É um caso raro de triplo bicampeonato. Explico. Os rankings apresentados nesta reportagem poderiam parecer meras repetições dos resultados já divulgados em 2022, já que as marcas que lideram cada um deles são as mesmas em 2023. Pela segunda vez consecutiva em 20 edições de As Marcas Mais Valiosas do Brasil, o Nubank aparece como a mais forte entre as brasileiras. O Google, também pela segunda vez seguida, é a marca global de maior força. Como se verá no ranking das 50 mais valiosas, o Mercado Livre supera todas as demais ao somar R$ 10,78 bilhões. Ainda que as campeãs sejam as mesmas, há muitas lições a extrair do mais abrangente estudo do gênero feito no País, publicado com exclusividade pela DINHEIRO.

Ele traduz movimentos importantes das estratégias de empresas para criar vínculos emocionais e duradouros com seus públicos.

Como afirmou um dos nomes à frente da avaliação, o CEO Brasil da Design Bridge and Partners, Marcelo M. Bicudo, as posições ocupadas pelas marcas “refletem o que se passa na nossa economia”.

Por isso, as análises que complementam os rankings a seguir são instrumentos importantes para mapear os desafios e as oportunidades que o mercado impõe a quem lida com a difícil missão de encantar os clientes.

Os rankings são elaborados pela TM20 Branding, empresa criada pelo especialista em branding Eduardo Tomiya, em conjunto com a Design Bridge and Partners, um dos braços locais do grupo WPP, que é o dono da metodologia global Brand Asset Valuator (BAV).

Os atributos relativos à força das marcas são obtidos a partir de 17 mil entrevistas realizadas junto a consumidores de todo o País.

Para se chegar ao valor das marcas, são cruzadas informações financeiras das empresas, fornecidas pela TradeMap.

Segundo Tomiya, “é o mais completo estudo que combina análise holística com valor econômico-financeiro da marca, respeitando os padrões internacionais reconhecidos pelo mercado”.

O período de coleta de informações teve início em 31 de outubro de 2022 e se estendeu até abril deste ano.

Para o head comercial da TradeMap, Einar Rivero, os dados financeiros das empresas no período capturam movimentos do mercado.

“Houve uma queda expressiva de valor das empresas em 2022, sobretudo nos segmentos de finanças e de varejo. Mas estamos começando a recuperar os índices e as expectativas são muito positivas, o que deverá se confirmar nos rankings do próximo ano.”
Einar Rivero, head da TradeMap

Os números comprovam. Na comparação com o ranking anterior, a varejista de calçados Netshoes vale 94% menos. No caso do Magazine Luiza, a queda foi de 51%.

No caso do setor financeiro, até o gigante Itaú, maior banco privado do País e segunda marca mais valiosa do Brasil este ano, perdeu 45% em valor frente ao ranking de 2022.

Já as empresas de serviços registraram altas de até três dígitos. É o caso da Localiza, com valorização recorde de 124% em um ano.

O bom desempenho dos serviços

Na avaliação de Rivero, esse resultado positivo se deve em parte à retomada das atividades que sofreram restrições durante a pandemia. “As pessoas voltaram a fazer o que não podiam no período de restrições e isso se reflete no resultado financeiro das empresas de serviços”, disse.

Para Bicudo, os bons números de serviços também refletem o peso que a atividade exerce sobre a economia, uma vez que ela responde pela maior parte do PIB brasileiro.

Indo além dos resultados financeiros destacados por Rivero, Bicudo observa casos de sucesso na gestão das marcas por parte das empresas e também fenômenos ligados a novos hábitos de consumo.

“Temos símbolos da nova economia, como Mercado Livre e XP, que conseguiram se diferenciar em relação às outras startups e tech companies pela construção de marca bem-feita, atrelada a serviços e produtos altamente diferenciadores”, afirmou. “Ambas têm estratégias claras de canal e, portanto, muito alcance em nossa sociedade”.

Enquanto o valor da marca depende em parte da precificação dos papéis da empresa em bolsa, sua força deriva de atributos menos tangíveis.

Segundo Tomiya, a força é medida por uma combinação de relevância e diferenciação.

