05/02/2010 - 1:19
“Oel ngati kameie my tsmukan and my tsmuke? (Eu vejo vocês, meus irmãos e minhas irmãs). No palco da premiação do Globo de Ouro, em 17 de janeiro de 2010, o diretor de cinema James Cameron utilizou a língua dos Na?vis, os habitantes do planeta de Pandora, onde se passa a trama de Avatar, para agradecer seus colegas de trabalho e também para celebrar a conquista de duas estatuetas: a de melhor filme de drama e a de melhor diretor. Cameron, na verdade, foi modesto. Ele poderia ter dito ?oel txana tìfläti tse?a? (Eu vejo um grande sucesso) ou simplesmente ?eu vejo uma máquina de fazer dinheiro?. As palavras dessa última frase ainda não existem, conforme disse à DINHEIRO Paul Fromer, professor de linguística da universidade do sul da Califórnia USC Marshall, contratado para desenvolver o idioma dos Na?vis. Pelo menos no vocabulário dos personagens da produção. Mas elas fazem parte da aura de James Cameron, o grande midas da indústria cinematográfica da atualidade. Na semana passada, a mística em torno de Cameron foi reforçada quando Avatar atingiu a marca de US$ 1,846 bilhão em bilheteria, ultrapassando Titanic, outro filme de Cameron, que detinha o recorde desde 1997 com US$ 1,835 bilhão. Cameron bateu Cameron. ?O que faz Jim (como James Camerom é chamado) ser o diretor de cinema mais bem-sucedido é a sua habilidade de contar histórias universais, com personagens com que o público se identifica, e que se passam em cenários extraordinários?, disse à DINHEIRO Jon Landau, produtor e sócio de James Cameron tanto em Titanic como em Avatar. ?Ele nunca permite que a tecnologia exigida para criar seus filmes se sobreponha ao mais importante de qualquer produção: a história.?
Mas que ninguém se engane: por trás da veia artística do cineasta funciona uma azeitada máquina de produzir gigantes de bilheteria. Somada a um incrível espírito empreendedor e à obstinação de Cameron, surgiu uma fórmula em que o sucesso era inevitável. A produção cinematográfica mais cara da história é sustentada por pilares como o forte marketing, o roteiro bem amarrado, a tecnologia de última geração, a distribuição digna de uma logística de guerra e o ineditismo. No centro de tudo isso, encontra-se o próprio James Cameron, cuja fortuna pessoal é estimada em US$ 150 milhões. ?Quando a Fox fechou com ele, já sabíamos que viria algo grandioso?, diz Patrícia Kamitsuji, diretora-geral da Fox Film do Brasil. O estúdio e o próprio cineasta adotaram técnicas de marketing muito comuns no mercado corporativo para gerar expectativa entre o público consumidor, uma tática na qual Steve Jobs, da Apple, é mestre. Todos os detalhes ao redor do filme eram tratados como segredo industrial. Nada podia vazar. Patrícia relembra do dia que assistiu a um pequeno trecho de cinco minutos de Avatar, em Hollywood. Os detalhes daquela sessão remetem a uma produção de 007. ?Os representantes da Fox receberam uma carta no quarto do hotel para que se dirigissem ao lobby. Ninguém sabia para onde iríamos e o que veríamos?, diz ela. Ao chegar aos estúdios de Cameron, mataram a charada. ?Foram os cinco minutos que, na minha visão, mudaram a história do cinema 3D.?
Um dos grandes trunfos de avatar é a tecnologia 3d . Ela coibiu a pirataria
que poderia ter comprometido as receitas do filme
Tudo em Avatar foi diferente do que os executivos da Fox estavam acostumados a fazer e, por isso mesmo, a distribuição também deveria ser especial. Enquanto normalmente um filme é visto pelos distribuidores com três meses de antecedência, Avatar foi apresentado 12 dias antes de ser lançado. Mesmo assim, a Fox começou a preparar sua entrada no mercado um ano e meio antes. Os executivos, munidos de poucas informações fornecidas pela matriz, iniciaram as conversas com empresas como McDonald?s e LG, por exemplo, para criar promoções. Ao mesmo tempo, enfrentaram uma bateria de reuniões com os comandantes das redes de cinema para convencê-los de que se tratava de um filme ?never done before? (nunca feito antes), como gostava de frisar Mark Kaner, o CEO da Fox Films. De olho nisso, quase metade das 98 salas de cinema 3D existentes no Brasil foram abertas um ano antes do lançamento de Avatar. ?Mas o sucesso de um filme não se sustenta apenas porque ele é 3D ou porque tem uma tecnologia avançada?, diz Marcelo Bertini, presidente do Cinemark Brasil, rede com 420 salas de exibição ? sendo 47 delas em 3D.
