04/08/2007 - 7:00
Uma investigação policial que incendiou o País e parecia definida foi colocada em novos termos pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Intrigado com as contradições que cercam o caso da suposta ?espionagem? cometida pela Kroll, empresa de inteligência contratada pela Brasil Telecom para investigar a Telecom Italia, o ministro pediu cautela. E disse, na segunda-feira 26, que se trata de uma disputa entre empresas, e não de uma espionagem contra o governo. Thomaz Bastos refutou as impressões iniciais de um roteiro que parecia perfeito. Primeiro, a Brasil Telecom, controlada pelo banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, foi acusada de espionar o governo. Dias depois, um suposto agente da Kroll, Tiago Verdial, foi preso e disse que os mandantes dos crimes seriam ?DD e CC?, iniciais de Dantas e de Carla Cico, presidente da Brasil Telecom, cujo controle é disputado pelo Opportunity e pela Telecom Italia. Para apimentar a história, emergiu a denúncia de que, em 2001, 4 mil mensagens eletrônicas de Luís Roberto Demarco (ex-sócio e inimigo declarado de Dantas) teriam sido furtadas. Entre elas, mensagens trocadas com o ministro Luiz Gushiken ? isso foi apontado como prova definitiva de que o governo era espionado. E haveria ainda mensagens de Carla Cico à Kroll pedindo mais dados sobre Gushiken. No entanto, analisando o caso com sua experiência de décadas como advogado criminalista, Thomaz Bastos desconfiou de tais evidências. Pensou que, assim como nos bons romances policiais, nem tudo é o que parece ser. Eis, a seguir, algumas das peças que não se encaixam no complexo quebra-cabeças do caso Kroll:
? A primeira contradição diz respeito à data em que a investigação se tornou pública. Faz tempo. No dia 6 de outubro de 2003, há nove meses, o presidente do Conselho da Brasil Telecom, Luiz Otávio Motta Veiga, revelou, no jornal Valor Econômico, a contratação da Kroll para recolher evidências sobre a atuação do Banco do Brasil e da Previ na disputa pela operadora. Na época, o caso não foi considerado ?espionagem? pelo governo. Procurado pela DINHEIRO, Gushiken disse que só soube da investigação, que considerou ?sórdida?, há duas semanas. Foi a mesma reação de Cássio Casseb, do Banco do Brasil, cujo nome surgiu nos relatórios da Kroll ? ele esteve, em Lisboa, com executivos da Telecom Italia. Gushiken e Casseb não leram o Valor, nem foram informados por seus assessores.
? Dias antes de ser pego, Tiago Verdial, que não tem contrato de trabalho com a Kroll, alardeou pela internet que seria preso. Mesmo ciente disso, Verdial ? um espião treinado ? não fugiu. Ficou em casa. Também não apagou as provas e as mensagens do seu computador. O agente esperou pela chegada dos policiais sentado, com uma caixa de documentos nas mãos. Parecia tranqüilo quando foi colocado num camburão. E sua prisão só aconteceu 30 dias depois da ordem expedida por um juiz. A Polícia aguardou o momento mais conveniente para prendê-lo.
? A gravação em que Verdial diz que os mandantes dos crimes seriam Dantas e Carla Cico ocorreu no hotel Caesar Park, do Rio de Janeiro. Foi feita pelo agente de segurança da Telecom Italia, Angelo Janonne. A explicação que a Telecom Italia ? parte nitidamente interessada na disputa ? dá para a gravação é que, abandonado pela Kroll, Verdial teria pedido uma entrevista de emprego. Nela contou o que ?sabia?.
? Até a sexta-feira 30, dez dias depois da revelação da ?espionagem?, a Kroll não havia recebido qualquer ofício formal do governo solicitando esclarecimentos ou a entrega dos relatórios originais para checar se houve adulteração de documentos. Acusada de executar um crime ?sórdido?, a Kroll não teve nenhum de seus executivos intimados pela Polícia.
? O furto de mensagens do empresário Demarco (o inimigo de Dantas), que teria ocorrido em 2001, foi objeto de um processo judicial. Demarco acusava a ex-mulher, Maria Yazbek, e o ex-sócio, José Galego Júnior, de terem roubado os e-mails para que fossem entregues ao Opportunity. Em maio de 2002, o promotor Renato Peres solicitou o arquivamento do processo, alegando que não houve furto. Em agosto do mesmo ano, o juiz Djalma Lofrano Filho extinguiu o processo. Como podem então ter surgido as mensagens? As correspondências entre Demarco e Gushiken fazem parte de um processo judicial público, que tramita na 28ª Vara Cível de São Paulo. Qualquer pessoa pode ter acesso às mensagens.