“A relevância corresponde à capacidade de uma marca de ser significativa e ter vínculo emocional com os consumidores, considerando seu momento de vida, poder aquisitivo e todas as suas preferências e prioridades”.

Já a diferenciação é “o que torna uma marca única em comparação com as demais no mercado”, disse Tomiya. Além de se diferenciarem, as marcas precisam ser apreciadas e desejadas, necessariamente, para se tornarem fortes.

Serviços lideram alta na valorização

Por Hugo Cilo

Bruno Lasansky, CEO da Localiza&Co, investe em serviços que vão além da locação para manter o crescimento (Crédito:Bruno Figueiredo)

O setor de serviços viveu uma espécie de gangorra nos últimos anos. Depois do impacto negativo causado pela pandemia — que freou bruscamente o consumo e obrigou o fechamento provisório ou definitivo de muitos estabelecimentos —, ele voltou a crescer forte e fechou 2022 com desempenho recorde.

Pelas contas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a alta atingiu 8,3% no ano passado, ajudando a puxar para cima a recuperação do Produto Interno Bruto (PIB), de 2,9% no período.

“O setor de serviços entrou 2023 em um patamar 10% acima do nível pré-pandemia”, afirmou o economista Rodrigo Lobo, executivo responsável pela Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), do IBGE. E foi nesse contexto de baixas abruptas e altas recordes que algumas empresas souberam se destacar.

Uma delas é a marca mineira Localiza&Co, maior locadora de veículos da América Latina, dona de um faturamento de R$ 7,4 bilhões em 2022, alta de 28,2% sobre o ano anterior.

A empresa comandada pelo CEO Bruno Lasansky chega aos 50 anos de idade em sua melhor forma e se consolida como uma plataforma completa de mobilidade.

Os serviços vão desde soluções para pessoas que querem alugar, comprar, assinar ou cuidar do carro próprio, até opções para empresas por meio da expertise em gestão de frotas de veículos leves e pesados.

“Realizamos a maior combinação de negócios do setor. Somos a marca preferida do segmento e, no fim de 2022, apresentamos a nova identidade corporativa da companhia e a revitalização das marcas dos negócios.”
Bruno Lasansky, CEO da Localiza&Co

O valor de marca da companhia disparou 124%, no ranking As Marcas Mais Valiosas do Brasil 2023.

A performance da Localiza despertou a atenção, mas ela não esteve sozinha. Outro destaque é a Vivo, líder do setor de telecom no País, com receita de R$ 8,9 bilhões em 2022 (alta de 13,4% sobre o ano anterior).

Segundo Dante Compagno, diretor-executivo de marketing B2C da Vivo, o bom resultado de marca da companhia é fruto do empenho em transformar a operadora em um hub de tecnologia, que oferece diversas soluções de produtos e serviços para a vida digital.

“A Vivo se consolidou como marca relevante ao antecipar tendências comportamentais e levantar bandeiras conectadas a diversas pautas sociais”, disse. “Criamos a infraestrutura para digitalizar o País, com fibra e tecnologias móveis e oferecemos os melhores serviços e soluções de tecnologia para todas as pessoas e empresas.”

Compagno afimou também que o propósito da companhia, Digitalizar para Aproximar, norteia todas as ações e comunicações na Vivo.

Para Marcelo Bicudo, da Design Bridge and Partners, Itaú e Magalu são exemplos da capacidade de se reinventar a partir de ativos construídos ao longo do tempo (Crédito:Divulgação)

Reestruturação

Assim como Localiza e Vivo, a imobiliária digital QuintoAndar brilhou no quesito marca. A empresa implementou, da porta para dentro, uma estratégica reestruturação de suas operações e transformou, da porta para fora, uma reformulação de sua imagem.

Para Gabriel Braga, CEO e cofundador do QuintoAndar, isso foi a chave do sucesso que levou à quinta colocação no ranking entre empresas de serviços. “O ano de 2022 foi um marco na trajetória do QuintoAndar. Com o rebranding iniciamos o ano com nova identidade visual e dando vida a nossa missão de Abrir Portas para o Morar Melhor”, afirmou Braga.

