2004 será lembrado na história da Gerdau como o ano em que tudo deu certo. Impulsionados pela insaciável demanda da China, os preços mundiais do aço subiram 60%, ajudando a empresa a obter o melhor resultado dos seus 103 anos de existência. Ao fechar o balanço do terceiro trimestre, a Gerdau somou um lucro líquido de R$ 2,5 bilhões, três vezes maior do que no mesmo período do ano passado. O resultado, que espantou os analistas, reflete um retorno sobre o patrimônio de 45%, substancialmente maior que o do Itaú, que conseguiu 26% do seu patrimônio. Essa proeza memorável no País das taxas de juros reais de 10% não foi a única do ano. A companhia presidida por Jorge Gerdau Johannpeter obteve, neste 2004 que se encerra, 35% do seu lucro no exterior, onde conseguiu também metade do faturamento. São números excepcionais, que refletem o fato de a empresa ter embarcado em uma verdadeira campanha de aquisições nos Estados Unidos e Canadá. A última dessas investidas, concluída em novembro, custou US$ 266 milhões e resultou na compra de quatro plantas americanas da North Star Steel, que antes pertenciam à Cargill. Com a inclusão dessas novas instalações, a siderúrgica gaúcha passou a produzir 16 milhões de toneladas por ano e tornou-se membro da liga mundial dos grandes fabricantes de aço ? além de segundo maior fabricante americano de aços longos. Ela é hoje, acima de qualquer dúvida, uma multinacional verde-amarela, com oito mil funcionários no exterior e uma capacidade de financiamento em dólares desconhecida das companhias nacionais. ?Desde 1989 investimos US$ 200 milhões em aquisições e conseguimos construir um patrimônio de US$ 2 bilhões?, resume Gerdau, o homem escolhido, não por acidente, como Empreendedor do Ano da revista DINHEIRO.

As causas imediatas dessa onda de prosperidade podem ser encontradas no preço do aço ? o maior dos últimos 50 anos ?- e no sucesso da Gerdau em achar no exterior empresas quebradas com potencial de recuperação. A North Steel, por exemplo, custou US$ 160 por tonelada de aço, enquanto no Brasil a construção de uma nova planta resultaria em aço de US$ 170 a tonelada, talvez US$ 200. ?É a lógica do capitalismo. Você adquire quem está fraco e avança?, diz Luiz Caetano, analista do Banco Brascan. Mas não é só isso. O dr. Jorge, como costuma ser chamado, atribui a desenvoltura internacional da maior siderúrgica do Brasil à fórmula de fazer negócio da família. ?Temos essa coisa da indústria e dos negócios nas entranhas?, diz ele. A companhia foi fundada por seu bisavô materno, recebeu um banho de modernização com a entrada no negócio do seu pai ? executivo internacional do Deutsche Bank ? e vem sendo tocada, desde os anos 60 e 70 pelos quatro irmãos: Germano, Karl, Jorge e Frederico. Sua fórmula de negócios, intransferível, baseia-se na excelência industrial herdada dos fundadores alemães e na gestão moderna, sobretudo financeira, introduzida por Kurt Johannpeter. A Gerdau está na Bolsa de Valores desde 1947 e se relaciona com os bancos estrangeiros desde os anos 60. Quando quis iniciar sua expansão externa, em 1989, já era conhecida dos mercados e operava, internamente, de acordo com regras contábeis internacionais. Poucas são as empresas brasileiras que carregam em seus genes essa cultura empresarial cosmopolita. ?Aprendemos a prestar contas ao mercado 50 anos atrás?, diz seu presidente. Apesar disso, ainda é a família quem controla a empresa, detendo 80% das suas ações ordinárias. ?As empresas têm de ter comando e controle definido?, acredita o empresário. ?Quando alguém bate à porta tem que saber quem vai atender.?

Para além da saga da família, o que melhor define a Gerdau é o profissionalismo. Rainha dos controles de qualidade, há seis anos a empresa conta com ajuda externa também na avaliação e escolha de seus executivos. Agora, com a expansão no exterior, está tendo de se adaptar a modelos de gestão e práticas de relacionamento sindicais ainda estranhos ao Brasil. Ou não? ?Nosso modelo de gestão de pessoal foi aprendido com as multinacionais americanas no Brasil?, garante Gerdau. ?A adaptação lá fora tem sido tranqüila.? A preocupação com a justiça e a eficiência na gestão de pessoal, uma das marcas registradas da companhia, está presente inclusive na discussão da sucessão, tema que costuma azedar as relações em empresas familiares. Os Gerdau já lançaram mão dos serviços de consultores ? entre eles a Harward Business School ? para organizar de forma suave a passagem de poder para a quinta geração. Como Jorge Gerdau observa de forma emocionada, ele e seus irmãos não terão a mesma sorte que teve o pai deles. Por ter tido filhos já maduro, Kurt Johannpeter estava pronto para se retirar aos bastidores quando seus herdeiros cresceram. Agora a proximidade etária é maior e a troca de bastões entre as duas gerações terá de ser administrada com o devido cuidado.

Não que Jorge Gerdau emita qualquer sinal de estar cansado. Aos 67 anos, pai de cinco filhos e 10 vezes avô, ele viaja duas vezes por mês aos EUA ? sempre de executiva, sempre trocando o jantar por duas taças de vinho, para dormir melhor ? e ainda acha tempo para dedicar-se à organização do hipismo e às obras sociais. Mas Gerdau, que ainda gosta de sentar na prancha de surfe e esperar a onda perfeita, tem marcado sua presença sobretudo como líder empresarial, um dos mais ativos e respeitados do País. Semanas atrás, esteve em Brasília encabeçando uma delegação de centena de empresários e meia dúzia de governadores que foram exigir do governo mais racionalidade tributária. Essa é uma luta antiga e inglória à qual Gerdau tem se dedicado com entusiasmo juvenil. Ele organiza os empresários, discute com funcionários do governo e arregimenta parlamentares para a causa, até agora com sucesso apenas parcial. Manifesta-se nesse caso a perseverança do campeão de hipismo, para quem cair do cavalo e recomeçar é, mais do que hábito, uma obrigação. ?O empresário tem de ter uma atitude empreendedora em relação ao governo?, ensina. ?Está na hora de trabalharmos todos na agenda do Brasil, não na agenda de um ou outro partido.?