DINHEIRO ? Quando ocorre uma falha no Cindacta, como é feito o controle do espaço aéreo?
MAURO GANDRA ?
Existem várias maneiras. Quando se fala que o ?buraco negro? no radar teria sido uma das causas do acidente da Gol, acho muito estranho. Voei 50 anos na área da Amazônia, sem radar. Todos voavam ali sem radar. Só tinha um quando a aeronave chegava perto do aeroporto. Antes era tudo baseado em comunicação e controle de informações de rádionavegação. Hoje, o sistema aéreo é parecido com o dos bancos. O sistema às vezes cai. Só que o sistema aéreo não pode estar sujeito a uma simples queda, que desencadearia um problema como esse que estamos enfrentando.

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“O problema de Congonhas começou quando a Transbrasil estava para falir”

 

 

DINHEIRO ? Então por que estamos passando por essa crise no setor?
GANDRA ?
É uma surpresa. Se retrocedermos no tempo há seis meses, até um pouco antes do acidente da Gol, ninguém tinha ouvido falar em caos aéreo por aqui. Não acho que os fatos sejam coincidência. A imagem que tenho feito é a seguinte: quando uma pessoa vai fazer um exame de rotina, ela vai tranqüila. Aí o médico observa os resultados e diz : ?Você está com uma ?massa? no fígado?. A pessoa fica preocupada e começa a somatizar uma série de problemas que não são muito graves. Na minha cabeça, o acidente foi como a ?massa? no fígado do sistema aéreo. Foi o que provocou a somatização a partir dos controladores de vôo. Os nove controladores que estavam naquele dia foram afastados. Por uma questão legal, a Polícia Federal é obrigada a abrir inquérito. No final, todos se sentiram ameaçados e entraram em crise somática e psíquica. Nada menos do que 27 controladores apresentaram certificados médicos de incapacidade psicológica para o trabalho naquela área. Foi uma forçada de barra. Isso acaba estigmatizando os controladores.

DINHEIRO ? