16/11/2022 - 15:53
O presidente russo, Vladimir Putin, tem duas opções após a humilhante retirada de suas tropas da cidade ucraniana de Kherson: a escalada do conflito, sob o risco de perder o controle da situação, ou entrar em negociações com Kiev. A decisão dependerá, em grande medida, da evolução da guerra.
Analistas ouvidos pela AFP alertam que, com a chegada do inverno boreal (verão no Brasil), pode ocorrer um estancamento progressivo, marcado por danos colaterais como o míssil ucraniano que caiu acidentalmente na Polônia, na terça-feira (15).
Com a retirada russa de Kherson, no sul do país, a Ucrânia tem sua terceira grande vitória desde o início do conflito no final de fevereiro deste ano.
A primeira foi impedir que os russos tomassem Kiev no início da invasão e, depois, em setembro, a recuperação da região de Kharkiv (nordeste).
Agora, com o moral elevado, os ucranianos miram em outros territórios ocupados pela Rússia no leste, assim como a Crimeia, a península anexada em 2014 por Moscou, cuja retomada foi posta sobre a mesa pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, como condição para o fim da guerra.
A chuva de mísseis russos direcionados à infraestrutura civil de toda Ucrânia lembrou, na terça-feira, que o preço a ser pago será alto, já que Putin considera tal condição fora de questão.
“Historicamente, as autoridades russas nunca negociam de uma posição de fraqueza”, disse Cyrille Bret, pesquisador do Institut Jacques Delors, de Paris.
Com a recente mobilização de 300 mil reservistas, os russos “estão pensando em como alterar o equilíbrio de forças, com operações militares, mas também com iniciativas diplomáticas, econômicas, ou até encobertas”, antecipou.
Uma guerra de desgaste pontuada por bombardeios aéreos russos, por exemplo, poderia minar a determinação dos ucranianos durante o inverno. O fato de os dias terem menos horas de luz também limita a capacidade de realizar operações que permitam à Ucrânia recuperar território no leste.
“Os russos estão melhores do que quando chegaram ao país, em fevereiro, quando estavam mal preparados”, disse à AFP uma autoridade ocidental que pediu para não ser identificada. “Estamos assistindo a um maior grau de coerência na abordagem militar geral” que estão dando ao conflito, completou.
– Custos e benefícios –
Se a Ucrânia tiver mais vitórias no campo de batalha, poderá aumentar sua pressão para um acordo negociado, dizem analistas, que lembram, no entanto, que a vontade de Zelensky de recuperar a Crimeia despertou preocupação entre seus aliados ocidentais.
Muitos moradores da Crimeia querem que a península continue sendo parte da Rússia, que precisa de uma base de operações para sua frota no Mar Negro.
“Essa é uma questão existencial para a Marinha Russa e para os próprios russos”, disse William Alberque, do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos.
“Tendo poder sobre a Crimeia, o acordo pode ser congelar a linha de batalha aqui”, acrescentou, argumentando que, se a Crimeia ficar fora da mesa de negociações, a Rússia terá menos “pressão”.
Na terça, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que, depois de falar com os líderes do G20 em Bali, “o caminho da negociação não é incompatível com a resistência” da Ucrânia e que “hoje provavelmente haverá mais consenso sobre esta posição”.
Macron disse que planeja conversar com Putin em breve, para insistir, sobretudo, em uma advertência do G20 para evitar uma escalada nuclear no conflito.
Alguns analistas também veem uma mudança de posição por parte dos Estados Unidos, cujo apoio militar é crucial para Kiev.
Na semana passada, o general americano Mark Milley afirmou que a guerra não pode terminar com uma vitória militar, mas que existe “uma janela de oportunidade para negociação”.
E, nessa mesma semana, o diretor da Agência Central de Inteligência americana (CIA, na sigla em inglês), William Burns, reuniu-se com seu homólogo russo, Sergei Naryshkin, na Turquia, em um raro encontro cara a cara.
– Negociações? –
Ainda assim, as negociações são pouco prováveis no momento, pois ambos os lados estão convencidos de que ainda podem vencer no campo de batalha.
“É claro que não interessa à Ucrânia ter linhas de batalha fixas. Querem registrar vitórias durante o inverno para estarem em uma posição muito mais forte na próxima primavera (outono no Brasil)”, acrescentou Alberque.
Emma Ashford, do Stimson Center, de Washington, observou, porém, que o presidente americano, Joe Biden, e seu governo “devem pensar no momento adequado para impulsionar as negociações e em que medida os custos de continuar lutando são maiores do que os benefícios”.
A especialista traçou três cenários possíveis para os próximos meses que podem facilitar uma negociação: que a Ucrânia registre mais avanços, que a Rússia ataque com mais força, ou um impasse.
“O que os três têm em comum é que, em todos, os resultados no campo de batalha indicam um consenso sobre a possibilidade de se conseguir um acordo”, escreveu Ashford na revista “Foreign Affairs”, na edição de setembro/outubro.