O relator do arcabouço fiscal na Câmara, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), inseriu uma série de “gatilhos” no texto que foi entregue ao Congresso pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A ideia é que esses mecanismos de contenção de despesas passem a vigorar automaticamente em caso de descumprimento da meta para as contas públicas. As mudanças foram anunciadas na noite desta segunda-feira (15/05) após reunião com líderes partidários da Câmara na residência oficial do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Em conversa com jornalistas após o encontro, Cajado afirmou que foram previstas diversas sanções ao governo no caso de descumprimento da meta fiscal por um ano, incluindo proibição de criação de cargos que aumentem despesas, alteração de estrutura de carreira, criação de despesas obrigatórias, criação ou aumento de auxílios e concessão ou ampliação de benefício tributário, entre outras medidas.

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Cajado explicou que o relatório ainda está sujeito a mudanças e disse que acatará sugestões.

Com a disponibilização do texto na íntegra, as bancadas poderão sugerir outras modificações. Cajado informou que ainda nesta semana deve ocorrer uma nova rodada de conversas com os partidos.

Salário mínimo e Bolsa Família ficam de fora das sanções

As despesas com a política de aumento do salário mínimo e os gastos com o programa Bolsa Família ficarão, entretanto, de fora dos contingenciamentos, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No caso de descumprimento por dois anos seguidos, as sanções aumentam, sendo acrescentadas outras medidas de contenção de gastos, como veto ao reajuste de salários de servidores públicos, à contratação de pessoal e à realização de concursos públicos. Caso as metas voltem a ser atingidas, os contingenciamentos deixam de vigorar.

Cajado informou que esses gatilhos serão obrigatórios. No entanto, foi previsto um dispositivo para que o presidente da República possa acionar o Congresso para que algumas sanções sejam suspensas, caso demonstre que as medidas em curso são suficientes para corrigir o rumo fiscal.

A votação da urgência do texto foi prevista para esta quarta-feira, visando acelerar a tramitação da proposta na Câmara. O mérito do projeto deve ser votado uma semana depois.

O que é o arcabouço fiscal

O texto do novo arcabouço fiscal foi entregue ao Congresso pelo governo há quase um mês.

A proposta estabelece regras e limites para as finanças públicas e visa substituir o teto de gastos de 2016, regra criada no governo de Michel Temer em 2016. O teto visava limitar, ao longo de 20 anos, o crescimento dos gastos da União ao nível da inflação do ano anterior.

O projeto pretende dar alguma previsibilidade e estabilidade ao ambiente econômico, essencial para a tomada de decisão de agentes econômicos públicos e privados.

Essa previsibilidade é importante em várias dimensões, como, por exemplo, para a política monetária, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), realização de políticas públicas e sustentabilidade da dívida, entre outros.

Essas regras impactam a política monetária conforme o patamar da inflação. Têm relevância para o PIB, na medida em que mais estabilidade nas contas públicas dá mais segurança para investimentos e expansão de negócios.

No caso das políticas públicas, com as finanças em ordem, tende a haver mais recursos disponíveis para investir em áreas importantes. Elas também são importantes para a sustentabilidade da dívida, gerando capacidade de o governo honrar seus compromissos financeiros de longo prazo.

O que prevê a proposta do governo

A proposta do governo inclui zerar o déficit da União em 2024, gerar superávit primário de 0,5% do PIB em 2025, e saldo positivo de 1% em 2026. Para 2023, a meta anunciada pela equipe econômica é alcançar um déficit primário de 1% para o governo central.

Além disso, o pacote vai limitar o crescimento das despesas do governo a 70% do crescimento da receita primária (arrecadação do governo com impostos e transferências). Para isso, será considerado o dado entre julho de um ano e junho do ano seguinte, para que se possa incluir as metas na proposta de orçamento.

A proposta também estabelece uma espécie de intervalo para a meta do resultado primário das contas públicas. O resultado primário é o saldo entre o que se arrecada e o que se gasta, sem contar o pagamento de juros da dívida.

Atualmente, existe um valor exato para a meta do resultado primário, definido todo ano. O governo propõe agora um intervalo de valores possíveis. Por exemplo, se a meta do resultado primário é de 1% de superávit em um determinado ano, a meta será considerada cumprida se ficar entre 0,75% e 1,25%.

