Que revolução foi descobrir que um aparelho aparentemente esquisito poderia mudar a vida de uma casa! Aconteceu no começo do século XX e desde lá o fascínio pelo que hoje é chamado de eletrodoméstico nunca mais foi embora. Em vez de “baú de gelo”, geladeiras com mil e uma funções. Alguns dos líderes dessa revolução foram os ferros de passar roupa a carvão, aquelas peças pesadas demais que, no contato com uma vestimenta, deixavam tudo “lisinho” à custa de mãos fortes e persistentes ? e, claro, femininas. Passar roupas não conseguiu se desvencilhar da imagem de trabalho aborrecido, mas o instrumento que é usado nesta tarefa transformou-se em pluma diante de seu passado. A arte às vezes sutil e sempre inovadora dessa época mudou de nome. Agora chama-se “design”, incorpora tecnologia e continua a busca de proporcionar facilidade e conforto. Essa viagem no tempo é competentemente registrada no livro Eletrodomésticos, Origens, História e Design no Brasil, da editora Fraiha (200 páginas).

  

Um século de diferença:
o reencontro com o design na lavadora de roupas WM, da Samsung, e a máquina de lavar manual, uma das peças mais bonitas e raras da história dos eletrodomésticos. É datada de 1903 e se tornou patrimônio de colecionadores particulares. A matéria-prima é a madeira, o desenho simples e a invenção fantástica

Som dos novos tempos: a irremediável beleza do gramofone, hoje uma peça preciosa rara e cara, e o som dos novos tempos, movidos a tecnologia apurada e que, por exigência do mercado, são aposentados cada vez mais depressa

 

 

Da Tupi para o plasma: a famosa TV Zenith, trazida para o Brasil por Chateaubriand, em 1950, para a inauguração da TV Tupi e a TV de plasma Semp Toshiba, sonho de consumo às vésperas da Copa do Mundo em que o Brasil voltou para casa antes que vencesse a primeira prestação do aparelho

Beleza ou tecnologia: baixinha e gordinha, a geladeira dos anos 60 começa a abandonar as linhas arredondadas e atravessa o século com uma ?cara? tecnológica. As novas são fortemente influenciadas pelo desenvolvimento tecnológico, fazem tudo que lhes compete, mas são tidas como menos bonitas

Os objetos antigos hoje são peças disputadas por colecionadores e museus. São valiosas. A máquina de lavar roupa manual é um objeto de arte, lindo. A atual é simétrica, o consumidor só coloca os dedos em botões e, se quiser, pode ter numa só peça a função de também secar. A arte do design cresceu de forma sutil e quase irreconhecível junto com essas maravilhas, novas e antigas. Colocou a TV de plasma com alguns milímetros de profundidade e uma “imagem de cinema”, mas não tirou a realeza daquela Zenith trazida por Assis Chateaubriand em 1950 para a inauguração da TV Tupi.

A cor veio primeiro para quem quisesse colocar uma folha de papel de celofane colorido sobre a tela. Iludiu até a Copa do Mundo de 1970, quando apenas convidados da Embratel puderam ver Pelé e Tostão em sua cor legítima. O Brasil ganhou a Copa e logo a TV em cores estava à venda pelo preço exorbitante da novidade (algo parecido com o que ocorreu com a TV de plasma). Ter uma televisão em casa era sinal de status e de subir na vida na época. Nem esses privilegiados, porém, escapavam da quase humilhante situação de colocar um pedaço de bombril na antena interna, subir no telhado para verificar algum problema com a externa e ouvir o coro “tá pegando, não, não, caiu de novo”. O gabinete era de madeira. Um só.

Som? Nada melhor que um bom gramofone, hoje parte do acervo de alguns museus. O gramofone, projetado em 1888 por Emile Berliner, basicamente tem o mesmo princípio do fonógrafo quanto à reprodução do som. A diferença está na leitura da agulha. Enquanto no fonógrafo a agulha lê a profundidade do sulco, no gramofone lê lateralmente (ziguezague). Foi um avanço enorme em relação ao fonautógrafo, de 1807. Maior, só a chegada dos aparelhos de som cada vez mais mutantes graças ao avanço da sábia união entre avanço e design ? palavra que nem existia no vocabulário dos geniais criadores dos eletrodomésticos. É uma palavra que hoje está em tudo, provavelmente relacionada ao esforço criativo no que diz respeito à configuração de alguma coisa ? um aparelho eletrônico, uma cama, uma cozinha, uma embalagem, um prosaico lápis preto. Mas o conceito não tinha nome quando aqui chegou em 1940, importado pela Phillips, o rádio PT Semp, batizado de “Capelinha”, ou do televisor que, dizia a propaganda, “milhares de possuidores em todo o Brasil, convencidos pela imagem cinematográfica e alta fidelidade de som, confirmam que colorado RQ é o único televisor que possui reserva de qualidade”. A então famosa geladeira Frigidaire anunciou sua vinda com o desenho de um tosco navio e o reluzente aviso: “seu Frigidaire vai chegar”. A marca pertencia à General Motors. E os consumidores ainda sonhavam em levar tamanha novidade para dentro de casa.