DINHEIRO ? A carne pode compensar a queda do PIB agrícola, anunciada pelo ministro Roberto Rodrigues, da Agricultura?
Marcus Pratini de MORAES ? Não. A carne vai contribuir com US$ 1,8 bilhão a US$ 2 bilhões contra US$ 1,5 bilhão em 2003. Há crescimento do PIB pecuário, mas não é suficiente para compensar essa queda na agricultura, que significará uma perda de US$ 1 bilhão.

DINHEIRO ? Qual o limite de crescimento para a pecuária?
MORAES ? Neste ano e no próximo continuaremos crescendo em bom ritmo. Depois o crescimento deverá ser mais moderado. Há barreiras estruturais e comerciais.

DINHEIRO ? Quais as barreiras estruturais?
MORAES ? A principal é a questão tributária. Há dois problemas: a Medida Provisória 183, que retira o crédito presumido, e a questão do crédito do ICMS. Juntas, vão limitar exportações e incentivar a informalidade. O Brasil mantém ainda taxação sobre exportação. O único princípio fundamental para apoiar a exportação é a imunidade tributária. Se isso não for assegurado não conseguiremos manter as exportações nos atuais níveis.

DINHEIRO ? Isso não poderia ser visto como subsídio no comércio internacional?
MORAES ? Não. Em nenhum país do mundo há taxação de exportação. Só no Brasil e em alguns países africanos, mais atrasados, existe essa barreira. Por isso, alguns produtos deixam de ser exportados e aí não se recolhe imposto algum. Com a imunidade, poderiam ser criadas empresas apenas exportadoras. Se não houver imunidade, corremos o risco de voltar a ser exportadores apenas de commodities. Conheço empresas na Bahia que deixaram de exportar porque não podem compensar o ICMS que pagam quando compram matéria-prima. Outras têm metade de seu ativo em créditos de ICMS a receber.

DINHEIRO ? O que fazer?
MORAES ? O ministro Palocci tem o desafio de acertar isso em definitivo. O agronegócio está sustentando o crescimento da economia e há o risco de comprometimento se a agregação de valor continuar a ser taxada. O setor exportador precisa da imunidade tributária.

DINHEIRO ? Quando essa situação começará a se manifestar?
MORAES ? Tudo dependerá da abertura dos mercados americano e japonês. Esperamos abri-los entre o final deste ano e o início do próximo. O Brasil tem capacidade para aumentar rapidamente a produção interna. Nosso objetivo não é volume, mas preço, embora tenhamos melhorado os preços em 36% em dólar este ano, graças à venda de cortes de carnes já preparadas para consumo e à eliminação do número de intermediários.

DINHEIRO ? Quais as barreiras comerciais?
MORAES ? Precisamos de acordos para abrir mercados. Eles são negociados entre Mercosul e União Européia.

DINHEIRO ? Isso não é uma camisa-de-força para o setor, já que ele fica na dependência de outros setores para fechar esses acordos?
MORAES ? É verdade, mas a Europa não negociará separadamente. As indicações são de que os acordos vão se realizar, mas com uma amplitude modesta. O Brasil não quer fazer concessões.

DINHEIRO ? E deveria?
MORAES ? A palavra-chave nesse caso é agricultura. É o principal produto que o Brasil tem e onde somos competitivos. A diferença entre sucesso e fracasso nas negociações vai depender das concessões que o Brasil conseguir para seus produtos agrícolas. A linha adotada pelo governo é correta, mas também não vejo como a Europa possa ir mais longe.

DINHEIRO ? Para a carne haverá vantagem?
MORAES ? A expectativa é que nossas cotas de venda de carne para a Europa seja elevada. Nossa cota hoje é de cinco mil toneladas, com alíquota de 20%. Acima disso, o imposto se multiplica, para 200%. Se essa cota passar dos cinco mil para 40 mil ou 50 mil toneladas, teremos uma alíquota média bem menor do que a atual. Além de vender mais, poderemos aumentar o preço, pois a queda na alíquota nos dá uma folga para isso.

DINHEIRO ? O que falta no caso do Japão e dos EUA?
MORAES ? Falta concluir a análise de risco aprovando a carne brasileira que detecta a condição sanitária de nossos rebanhos, principalmente da febre aftosa. Essa análise está para ser publicada há algum tempo e acredito que ela não tenha acontecido em função das eleições presidenciais americanas. O Bush tem votos junto aos pecuaristas. Mas a eleição é em outubro e depois disso tudo pode acontecer.

DINHEIRO ? E não haverá pressões políticas?
MORAES ? O mercado americano quer nossa carne. Temos recebido visitas de empresas americanas interessadas em nossa carne. A Arby?s, uma grande rede de fast-food , quer nossa carne para oferecer um sanduíche com carne mais magra, com menos gordura, e veio nos procurar.

