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“Lula tem de chamar a equipe e dizer: ‘Chega! A partir de agora vamos ousar’ “


 

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“No ministério de Furlan, a parte do desenvolvimento não está funcionando”

 

 

DINHEIRO ? Lula está no poder há mais de um ano. O sr. está certo de que há mudanças em relação ao passado?
José Lopez Feijó ? Sim, o problema é que as mudanças estão atrasadas e cabe a nós cobrar o resgate do tempo perdido. Temos de cobrar do presidente Lula as suas políticas públicas. Cadê a política industrial? Onde está a continuidade da redução das taxas de juros? Por que o superávit tem de se manter tão alto? O contigenciamento do orçamento vai continuar ou vamos enfim partir para o crescimento? Isso estamos cobrando e vamos continuar cobrando.

DINHEIRO ? Com a retração de 0,2 por cento no PIB e o desemprego que atinge 20 milhões de brasileiros, está fácil defender o presidente dentro das fábricas?
Feijó ? Lula é um de nós lá, aqui ninguém duvida disso. Toda a peaõzada gosta de Lula e todos sabemos a herança que ele pegou. Ninguém está contente com os resultados da economia, mas tem gente tentando construir a idéia de que vivemos um momento de desgraça total e que toda essa desgraça foi construída agora. Isso é inadmissível. O momento é difícil, delicado e merece atenção, mas faz 30 anos que a economia brasileira não cresce sequer o suficiente para incorporar a mão de obra nova que chega no mercado de trabalho.

DINHEIRO ? O Copom manteve os juros em 16,5% nas suas duas primeiras reuniões este ano. Isso é mudança?
Feijó ? Isso foi barbeiragem. No ano passado, o governo cortou dez pontos da taxa de juros e deveria manter esta política. Se em janeiro o BC tivesse baixado meio por cento e mais meio por cento em fevereiro, teria sinalizado que chegaríamos ao final do ano num patamar absolutamente civilizado. Com esses pequenos gestos as expectativas de crescimento estariam contratadas. Agora é preciso recuperar essa expectativa.

 

DINHEIRO ? Como?
Feijó ? Não é preciso dar nenhum cavalo de pau em transatlântico, mas apenas continuar a curva que vinha sendo feita. Se na próxima reunião do Copom a Selic cair um ponto e meio, que representariam aqueles dois meios perdidos e mais outro meio de agora, eu já começo a ficar contente.

DINHEIRO ? Este não seria um belo exemplo de que esse governo inova um pouco em microeconomia e repete seus antecessores nas grandes decisões?
Feijó ? Não sei. Se você considerar que temos 40 milhões de trabalhadores e 20 milhões com carteira registrada, o acesso desse montante a crédito com juros mais baixos não é tão micro assim.

DINHEIRO ? Numa festa em Brasília, Lula disse que as férias são um direito sagrado do trabalhador, mas mesmo elas podem ser negociadas. O sr. também acha que ele tomou vinho demais antes de falar isso?
Feijó ? Eu não faço esse tipo de frase, mas fiquei muito brabo quando me disseram que o Lula tinha dito isso. Li todos os jornais e depois vi que não foi bem isso que o presidente disse. Há um conjunto de normas trabalhistas que são como cláusulas pétreas da Constituição. São elas as férias de 30 dias com pagamento adicional de um terço do salário, as licenças maternidade e paternidade, o décimo terceiro salário, o Fundo de Garantia e a multa de 40% para demissões. Ninguém pode por a mão nessas conquistas.

DINHEIRO ? O sr. está satisfeito com a atuação do ministro do Desenvolvimento, o empresário Luiz Furlan?
Feijó ? A atuação dele no campo do comércio exterior é de primeiríssima, um trabalho irretocável. Mas arrisco dizer que a área de desenvolvimento tem de ser separada para alguém que pense só nisso dia e noite. Neste ministério, a parte do desenvolvimento não está funcionando como deveria. Nós, metalúrgicos, temos uma proposta de política industrial para o setor automotivo, mas o governo montou um fórum para discutir esse assunto que é extremamente grande, com gente que não é do ramo e que não vai servir para nada.

DINHEIRO ? A equipe de Lula é boa?
Feijó ? Depois da reforma ministerial ficou melhor ainda. Eu não posso questionar, por exemplo, a capacidade de um quadro como o Olívio Dutra. O cara governou um Estado, foi prefeito de Porto Alegre que o Partido dos Trabalhadores governa até hoje.

DINHEIRO ? Mas há um pacote para dinamizar a área da construção civil saindo às pressas por falha, ao menos em parte, do Ministério das Cidades.
Feijó ? A culpa é do contingenciamento. Isso precisa ser melhor pensado. Nós temos de decidir o que vamos fazer da vida. É uma transição sem susto ou um salto para o crescimento? Do jeitinho que está a política econômica, não vamos crescer.

