O sol escaldante elevava a temperatura na inauguração de uma nova loja de móveis e eletrodomésticos no bairro de Alcântara, no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O calor era tão forte que uma estudante de arquitetura prestes a se formar iniciou um diálogo com o dono da empresa:

? Por que o senhor não instala ar condicionado aqui?
E o proprietário respondeu com firmeza:
? Ar fresco é só pra quem já está pagando, ou seja, só no setor de crediário.

A conversa se passou há quase dez anos entre Natalie Klein, herdeira das Casas Bahia, a maior rede de varejo do País com faturamento de R$ 11,5 bilhões, e o seu pai, Michael Klein, o comandante da companhia. Por mais simples que seja, o diálogo selou o futuro da jovem. Ali, ela decidiu que não trabalharia nos negócios da família e iniciaria uma carreira solo onde poderia fazer o que bem entendesse. Dessa idéia nasceu a grife NK Store. Como Natalie, outras jovens bem nascidas trilharam o mesmo caminho. Ana Luiza Trajano, herdeira do Magazine Luiza, outra rede de varejo com faturamento estimado em R$ 2 bilhões, não quis saber dos negócios da família: montou o requintado restaurante Brasil a Gosto, no bairro dos Jardins, região nobre de São Paulo. Juliana Santos é outra herdeira que faz parte desse time. Herdeira do Grupo João Santos, um conglomerado nordestino que tem negócios na área de cimento, celulose e comunicações, ela comanda a Dona Santa, uma espécie de Daslu do Nordeste, em Recife. Se os pais trabalham com a camada popular, as três herdeiras empreenderam em busca do topo da pirâmide. Detalhe: conquistaram seu espaço no mercado.

Parte desse movimento tem uma explicação baseada em estudos sociológicos. Consultores de sucessão familiar afirmam que o preconceito no mundo corporativo, de certa forma, beneficiou as mulheres. Isso porque mesmo com o avanço do sexo feminino no mundo dos negócios, dentro das empresas familiares há uma preferência pelos homens. ?Para as filhas é permitido pensar em outras opções que não sejam trabalhar na empresa da família?, diz Renato Bernhoeft, presidente da Bernhoeft Consultoria Societária e autor do livro ?As Herdeiras ? Lutas e Conquistas?. A professora Elismar Álvares, da Fundação Dom Cabral, vai além: ?O preconceito acontece porque a presença das mulheres em altos cargos é muito recente, tanto no Brasil como no exterior?. Mas isso é questão de tempo pois elas têm mostrado que não estão de brincadeira.

A NK Store, a empresa de Natalie, por exemplo, é referência no mundo da moda. Além de vender grifes como Marc Jacobs, Stella McCartney e Diesel, ela acumulou prestígio com as suas marcas próprias, a NK para o mercado interno e a Talie, criada para ser exportada. ?A NK Store vende o que chamamos do luxo acessível?, diz Carlos Ferreirinha, diretor da MCF Fashion, consultoria especializada no segmento de luxo. ?É desprovida de ostentação e sempre está com as marcas do momento?. Essa fórmula rendeu-lhe, de acordo com estimativas de mercado, um crescimento de 35% e faturamento de R$ 50 milhões em 2005. É a prova, em números e estatísticas, de que há sucesso fora das barras do pai, ou da mãe, como acontece com Ana Luiza Trajano, filha de Luiza Helena Trajano, a comandante do Magazine Luiza. Formada em administração de empresas, a jovem de 27 anos, abriu no início do ano um charmoso restaurante de comida brasileira. O Brasil a Gosto, o nome do lugar, é o resultado da paixão de Ana Luiza pela culinária. A mãe respeita o caminho escolhido pela filha e aplaude os resultados. Desde a inauguração, o restaurante com espaço para 80 pessoas acumula 100% de ocupação. ?Nasci no mundo dos negócios?, diz Ana Luiza referindo-se ao DNA do varejo que ela carrega no sangue. ?Agora estou construindo uma nova história?.

Se construir é o que norteia essas jovens empreendedoras, não há ninguém melhor do que Juliana Santos, de 28 anos, para falar sobre o assunto. A neta do lendário João Santos, dono do Grupo João Santos, o segundo maior produtor de cimento do Brasil com faturamento superior a R$ 1 bilhão, ergueu, ao lado da mãe Lília, a Meca do luxo no Nordeste. A Dona Santa, uma espécie de Daslu do agreste pousada em Recife, com faturamento estimado em R$ 35 milhões, é vista como um pólo do bem viver na região. Com 1,7 mil m², ela dispõe das principais grifes internacionais como Ermenegildo Zegna, Hugo Boss, Prada e outros rótulos celebrados. ?A loja tem tanta qualidade que poderia estar em qualquer lugar do mundo?, diz o consultor Ferreirinha. Resultado? ?Os nordestinos pararam de ir à São Paulo para comprar roupas?, diz Juliana.

Ana Luiza Trajano
O varejo na cozinha

Luiza Trajano: comandante do Magazine Luiza apóia a carreira solo da filha

Com 27 anos, a jovem Ana Luiza Trajano, filha de Luiza Helena Trajano, a comandante do Magazine Luiza, inaugurou, em janeiro, um requintado restaurante de culinária brasileira. Batizado com o sugestivo nome de Brasil a Gosto, o espaço, localizado nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, tem lugar para 80 pessoas e promete ser o primeiro de vários que virão pela frente. ?Pretendo abrir novas unidades em outras cidades?, avisa Ana Luiza. Vivência para isso ela tem de sobra. ?Cuidar de um restaurante é como gerenciar uma empresa?, diz ela. ?Só mudam os produtos e as peculiaridades de cada negócio?. Sua mãe dirige uma das maiores redes de varejo do Brasil com faturamento estimado em R$ 2 bilhões.

Natalie Klein
Mesmo setor, públicos diferentes

Pai e Filha: Michael Klein comanda as Casas Bahia, Natalie é dona da NK Store

Ela trabalha no varejo, o mesmo setor da empresa de seu pai, Michael Klein, o principal executivo das Casas Bahia. A diferença é que Natalie, de 29 anos, dona da grife NK Store, vende roupas sofisticadas para um público de maior poder aquisitivo. Ao que parece, tem se saído bem. Estimativas apontam para um faturamento de R$ 50 milhões em 2005.

Juliana Santos
A dama do luxo no agreste

Dinastia: Juliana (de preto) é neta do lendário João Santos e comanda a grife Dona Santa

Ao lado de sua mãe Lília (de azul), Juliana Santos, de 28 anos, comanda a loja Dona Santa que vende, em Recife, as principais grifes internacionais e faturou R$ 35 milhões em 2005. Neta de João Santos, o lendário criador do Grupo João Santos, segundo maior fabricante de cimento do País, ela foi uma das construtoras do prestígio da grife.