A proposta também determina o que acontece se a meta é descumprida. Se o resultado ficar abaixo do limite mínimo, haverá uma limitação no ano seguinte: as despesas do governo podem crescer apenas 50% do crescimento da receita primária, e não os 70% previstos originalmente. Mas se o resultado ficar acima do limite máximo da meta, então o excedente que o governo arrecadou e não gastou poderá ser usado para investir.

A ideia é que os gastos tenham aumento real, acima da inflação, mas que essa alta seja mais lenta que o crescimento das receitas, visando conseguir redução gradual do déficit público e estabilizar a dívida pública.

Despesas fora dos limites de gastos

A proposta prevê uma série de despesas fora dos limites de gastos que serão estabelecidos pela nova regra. Após a entrega do texto ao Congresso, Haddad disse a jornalistas que a regra vai trazer equilíbrio às contas públicas e destacou a necessidade de redução nas renúncias fiscais, afirmando ser algo fundamental para garantir uma economia mais sustentável.

“É uma mudança de regra que, na minha opinião, vem para melhorar a gestão pública. Nós temos, além da regra em si, um conjunto de medidas para garantir o equilíbrio fiscal o ano que vem, e depois a reforma tributária que vem garantir a sustentabilidade de longo prazo da base fiscal do Estado brasileiro”, afirmou.

Haddad lembrou que o governo tem R$ 600 bilhões de renúncia fiscal no orçamento federal. “Nós estamos querendo rever um quarto dessa renúncia para garantir a sustentabilidade fiscal do país”, disse o ministro.

“Cada renúncia fiscal indevida é uma pessoa a mais passando fome, é uma pessoa sem creche, é uma pessoa sem médico, é uma pessoa sem medicamento no posto de saúde. É isso que nós não queremos continuar assistindo”.

“A única coisa que nós fizemos foi reproduzir no texto aquilo que já está Constituição e que não pode ser alterado por lei complementar e nem por lei ordinária. Então já esclarecemos isso, estão lá as excepcionalidades que constam do texto constitucional”, explicou.

Equilíbrio das contas

O governo deixou de fora do novo limite de gastos uma série de despesas, como as transferências aos fundos de saúde dos estados e municípios, repasses da União aos estados e municípios de receita patrimonial de venda de imóveis, créditos extraordinários, repasses de recursos ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e precatórios relativos ao Fundeb.

Também estão de fora despesas com projetos socioambientais ou mudanças climáticas custeadas com recursos de doações ou de acordos judiciais ou extrajudiciais, encargos das universidades públicas e dos hospitais federais e das instituições federais de educação, ciência e tecnologia vinculadas ao Ministério da Educação; assim como despesas com eleições, capitalização de empresas estatais não financeiras e não dependentes e despesas relativas à cobrança pela gestão de recursos hídricos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico.

A maior parte das despesas será submetida a um mecanismo que estabelece que os gastos do governo só poderão aumentar numa proporção do aumento das receitas, numa tentativa de buscar o equilíbrio das contas públicas.

Metas de superávit e gastos públicos

Uma das principais metas do arcabouço é zerar o atual déficit fiscal e transformá-lo em superávit até 2026. Projeções colhidas pelo Banco Central (BC) junto ao mercado indicam que o déficit primário esperado para 2023 está em -1,1% do PIB.

A proposta fiscal apresentada pelo governo prevê os seguintes resultados primários: -0,5 (2023), 0 (2024), 0,5% (2025) e 1% (2026). Define, ainda, crescimento anual de gastos dentro da banda de 0,6% a 2,5% nos próximos anos e limita o avanço das despesas em 70% das receitas.

O arcabouço, da forma como desenhado, estabiliza o gasto público do governo federal em torno de 19% do PIB.

Ao apresentar a proposta no início do mês, Haddad indicou que, com entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões, o déficit poderia ser zerado ano que vem. Na expectativa ministerial, a proposta do arcabouço foi anunciada como “flexível e crível”.

Como objetivos, o governo listou equilibrar as contas públicas, reduzir o déficit e aumentar o superávit. O conjunto de regras permitiria manter a economia com responsabilidade fiscal e social, e favorecer redução da inflação e retomar investimentos. Segundo a Fazenda, a medida busca “corrigir as deficiências das regras fiscais vigentes até agora e garantir a sustentabilidade financeira do país”.

md/cn (ots)