DINHEIRO ? O que mais pode ser feito?
Feijó ? É preciso que esse governo exercite para valer uma coisa que ele apenas sinalizou mas ainda não amadureceu o suficiente, os fóruns de negociação social. Eles são uma forma de praticar democracia mais diretamente com a sociedade organizada. Nós acreditamos que, quando bem montados, como é o caso do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, eles ajudam a avançar.

DINHEIRO ? De um a dez, qual é a nota que o Lula presidente merece?
Feijó ? A figura do presidente não merece nenhuma crítica da nossa parte. Quer a gente queira ou não, o fato é que ele recebeu uma herança pesada e está trabalhando para mudar as coisas. Não é fácil, mas sabemos que as suas preocupações são as mesmas que as nossas. O que me impressiona, quando encontro o presidente, é o grau de entusiasmo que ele tem de que a coisa vai dar certo. Aqui em São Bernardo, os metalúrgicos querem dar nota 10 ao Lula presidente do Brasil, mas queremos poder fazer isso o quanto antes.

 

DINHEIRO ? O presidente Lula não estaria sentindo o peso da faixa presidencial e, nesta medida, governando burocraticamente?
Feijó ? Acho que ele sente o peso de governar uma nação de 170 milhões de habitantes com os problemas que temos. Qualquer um sentiria esse peso. Ele tem de tomar muito cuidado para não errar. Se essa é uma preocupação de Lula, ela é legítima, mas a preocupação não pode ser o centro do governo. Isso paralisa. O que está faltando é Lula reunir a equipe e dizer: ?Chega! Está na hora de sermos ousados?.

DINHEIRO ? Uma atitude dessas não seria voluntarismo?
Feijó ? Sejamos honestos. Muita coisa só se faz na base do voluntarismo. Este pode ser um ótimo momento, por exemplo, para Lula pegar lá do orçamento uns 3 bilhões de reais, dinheiro muito parecido com qualquer incentivo fiscal para qualquer setor da economia, e aplicar tudo em emprego direto para a juventude. Todos iriam aplaudir.

DINHEIRO ? O ministro Palocci não iria deixar.
Feijó ? Estou me lixando para o ministro Palocci. Quero que o governo implante esse programa. Preste atenção: um gesto deste pode representar a criação de um milhão de empregos por ano já a partir de agora. Seria um avanço fantástico.

DINHEIRO ? Detalhe.
Feijó ? A proposta pode ser chamada de serviço social remunerado, voltado para a juventude. O Estado faria contratações para frentes de trabalho, como quer a CUT, ou para trabalhos comunitários, como eu defendo. Durante 20 horas por semana, o jovem seria submetido à educação formal ou profissional. Em outras 20 horas, prestaria serviços à comunidade. Pode ser na área do meio ambiente ou em campanhas de saúde, como ações contra a dengue, por exemplo. O importante é ajudar a comunidade.

DINHEIRO ? O sr. já disse isso ao seu amigo Lula?
Feijó ? Não, mas agora que está saindo na DINHEIRO o presidente vai ler e espero que ele compre a idéia. Num programa desses poderíamos iniciar até mesmo um processo de formalização do trabalho. Depois da contratação temporária pode ser aberto o espaço para a contratação formal. O problema é que hoje os jovens não estão sendo educados para a cidadania. Não há apreço pela vida, as pessoas estão se matando por qualquer coisa. Com um programa desses abriríamos a chance de combinar educação para a cidadania com amor pelo trabalho.

DINHEIRO ? O sr. faz idéia de por que um programa como esse nem sequer foi cogitado em mais de um ano de governo?
Feijó ? Não, não faço idéia. O governo tem o programa do primeiro emprego, mas não sei se ele vai atingir os objetivos a que me referi. Minha proposta é mais radical e não fica na dependência de um empresário primeiro pegar incentivos fiscais significativos para depois contratar jovens. No Brasil, aliás, não temos sistemas de fiscalização suficientes para coibir os meios de substituição de mão-de-obra. Corre-se até mesmo o risco, no programa primeiro emprego, de haver até uma piora na situação atual, com redução de salário.

DINHEIRO ? O governo Lula não estaria oferecendo apenas mais do mesmo?
Feijó ? Não. Quando é que alguém neste País discutiu um acordo com o sistema financeiro para se ter menores taxas de juros? Nunca, mas este governo abriu margem de negociação e nós conseguimos produzir um acordo em que você pode vincular empréstimos à folha de pagamento com taxas de juros negociadas e reduzidas.