esperando que o próximo professor fizesse o que deveria ser feito.
DINHEIRO ? Qual a sua relação com os economistas tradicionais?
LEVITT ? É surpreendentemente boa. Os economistas de verdade me aceitam como sou. Eles percebem que eu entendo o comportamento humano.
DINHEIRO ? Como o sr. percebeu esse talento e decidiu escrever o Freakonomics?
LEVITT ? Foi a partir do grande conselho que meu pai me deu. Ele fez medicina e, mesmo não sendo um bom estudante, conseguiu um emprego com um grande médico. Depois de um tempo, essa pessoa o chamou e disse: ?Você não tem talento para isso, mas poderia se dedicar a uma área em que ninguém quer trabalhar.? Então, meu pai se tornou o grande especialista mundial em gases intestinais. A dica que me deu foi: ?Assim como eu não tenho talento, você não tem talento, então deveria buscar as áreas mais embaraçosas e degradantes da economia, às quais ninguém quer se dedicar.? Pode-se dizer que eu virei o equivalente econômico para o rei da flatulência.
DINHEIRO ? Por que o tipo de dados coletados em Freakonomics chamou tanta atenção?
LEVITT ? As pessoas se surpreenderam em descobrir que economia poderia ser legal. A editora do livro, a HarperCollins, primeiro contratou uma agência de buzz, que era uma novidade na época. Eles mandaram cópias para pessoas que seriam formadoras de opinião, mas isso não funcionou. Então, fui ao programa do Jon Stewart (apresentador e comediante da tevê americana) e ficamos batendo papo e contando piadas. As pessoas gostaram disso. Em 15 semanas, as vendas estouraram e acabaram por atingir cinco milhões de cópias em todo o mundo.
DINHEIRO ? Como percebeu que é possível contar boas histórias por meio dos números?
LEVITT ? Assim como somos mais bonitos do que achamos que somos, também sabemos contar histórias melhor do que imaginamos. É necessário ter autenticidade, atender a um anseio da população e ter algo a dizer. Um dia recebi uma ligação de Kelsey Grammer, que foi ator da série Cheers. Ele me propôs fazermos um seriado, em que eu interpretaria um detetive que resolveria crimes com base em dados econômicos. Fiquei curioso e topei. Então passei a visitar executivos de tevê. Eles me mostravam, orgulhosos, os números de seguidores da emissora no Twitter. Mas esses números eram muito menores do que os da conta do Freakonomics. E eu percebia que a emissora não postava nada que interessasse às pessoas. Não adianta dizer uma coisa se você não tem o que dizer.