26/07/2013 - 6:07
DINHEIRO ? De que forma o setor da construção civil vem sentindo a desaceleração da economia?
CLAUDIO BERNARDES ? O desaquecimento da indústria da construção civil tem sido proporcional à redução do ritmo de crescimento da economia brasileira. Sempre há uma relação direta entre a expansão do PIB e o crescimento do nosso setor, mas existe um atraso de alguns meses. Prevemos um crescimento de 2,5% a 3,5% para o mercado da construção neste ano, algo muito próximo da expansão projetada para o PIB. Estamos sentindo hoje a velocidade da economia de alguns meses atrás. Só saberemos qual será o impacto do que está acontecendo atualmente daqui algum tempo, mais próximo do fim do ano.
DINHEIRO ? Há um temor de queda nas vendas?
BERNARDES ? Não acredito que haverá queda nas vendas. Diante desse novo cenário econômico, de juros em alta e economia mais lenta, a tendência é de que os consumidores tenham de fazer um esforço maior para comprar um imóvel novo, em comparação com anos anteriores. Mas não deixarão de comprar um imóvel para morar.
DINHEIRO ? Por quê?
BERNARDES ? Porque o déficit habitacional, apesar da queda nos últimos anos, ainda é enorme no Brasil. Pelos números do IBGE, o País ganhou 1,1 milhão de imóveis por ano, em média, na última década. Para atender à demanda atual, o Brasil precisaria entregar à população mais de 1,9 milhão de novos imóveis a cada ano, no mínimo, pelos próximos dez anos. Ou seja, ainda há um gigantesco mercado consumidor no País, que sustentará o crescimento do setor imobiliário por muito tempo.
DINHEIRO ? Mas, com juros altos e futuro incerto, os consumidores tendem a adiar a compra de imóveis e a assumir dívidas de longo prazo.
BERNARDES ? Acredito que esse ambiente de incertezas é algo temporário, uma situação passageira. A economia, como todos sabemos, vive de ciclos de alta e de baixa. Isso não significa que nossa situação seja ruim. Todos os fundamentos do nosso crescimento são sólidos. Não tenho dúvidas de que a construção civil continuará sendo um dos motores da economia e de que novos recordes serão batidos nos próximos anos.
DINHEIRO ? E se faltar dinheiro? As construtoras já reclamam que os bancos estão mais rigorosos na concessão de crédito para financiar a construção.
BERNARDES ? Não faltará dinheiro. Os bancos sempre olharam com simpatia para a construção civil. É um mercado seguro. O que está ocorrendo é que os bancos estão mais cautelosos na concessão de crédito, diante de uma ligeira piora no cenário macroeconômico e de um potencial aumento dos riscos de inadimplência. Trata-se de um efeito normal, e muito positivo. Saber que as instituições financeiras estão sendo responsáveis nos empréstimos só traz mais segurança e solidez ao mercado, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, no final da década passada.
Início da construção de uma fábrica
DINHEIRO ? A supervalorização dos imóveis nos últimos anos pode ter causado uma bolha imobiliária?
BERNARDES ? Não há nem nunca houve bolha imobiliária no Brasil. O único fator que induz a população a essa ideia é a alta dos preços. Mas todos os outros fatores que caracterizaram a formação de uma bolha, principalmente a especulação de investidores, não existem. Se olharmos para o perfil dos financiamentos da Caixa, que respondem por 80% do mercado, veremos que cerca de 70% da concessão de empréstimos foi destinada à compra do primeiro imóvel. Os brasileiros apenas trocaram o aluguel pela prestação da casa própria, afastando qualquer tese de bolha por especulação.
DINHEIRO ? A crise do subprime nos Estados Unidos não foi causada apenas pela especulação.
BERNARDES ? A situação nos Estados Unidos foi muito diferente. Nossos bancos estão mais preparados para evitar que bolhas como a do subprime atinjam o mercado brasileiro. É exatamente por isso que hoje há uma análise mais criteriosa na liberação de financiamentos.
DINHEIRO ? Com a desaceleração das vendas, os preços dos imóveis tendem a cair a partir de agora?
BERNARDES ? Acredito em uma estabilidade, não em uma queda. A composição de custos da construção civil não está relacionada apenas à forte demanda. Os materiais tiveram aumentos de preço. O valor dos terrenos disparou. A mão de obra ficou mais cara e mais escassa.
