Contemplado com a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado e um dos finalistas para a premiação de Melhor Filme e de Melhor Diretor do Oscar 2016, a película “The Big Short”, exibida nos cinemas brasileiros com o título de “A Grande Aposta”, é uma devastadora denúncia, recheada de muito sarcasmo e deboche, da irresponsabilidade generalizada que antecedeu a crise do subprime, nos Estados Unidos, e alimentou a bolha imobiliária de 2008. 

No filme, que conta com um quarteto de intérpretes de primeira linha, como Christian Bale, Brad Pitt, Ryan Gosling e Steve Carrell, fica desnudada a cumplicidade no episódio, que deflagrou uma das maiores crises já enfrentadas pela economia mundial, envolvendo gigantes do sistema financeiro, autoridades reguladoras e as agências de classificação de risco, à frente a Standard & Poors, a Moody’s e a Fitch, que controlam 90% do mercado mundial de rating.

A longo de seus 131 minutos de duração, “A Grande Aposta”, mostra como a ganância desmedida ganhou proporções cada vez maiores, dando margem a todo o tipo de fraudes, às custas das economias de milhões de investidores, sob as bênçãos das agências, que sancionavam as estripulias, avalizando as operações dos lobos de Wall Street. Uma das cenas mais emblemáticas ocorre quando Mark Baum, o sócio de uma corretora vinculada ao banco Morgan Stanley, interpretado por Carrel, reúne-se com uma alta funcionária da S&P, em seu escritório no QG da agência, no número 25 da Broadway Street, em Nova York. 

No encontro, Baum, questiona a executiva sobre o excesso de hipotecas podres contidas nos contratos imobiliários, classificados como AAA (de excelente liquidez) pela agência de rating, mas que estavam carregados de contratos inadimplentes. E pergunta-lhe se a S&P alguma vez havia se recusado a dar a classificação máxima a algum banco. “Se não dermos a classificação, eles vão para a Moody’s”, respondeu  a interlocutora, candidamente. “Ela fica aí ao lado.” E completou: “Não é nossa falta, é simplesmente como o mundo funciona.” 

Ou seja, como lembrou um dos sócios de Baum, presente à reunião: a agência se transformara numa loja de classificação, vendida a quem se dispusesse a pagar por ela (no caso, os bancos emissores da hipotecas podres).

A cena desnuda à perfeição o que os especialistas chamam de falta de transparência no negócio, que esconde a relação de interesses entre as agências e seus clientes. No passado, os serviços da Fitch, Moody’s e a Standard & Poor’s eram pagos pelos investidores, que se baseavam em suas avaliações para empregar os seus recurso. Nos tempos recentes, os fregueses passaram a ser os donos dos produtos financeiros, que diante de uma eventual recusa de classificação ou ameaça de rebaixamento de suas notas, sempre podem procurar alguém que tope a parada, no outro lado da rua. 

Na verdade, embora tenha sido provavelmente o de maior vulto, o frangaço diante da crise do subprime, não foi o único envolvendo o trio de ferro do rating mundial. Exemplos não faltam, como as crises financeiras mexicana (1994), asiática (1997-98), russa (1998) e argentina (2001), ao lado de escândalos como o da Enron (2001), WorldCom (2002) e Parmalat (2003). Mesmo com a credibilidade severamente arranhada, no entanto, elas continuaram e continuam operando normalmente, distribuindo suas avaliações como sempre, determinando se uma empresa ou país tem condições de pagar suas dívidas – como aconteceu com o Brasil, no ano passado, que teve rebaixamentos sucessivos em sua classificação de risco. 

Mas nem tudo está inteiramente perdido para a impunidade. Em fevereiro de 2015, com um pequeno atraso de sete anos, a S& P concordou em pagar ao Tesouro dos Estados Unidos, uma multa de US$ 1,4 bilhão, para encerrar um processo no qual era acusada de ter mascarado os riscos de investimentos nos papéis subprime. Segundo o Ministério da Justiça americano, a agência teria ocultado propositalmente a possibilidade de prejuízos para os investidores.