Para o CEO da Design Bridge and Partners, Marcelo Bicudo, embora o setor de serviços tenha brilhado, ele não é a única estrela. “Temos marcas unindo tradição e disrupção criativa, como Itaú e Magazine Luiza”, disse. “Têm sabido se reinventar e surfar no novo mundo, a partir de ativos que construíram ao longo do tempo.”

 

A força que vem do uso no dia a dia

(Divulgação)

Assim como ocorreu em 2022, Nubank continua sendo a marca brasileira mais forte. Mas o ranking deste ano traz outros cases que merecem análise. A começar pela segunda colocada, Havaianas.

Em uma história de 60 anos, mais do que sinônimo de sandália, ela definiu um estilo de vida brasileiro. “Não deforma, não solta as tiras e não tem cheiro.” Foi assim que a Havaianas começou a criar sua diferenciação — um dos atributos que geram marcas fortes.

Depois veio o reposicionamento como marca desejada e aceita em todos os ambientes. E dali, o mundo.

Consolidada na categoria de chinelos, a Havaianas agora usa sua força para ganhar novos mercados, seja expandindo o portfólio, com novos formatos de sapatos, acessórios e roupas, buscando novos consumidores além das fronteiras nacionais.

Vice-presidente global de Marketing da Havaianas, Maria Fernanda Albuquerque afirmou à DINHEIRO que são trabalhados dois eixos de valores: identificação e aspiração. “É uma marca que reflete muito o Brasil e o brasileiro”, disse.

No segundo eixo entram o posicionamento internacional e as conexões com o mundo da moda, além da associação com celebridades, foco de muitas campanhas desde a década de 60.

Com forte presença nos meios de comunicação de massa, a Havaianas aprendeu a segmentar seu público por interesses usando as redes sociais.

Segundo Maria Fernanda, “a essência da marca é sempre a mesma, mas a gente acha formas diferentes de tocar e se conectar com cada um”.

Exemplos dessa estratégia são as colaborações com a americana Market, que em 2022 resultou na criação de uma sandália que pode ser chinelo ou tênis. E com a Dendezeiro, grife baiana de moda agênero.

Décio Lima, presidente do Sebrae: “Esse reconhecimento é o resultado de um intenso trabalho realizado diariamente pela instituição em todos os estados brasileiros” (Divulgação)

Para o CEO da Design Bridge and Partners, Marcelo M. Bicudo, estratégias assim ajudaram a marca a retomar sua força. “A Havaianas não aparecia entre as dez mais fortes de 2022 e assumiu a segunda posição este ano”, afirmou.

Para ele, em momentos de crise, como foi 2022, os consumidores vão na direção das marcas em que confiam. “Confiam porque se diferenciam claramente na oferta e proposta de valor, além de possuírem recorrência de uso. Ou seja, essas marcas estão presentes na vida das pessoas, de forma positiva.”

Empreendedorismo

Isso talvez explique também o avanço do Sebrae, agora na sexta colocação.

Para o presidente da entidade, Décio Lima, o reconhecimento é resultado de um “intenso trabalho realizado diariamente pelos milhares de colaboradores e colaboradoras da instituição que estão distribuídos por todos os estados brasileiros, oferecendo treinamentos, assistência técnica, consultorias, cursos, entre outros conteúdos”.

Segundo Lima, isso gera valor agregado para os empreendedores brasileiros ­— e para a marca.

“No ano passado, nós superamos o patamar de 20 milhões de atendimentos realizados, para 11 milhões de empreendedores e potenciais empresários.”
Décio Lima, presidente do Sebrae

Para o executivo que assumiu o comando do Sebrae no início deste ano, a missão do órgão “é sempre trabalhar com foco nos pilares da cultura empreendedora, do ambiente do negócio menos burocrático, permitindo que a gestão do negócio aconteça de forma mais sólida e gere aumento da renda”.

Digital domina marcas globais

(Divulgação)

Para chegar à lista das dez marcas globais mais fortes no Brasil, a pesquisa realizada pela TM20 Branding em parceria com a WPP usou a metodologia Brand Asset Valuator (BAV), maior e mais tradicional painel de marcas no mundo, criada há 28 anos e hoje presente em 50 países.

