As consequências da quebra da empresa de factoring Porto Forte, no fim de fevereiro, vão muito além do prejuízo de algumas centenas de investidores e executivos do mercado financeiro. 

 

A repercussão do problema deverá gerar mudanças na fiscalização sobre as companhias de factoring, um nicho de mercado onde as sombras ainda predominam. O impacto vai estender-se para os lançamentos de ações e também para os fundos de investimento.

 

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Todas essas mudanças vão ocorrer devido à situação muito peculiar das factorings. Elas são empresas legais, mas operam numa zona cinzenta. Funcionam como bancos para aqueles clientes que não conseguem obter empréstimos no sistema financeiro tradicional. 

 

A rigor, sua existência é mais ou menos como as cotações do dólar paralelo publicadas nos jornais diários. Há alguma coisa mal explicada, mas aceita-se o fato como uma das imperfeições da economia brasileira e a vida segue.

 

O problema é quando essas imperfeições começam a mesclar-se com os mercados mais estruturados, algo que os problemas da Porto Forte tornaram evidente. 

 

As factorings correm mais riscos do que os bancos, pois ganham dinheiro emprestando para clientes com problemas. Para defender os poupadores, elas estão proibidas de captar dinheiro de terceiros e só podem trabalhar com o capital dos sócios.

 

Aí está uma parte da questão: quais sócios? Para obter dinheiro, a Porto Forte montou uma espécie de pirâmide financeira. Os crédulos eram convencidos a comprar ações, seduzidos por um compromisso de recompra que oferecia uma rentabilidade fixa e muito superior aos juros de mercado. 

 

Se o diretor financeiro de uma empresa listada em bolsa oferecesse uma proposta semelhante no início da manhã, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o teria inabilitado para trabalhar no mercado bem antes do almoço. No entanto, a CVM não tem jurisdição sobre as factorings. 

 

Por isso a tramoia prosperou por quase dois anos. No momento de sua quebra, a Porto Forte tinha 460 acionistas, uma cifra que não faria má figura entre as estreantes na bolsa. Uma empresa com tantos sócios é, na prática,  uma companhia aberta. O que consta do contrato social é um mero detalhe.

 

A outra parte do problema vem dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). Com dez anos de história, eles foram fundamentais para destravar o crédito corporativo em meados da década passada. 

 

Simplificadamente, usam o dinheiro dos investidores para comprar grandes quantidades de títulos a receber, que pagam juros acima dos títulos públicos. O problema é que a fatia dos papéis das factorings nesses fundos está crescendo. Ainda não é muito, mas é um percentual superior ao que os técnicos da CVM consideram desejável.

 

O que vai mudar? A CVM vai começar pelo que a lei lhe permite fazer e fiscalizar os fundos de recebíveis com mais rigor. Em um segundo momento, a atenção vai se voltar para as colocações privadas de ações, como as que foram realizadas pela Porto Forte.

 

Essas colocações foram regulamentadas durante a crise de 2008 e deverão ter regras mais rígidas, como limitar a quantidade de apresentações e de investidores que poderão participar. Assim, se outra Porto Forte surgir fazendo malvadezas, ela não conseguirá lesar quase meio milhar de incautos.