? O suposto e-mail de Carla Cico à Kroll, pedindo dados sobre Gushiken, talvez não seja autêntico. Isso porque, seguindo recomendações estritas da Kroll, a comunicação entre todos executivos que têm acesso aos relatórios não é feita com suas identidades reais, e sim com ?nomes fantasia?, uma prática comum na internet, usada para evitar o ?grampo? de mensagens.
A reação cautelosa de Thomaz Bastos ao caso conteve as pressões de ministros que exigiam mais rapidez, como Gushiken e José Dirceu, da Casa Civil. Bastos determinou ao delegado Paulo Lacerda, chefe da Polícia Federal, que apure com cuidado se de fato houve crimes. Tal postura contribuiu para mudar o ânimo dos principais personagens da história. Na segunda 26, Daniel Dantas e Carla Cico imaginavam que haveria uma apreensão de documentos na Brasil Telecom e trabalhavam com a hipótese de que poderiam ser presos ? o criminalista Nélio Machado, que estava em férias em Gramado, na serra gaúcha, foi convocado às pressas para preparar pedidos de habeas-corpus. Havia ainda o risco de que, comprovadas as acusações de grampo, fosse cassada a concessão da Brasil Telecom ? neste caso, com o Opportunity fora, o controle ficaria com a Telecom Italia (que entregou os dados da Kroll à Polícia) e com os fundos de pensão. Com o passar dos dias, Dantas e Cico souberam que terão de prestar esclarecimentos, mas se tranqüilizaram. Outros personagens do caso Kroll se manifestaram. Foi o caso de Casseb, do Banco do Brasil. Na quarta 28, ele convocou a imprensa e, com olhos vermelhos e voz embargada, disse que jamais fez algo que ?suas filhas não pudessem saber?. Na sexta 30, a Istoé revelou movimentações financeiras no valor de US$ 595 mil de Casseb não comunicadas à Receita.
Sendo o caso Kroll uma disputa de empresas, como definiu Thomaz Bastos, o que explica táticas de guerra tão ousadas? Do lado do Opportunity, há o estilo duro e inflexível de Dantas, que leva à exasperação os seus sócios. Na privatização da Brasil Telecom, em 1998, o controle da companhia foi adquirido pelo Opportunity, pelos fundos de pensão e pela Telecom Italia. O acordo de acionistas, porém, define que a gestão cabe a Dantas. A empresa, com receita anual de R$ 10 bilhões e 10 milhões de clientes, é vista no mercado como companhia eficiente e o Opportunity usa isso como argumento para defender sua gestão. Em nota oficial, o ministro Gushiken disse que considera ?lícito? defender que os fundos de pensão controlem a empresa, mas as fundações questionaram o acordo de acionistas na Justiça e perderam. Do lado da Telecom Italia, a empresa planeja assumir uma posição de comando na Brasil Telecom para promover a fusão da operadora com a TIM, sua empresa de celulares que tem 10,5 milhões de clientes no País. Apesar do prejuízo de R$ 1,5 bilhão no ano passado, a TIM vem crescendo rapidamente ? a empresa acaba de lançar a promoção de aparelhos a um real no Sul do País ? e garante que começará a gerar caixa positivo no fim deste ano.
Enquanto isso, há episódios corporativos em que os dois lados têm sido questionados. Os fundos de pensão e a Telecom Italia acusam a Brasil Telecom de favorecer o Opportunity na compra do portal de internet grátis iG ? Dantas é um dos sócios do provedor, mas defende-se dizendo que sua participação não foi adquirida. A TIM, por sua vez, sofre ações na Justiça movidas pela Tecnosistemi, empresa também italiana que instalou sua rede de equipamentos e alega não ter sido integralmente paga. A TIM é ainda pivô do maior escândalo corporativo da Venezuela, sendo acusada de manipular seus balanços ? o caso foi levado à SEC e ao Consob, xerifes dos mercados acionários dos Estados Unidos e da Itália. A Kroll, por sua vez, prepara a reação. A empresa garante que a história de ?espionagem? terminará com a Kroll movendo ações na Justiça contra a Telecom Italia ? e não o contrário. ?Brincar com a Justiça e tentar manipular um governo gera um efeito bumerangue?, disse à DINHEIRO um de seus principais executivos.
Com reportagem de Marco Damiani
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