Com US$ 160 milhões investidos, o estudo gerou 14 bilhões de data points sobre 57 mil diferentes marcas. No Brasil, foram pesquisadas 1,6 mil marcas a partir de 17 mil entrevistas ente outubro e dezembro do ano passado.

Mais uma vez, os resultados colocaram à frente empresas multinacionais de tecnologia, com Google em primeiro lugar e YouTube em segundo. Ambas pertencem à Alphabet, uma das empresas mais valiosas do planeta.

Mas chama a atenção a marca que ocupa o terceiro lugar no pódio: Netflix. Ela superou Whatsapp, Marvel e Disney. “Interessante notar que o ranking tem tudo a ver com hábitos e consumo dos meios pelos brasileiros, que se relacionam intimamente com as marcas listadas”, afirmou Eduardo Tomiya, da TM20 Brandign.

Fundada em 1997 por Reed Hastings e Marc Randolph, a Netflix evoluiu de um serviço de aluguel de DVDs para uma potência global do streaming. A empresa revolucionou o mercado, se destacando na produção de conteúdo original de alta qualidade.

Seu maior ganho de construção de marca está, sem dúvida, nos investimentos em tecnologia e análise de dados para melhorar a experiência do usuário.

Com seu algoritmo de recomendação personalizada, a empresa aprendeu a entender os gostos e preferências individuais dos usuários, sugerindo conteúdo relevante e aumentando o engajamento.

Além disso, permitiu que os espectadores assistissem aos programas em seu próprio ritmo, lançando temporadas completas de uma só vez, em vez de episódios semanais.

Enfrentando desafios, a Netflix mostrou agilidade e adaptabilidade, consolidando sua marca como sinônimo de entretenimento sob demanda, inovação e qualidade.

Em um ranking em que sete das dez marcas mais fortes têm origem no universo digital, chama a atenção a presença da Nike. Para o CEO da Design Bridge and Partners, Marcelo M. Bicudo, há uma explicação: “Entre as empresas de vestuário e calçados esportivos, [a Nike] é a mais tecnológica e cada vez mais pautada pelo seu propósito na sociedade.”

Não por acaso, a ela foi escolhida pela Netflix para uma inédita parceria de conteúdo. Segundo Theodore Sarandos, um dos novos coCEOs da Netflix, a gigante de artigos esportivos agrega maneiras diferentes de interlocução com os clientes. “Com a Nike, somos capazes de testar o mercado em um nível muito alto com um parceiro de marca premium.”

Entenda a metodologia

Resultados são obtidos a partir de milhares de entrevistas e dados financeiros das empresas analisadas

Eduardo Tomiya, sócio fundador da TM20 (Crédito:Divulgação)

Para elaborar o ranking das marcas brasileiras mais valiosas, a consultoria TM20 Branding (tm20.com.br) avaliou mais de 400 marcas de origem brasileira e que têm a maioria dos resultados financeiros no Brasil.

Para participar da avaliação, elas devem obrigatoriamente ser de capital aberto ou ter informações públicas disponíveis. A consultoria não teve contato com as marcas avaliadas.

A fonte primária de informações é o estudo Brand Asset Valuator (BAV), do Grupo WPP, que avalia marcas globalmente. No caso específico do Brasil, o trabalho é conduzido pela consultoria Design Bridge and Partners.

As informações financeiras foram fornecidas pela Trademap.

São analisados dois aspectos para a definição do valor de marca, expresso em dólares:

1. Análise financeira
Levantamos a performance de 250 empresas buscando o desempenho das ações em bolsa entre novembro de 2022 e abril de 2023, bem como resultados contábeis do exercício de 2022. Utilizamos o modelo de Contribuição de Marcas do BAV, realizado pela consultoria Landor&Fitch.

2. Análise da marca
A pesquisa BAV, realizada a partir de aproximadamente 17 mil entrevistadas no período entre outubro e dezembro de 2022 quantifica a força de mais de 1,7 mil marcas no Brasil. Os dados são utilizados para compor os rankings das globais mais fortes no Brasil e das marcas brasileiras mais fortes.