Mauro Salles é um homem do Renascimento no século 21. Eis o que ele é ou já foi: fotógrafo, repórter, poeta, colecionador de carros antigos e publicitário. Em 1961, no breve período de Tancredo Neves como chanceler do Parlamentarismo, Salles foi secretário do Conselho de Ministros. Tinha apenas 29 anos de idade. Hoje se apresenta como consultor estratégico, dono da agência Interamericana, com um troféu no currículo: a fusão da Brahma com a Antarctica, no nascimento da Ambev, operação sigilosamente construída por ele em 1999. Ah, e tem mais. ?Como ninguém é perfeito também sou advogado?, ri esse pernambucano filho de Apolônio Salles, ministro da agricultura de Getúlio Vargas por duas ocasiões. Como não pára quieto, Mauro cismou em lutar por uma vaga na Academia Brasileira de Letras, e não há como demovê-lo dessa idéia. ?Só desisto quando conseguir?, avisa. No início do mês ele concorreu à cadeira de número 5. Perdeu para o historiador José Murilo de Carvalho, que conseguiu 19 votos. Salles teve 14. Enquanto não se torna imortal, vai produzindo. Acaba de lançar um livro de poemas, ?Tilápia Galiléia?, fruto de uma viagem com a família para Israel e Egito. As tilápias, segundo o Novo Testamento, são os peixes mencionados nos milagres de Jesus.

Induzido a resumir sua própria vida, o faz-tudo tem uma outra definição. ?Sou um profissional de comunicação, tenho fascínio pelas palavras?. Aprendeu a declamá-las na década de 50 com o ator português João Villaret, que em visita ao Brasil ministrava cursos de leitura de poemas. Eram cobiçados. Um dos companheiros de Salles
na turma de 12 alunos foi Carlos Lacerda, dono da mais brilhante retórica na história republicana do País. Mas ninguém o entusiasmou mais, no uso do idioma, do que Tancredo. ?Foi sempre o mais bem equipado?, resume.

 

?As dez mais?. As palavras, acredita Mauro Salles, tudo conseguem ? na poesia, nos discursos, nos negócios. Ele utiliza uma delas, no diminutivo, para antecipar um relato cativante: ?essa é uma gracinha?… e lá vem história. Não é a expressão no tom celebrizado pela apresentadora Hebe Camargo. A gracinha de Mauro Salles, quando pronunciada, é outra coisa. Gracinha, em seu vocabulário, é uma jogada de craque, uma sacada inesperada. Uma delas reconstruiu sua vida depois do jornalismo (Salles foi um dos criadores da TV Globo, no início dos anos 60) e dos passos no poder em Brasília. Por essa única gracinha Mauro Salles mereceria aparecer em qualquer lista dos grandes nomes da publicidade brasileira em todos os tempos. Direto ao ponto: de uma idéia ele criou uma agência. Em 1965, foi procurado pelo presidente da montadora Willis para conhecer o novo carro da empresa: o Aero Willis Luxo. Não gostou do que viu. Achava que acrescentar apenas a expressão ?luxo? nada significaria em vendas. ?Está tudo errado?, resumiu. O diretor industrial, responsável pela linha de montagem, desafiou: ?Está bom, Mauro, está tudo errado. Como é o certo??. Pediu uma semana. Pensou num nome ? Itamaraty ? e bolou a divulgação num evento organizado pelo colunista Ibrahim Sued, ?As dez mais elegantes?.

Nascia o merchandising no Brasil. As mulheres, as mais conhecidas
e bonitas de seu tempo, apareciam em fotos com o automóvel ao fundo ou discretamente posicionados. Como tinha certeza do que fazia, impôs uma condição: se tudo corresse bem, a Willis entraria como sócia de sua agência, que ainda nem existia, com 20% do capital. Deu certíssimo. As vendas do Itamaraty, mesmo a preços 28% mais caros, duplicaram em relação à expectativa inicial. Despontou, assim, um novo publicitário.

A iniciativa lhe rendeu diatribes dos concorrentes. ?Houve quem me chamasse de ádvena e arrivista?, conta Salles, num contra-ataque que obrigou muita gente a ir ao dicionário. Ádvena, está no Aurélio, é o forasteiro, o sujeito que vem de fora. Assim é Mauro Salles. Está sempre chegando com idéias novas. Muitas vezes a bordo de um dos carros prediletos de sua coleção de raridades, um modelo MG-TC de 1949, carro produzido na Inglaterra.