Aí é que entra o roteiro, o coração do produto e o elemento que faz as pessoas grudarem os olhos na tela ? o que revela um profundo conhecimento de Cameron a respeito do público consumidor de blockbusters. ?O roteiro traz o espectador para dentro da história?, diz Paulo Sérgio Almeida, cineasta e diretor do site Filme B, um dos mais conceituados do setor. Avatar conta a história de um ex-fuzileiro paralítico enviado ao planeta Pandora para participar de uma experiência, Nela, ele se conecta a um corpo criado em laboratório de um Na?vi, os habitantes azulões com três metros de altura do planeta. Sua missão é convencer os nativos a deixar a empresa em que ele trabalha explorar as riquezas naturais de Pandora. A partir daí, desenrola-se uma história de amor e também de aventura numa guerra entre os humanos e os Na?vis. É cem por cento Hollywood. ?Mostra a história de um homem comum que é chamado para uma aventura, encontra obstáculos, enfrenta monstros, cai no abismo e dá a volta por cima?, diz Almeida. ?Tem todos os elementos que compõem um sucesso de bilheteria.?
O fator Cameron surge de modo a coroar todos os quesitos que fazem de Avatar o recordista em bilheteria. A princípio, quando apresentou o projeto do filme, com um orçamento monumental, os produtores de Hollywood torceram o nariz para ele. Tratava-se de uma aposta muito arriscada que poderia pôr em xeque a saúde financeira de qualquer estúdio. A história mostrava que filmes com custos altíssimos não eram sinônimo de gordas bilheterias. Cleópatra, produção estrelada em 1963 por Elizabeth Taylor e Richard Burton, por exemplo, consumiu US$ 314 milhões (em valores atualizados) e quase levou a própria Fox à falência. Obstinado, Cameron convenceu os executivos do estúdio a encampar a sua ideia. Mostrou-se um homem de visão equiparado ao ícone Charles Chaplin (1889-1977), que encontrou resistência ao idealizar ?O Grande Ditador?, em 1940, que viria a ser o seu filme de maior bilheteria. Cameron, é verdade, não precisava provar nada para ninguém. Ele já tinha o sucesso Titanic, também muito criticado antes de seu lançamento, no seu currículo. E, como Titanic, Avatar também tinha um ingrediente decisivo: ineditismo, fundamental para qualquer empresa que vise a conquista da liderança e a fidelidade de sua clientela. ?No Titanic, nós usamos soluções do mundo real para resolver as questões de produção. Em Avatar, nós criamos soluções que até então não existiam?, explica Landau.
Parceiros inseparáveis: o produtor Jon Landau trabalha com Cameron desde o sucesso Titanic,
pelo qual ganharam 11 estatuetas do Oscar.
Em Titanic, Cameron criou um barco em tamanho real, ordenou a produção de louças idênticas às usadas pelos passageiros do navio no começo do século XX e mandou construir um tanque de 64 milhões de litros de água ? o equivalente a 33 piscinas olímpicas cheias ? para filmar o naufrágio da embarcação. O cineasta rejeitou o uso de computadores para afundar o barco, tudo em nome do realismo. Em Avatar, ele fez o oposto e é aí que entra outra roldana que move a engrenagem do bilionário Avatar. Trata-se da tecnologia. Cameron praticamente reinventou o cinema 3D. Guardadas as proporções, ele está para a telona como Bill Gates, o dono da Microsoft, está para a indústria da computação por ter possibilitado a popularização dos PCs na década de 80. O uso do 3D vai muito além das imagens que saem da tela. As cenas que se passam em Pandora mostram quadros trabalhados em profundidade, com um alto grau de detalhamento. Para atingir esse resultado, o diretor chamou alguns dos maiores especialistas em efeitos visuais do mundo. O primeiro da lista foi Peter Jackson, diretor da trilogia O Senhor dos Anéis e proprietário da Weta Digital, uma empresa de animação com sede na Nova Zelândia. Cameron queria que seus personagens azuis ganhassem vida por meio da mesma técnica utilizada na concepção de Gollum, personagem da trilogia de Jackson e considerado por muitos como a criatura digital mais perfeita do cinema. Assim, a Weta foi responsável por todo o visual dos alienígenas Na?vi e do cenário de natureza fantástica onde vivem, o planeta Pandora.