DINHEIRO ? Importar mão de obra seria uma solução para a carência de profissionais?
BERNARDES ? Essa é uma questão fundamental em nosso setor. Há dois anos, a gente não encontrava engenheiros no mercado. E formar um engenheiro leva, no mínimo, cinco anos. Meu filho se formou no ano passado em uma turma de 20 alunos. Quando me formei, algumas décadas atrás, erámos 120. Por isso, já existem muitos estrangeiros atuando no País, mas que não podem assinar a responsabilidade técnica por questões legais. É algo normal em qualquer lugar do mundo que defende seu mercado de trabalho.
Aglomeração no metrô de São Paulo, em horário de pico
DINHEIRO ? Não seria a hora de flexibilizar as regras para os estrangeiros?
BERNARDES ? No caso do Brasil, trata-se de uma política de reciprocidade. Engenheiros brasileiros sempre tiveram dificuldades em atuar fora do País. O número de engenheiros em Portugal, por exemplo, é o mesmo que se forma todos os anos no Brasil. Se houvesse um fluxo de profissionais brasileiros indo para lá, quebraria o mercado português.
DINHEIRO ? O problema se limita a engenheiros?
BERNARDES ? Não, a falta de engenheiros é só a ponta do problema. Existe uma carência visível de profissionais de todas as áreas. Não há pedreiros, pintores, gesseiros, etc. A descentralização da economia, o aumento da oferta de empregos no Nordeste e a expansão do Bolsa Família fizeram muitos profissionais deixar as grandes cidades, o que é algo bom para o País no longo prazo, mas algo desafiador para nosso setor.
DINHEIRO ? Qual é a solução?
BERNARDES ? Basicamente, incorporar novas tecnologias nos processos produtivos. Quanto mais avançados forem os sistemas de construção, menos gente será necessária nos canteiros de obra. Esse processo já está ocorrendo, mas não acontece da noite para o dia.
DINHEIRO ? São essas as razões que explicam por que cidades como São Paulo e Rio de Janeiro têm um dos metros quadrados mais caros do mundo?
BERNARDES ? É difícil falar em preços em cidades grandes. Há bairros em São Paulo que são superbaratos. Há outros que enxergamos como nichos e que tiveram valorização muito acima da média. Mas, em linhas gerais, a carência de terrenos acabou levando muita gente a viver em cidades do entorno, criando ilhas de valorização e causando um problema sério de mobilidade.
DINHEIRO ? Mas a questão da mobilidade é um problema em todas as grandes cidades do mundo, não?
BERNARDES ? Sim, mas nas cidades brasileiras esse problema está se agravando. O transporte público no País é ruim e insuficiente. E a expansão da construção civil depende disso. Basta compararmos os números daqui com os lá de fora. Em Paris, por exemplo, há dez mil habitantes para cada quilômetro de metrô. Em São Paulo, são 153 mil habitantes para cada quilômetro.
DINHEIRO ? Analisar as diferenças entre São Paulo e Paris não é comparar dois extremos?
BERNARDES ? Não, porque são duas metrópoles com desafios semelhantes. Paris teria um problema maior que o de São Paulo se o transporte público não funcionasse. O adensamento populacional lá é muito maior. Paris possui 21 mil habitantes por quilômetro quadrado. São Paulo é muito mais espaçado, com sete mil. Por isso, é preciso repensar as cidades para fazer tudo funcionar.
DINHEIRO ? Essa ideia não virou uma utopia no País?
BERNARDES ? Já existe muito projeto bom saindo do papel. Algumas cidades estão sabendo criar polos de desenvolvimento sustentável, onde morar e trabalhar sem grandes deslocamentos é uma realidade.
DINHEIRO ? A alta do dólar tem pressionado os custos do setor?
BERNARDES ? O dólar nos afeta, sim. Nos últimos anos, o mercado da construção se acostumou a ter um dólar baixo e comportado. Com isso, incorporou materiais de fora. Com a inversão do câmbio, a tendência é voltarmos a utilizar mais produtos nacionais. Isso leva um tempo, mas nosso parque industrial é competitivo e tem condições de substituir os importados.