DINHEIRO ? O sr. acredita em decisão meramente técnica?
MORAES ? Eu ficaria surpreso se os americanos misturassem questões de sanidade animal com política. Eles estariam indo contra um princípio de sua política pública.

DINHEIRO ? Mas já houve precedentes, como o caso com o Canadá…
MORAES ? Quando fomos acusados pelo Canadá de que havia doença da vaca louca no Brasil, os EUA nos ajudaram porque viram a questão apenas tecnicamente.

DINHEIRO ? Aliás, o sr. ainda tem a gravata com as vaquinhas?
MORAES ? Tenho. Na época, fui fazer uma palestra na cidade do Rio Grande, no Rio Grande do Sul, no dia que cheguei de uma viagem dos EUA. Coloquei a gravata estampada com vaquinhas amarelas. Quando saí havia alguns jornalistas que viram e espalharam que eu estava com ela. Fui para Brasília imediatamente e ao desembarcar no aeroporto havia um batalhão de jornalistas e fotógrafos. A gravata foi parar até no Jornal Nacional. Aí criei o símbolo. Só tiraria a gravata quando ganhássemos a briga com os canadenses. Ela ficou até meio sebosa de tanto usar. Mas não acredito que haja esse componente político no caso dos EUA.

DINHEIRO ? Com a provável recuperação do mercado interno, é possível que parte da produção de carne fique aqui dentro prejudicando as exportações?
MORAES ? Não. A recuperação do mercado interno é boa. Temos preços baixos por causa da fraqueza do mercado interno. Só exportamos 18% da produção. O grande mercado da carne brasileira é aqui, é o próprio Brasil. A melhoria do mercado interno vai melhorar a rentabilidade do produtor e assim ele vai investir mais.

 


DINHEIRO
? Há capacidade para responder a uma rápida expansão do consumo interno?
MORAES ? Claro. Temos muita área, tecnologia e qualidade. Há alguns anos, os bois abatidos tinham quatro anos ou mais. Hoje são apenas três anos ou menos. A produtividade da pecuária tem crescido e pode crescer mais, sem aumento da área destinada à pecuária. O agronegócio brasileiro é o único do mundo capaz de atender as necessidades internas e gerar volumes importantes de exportação, sem prejudicar o consumo interno. Somos a última fronteira agrícola do mundo. O Brasil tem 90 milhões de hectares livres para plantar. E só planta 47 milhões de hectares. E na pecuária tem 200 milhões de hectares de pastagens. Como a produtividade da pecuária está crescendo vai sobrar mais terra para plantar.

DINHEIRO ? Existe essa sensibilidade no governo diante da importância da agricultura para o País?
MORAES ? As políticas criadas em minha gestão no governo passado têm sido seguidas. Há menos recursos.

DINHEIRO ? Quais as conseqüências?
MORAES ? Ouço queixas na área de sanidade animal e insuficiência de recursos na Embrapa, que é fundamental.

DINHEIRO ? Quais as principais dificuldades para a pecuária no Brasil?
MORAES ? O que falta é logística e marketing. Primeiro porque precisamos transportar essa produção e melhorar os canais de acesso do Centro-Oeste, onde se concentra a produção, para o Rio e São Paulo. Ali estão os maiores mercados consumidores e os portos para a exportação. Nos portos precisamos melhorar as operações, principalmente no que diz respeito aos contêineres frigoríficos.

DINHEIRO ? Volta e meia, há denúncias afirmando que a pecuária brasileira agride a floresta amazônica. Isso prejudica as vendas externas?
MORAES ? É a concorrência que diz isso. Incomoda, dá trabalho, mas ainda não atingiram as vendas.

DINHEIRO ? Quem é a concorrência?
MORAES ? São, por exemplo, os sindicatos de trabalhadores agrícolas europeus. Ou então os americanos. Eles falam que criamos boi na floresta amazônica. Não é verdade. Eles também afirmam que plantamos soja na floresta amazônica. Não é verdade. A concorrência estimula a confusão entre floresta amazônica e Amazônia Legal. No cerrado do Centro-Oeste, plantamos soja e criamos gado. Aquilo é Amazônia Legal, não floresta amazônica.

DINHEIRO ? É só ignorância geográfica?
MORAES ? Há desconhecimento a respeito do Brasil. Temos de preservar a floresta amazônica, mesmo porque não precisamos dela para desenvolver nossa agropecuária. Existe uma admiração emocional pela floresta no exterior. Então eles que paguem por isso, através da aprovação do Protocolo de Kioto e da venda de certificados de carbono.

DINHEIRO ? Entre os críticos há organizações como a Cifor, que, entre seus militantes, possui técnicos da Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura. Não é um contra-senso?
MORAES ? Temos uma mania no Brasil de dar tiro no próprio pé. Talvez a Cifor tenha utilizado algum estudo da Embrapa e o pessoal da Embrapa deixou usar. Está errado. Nós respondemos e levamos para o governo.