A animação, embora uma das mais avançadas do mundo, não poupou o trabalho dos atores. A americana Zoë Saldaña, que interpreta Neytiri, a Na?vi que se apaixona pelo herói, treinou sete meses para conseguir expressar com naturalidade as habilidades atléticas que sua personagem possui. Não havia cenário nem locações impressionantes, mas os atores tinham que reproduzir as cenas com sensores colados por todo o corpo. Só isso consumiu mais de um ano de trabalho da Weta, pois foi preciso criar dispositivos que copiassem as expressões do atores e as transferissem para os Na?vis. As câmeras utilizadas também não eram convencionais. O equipamento adotado na filmagem de Avatar é mais uma criação de Cameron com seus parceiros. O escolhido da vez foi Vince Pace, fundador da Pace Technologies, uma das empresas mais renomadas em tecnologia 3D no mundo. O cineasta desafiou Pace a criar uma câmera leve, silenciosa e capaz de filmar em 2D e em 3D simultaneamente ? projeto que exigiu investimentos de US$ 12 milhões. Além disso, Cameron contou com um monitor que permitia ver a versão final do filme durante as filmagens. Ou seja, enquanto os atores viam um hangar vazio, o que Cameron enxergava já era uma versão próxima do Avatar que iria para os cinemas. Essa tecnologia não foi decisiva apenas para que o filme fosse sucesso de crítica. Na verdade, ela serviu como um atestado de qualidade que, praticamente, matou a pirataria. Afinal, não dá para reproduzir a experiência vivenciada no cinema 3D. ?Nem um DVD no formato Blu-ray garante a mesma qualidade da imagem?, diz Patrícia Kamitsuji, da Fox Film do Brasil.
O entusiasmo dos exibidores é tão grande que há possibilidade de que o filme fique em cartaz nas salas 3D até o final do ano. É aí que mora outro segredo da máquina de fazer dinheiro chamada Avatar. Apesar de os executivos da Fox negarem, o filme foi lançado no fim do ano passado a tempo de concorrer aos grandes prêmios. O que isso significa? Um produto disponível por mais tempo. ?O Oscar pode prolongar a vida do filme?, diz Patrícia, referindo-se à maior premiação do cinema, programada para o dia 7 de março. Ou seja, tudo foi pensado minuciosamente. Diante de tal sucesso, o próprio Cameron confidenciou que pretende lançar mais dois episódios, dando forma a uma trilogia. Ao que tudo indica, não faltará público. O objetivo do cineasta é criar em torno de Avatar o mesmo fenômeno cultural gerado com sucessos como Guerra nas Estrelas, cultuado como uma religião até os dias de hoje. Para isso, Cameron adotou estratégias de marketing relativamente simples, mas, ao mesmo tempo, sofisticadas. Uma delas foi contratar um linguista só para criar o idioma falado no filme ? assim, os fãs continuariam a comentar sobre Avatar. Paul Frommer, professor com doutorado em linguística da USC Marshall, se candidatou à missão. Após um encontro de uma hora e meia com Cameron, no qual o diretor explicou que queria algo interessante, prazeroso ao ouvido, e que não se parecesse com nenhum idioma conhecido, Frommer foi aceito oficialmente como o criador da língua que hoje tem cerca de mil palavras. ?Espero que o idioma continue a se difundir após o filme?, diz Frommer à DINHEIRO. Pode até ser que as pessoas não saiam falando a língua dos Na?vis nas ruas, mas isso criou mais um atrativo em torno da produção. E, só de levar a assinatura de Cameron, os próximos episódios já terão um bom público.
A fama do cineasta é proporcional à estatura de suas obras e seu nome virou uma grife. Afinal, hoje ele ocupa o lugar de destaque que um dia foi de George Lucas, criador de Star Wars, e de Steven Spielberg, o homem que ganhou as telas com Tubarão, E.T., Jurassic Park, entre outros. Para compreender o fenômeno James Cameron, entretanto, é preciso, antes de tudo, descobrir quem é o homem por trás das câmeras. Nascido há 55 anos, na pequena cidade de Kapuskasing, próximo às Cataratas do Niágara, no Canadá, este homem, fã do explorador francês Jacques Cousteau e aficionado por histórias de extraterrestres quando menino, foi fisgado pelo cinema aos 14 anos de idade, ao assistir a 2001: Uma Odisseia no Espaço, clássico de Stanley Kubrick. Filho de uma família de classe média, via o cinema distante de sua realidade ? apesar de sonhar dia e noite com a sétima arte. Ainda adolescente, mudou-se com a família para a pequena cidade de Brea, na Califórnia, onde, aos 23 anos, se casou com uma jovem garçonete que trabalhava na rede Bob?s Big Boy. Para sobreviver, chegou a trabalhar como motorista de caminhão. ?Mas eu constantemente pensava como um artista?, disse Cameron em uma entrevista à revista The New Yorker. ?Então eu pintava, desenhava, escrevia e imaginava efeitos especiais e filmagens.? Como num roteiro tipicamente hollywoodiano, a vida de Cameron mudou e o cinema entrou, definitivamente, no seu dia a dia quando ele conheceu os futuros cineastas William Wisher e Randall Frakes, que também desejavam fazer um filme. Dessa união, surgiu o curta-metragem Xenogenesis, cuja história girava ao redor de um casal que, a bordo de uma nave espacial, buscava um novo lugar para viver. Daí em diante, Cameron não parou mais. E hoje pode olhar para trás e soltar a frase: ?Fpxoläkìm Uniltìrantokx nemfa vur kifkeyä? (Avatar entrou para a história).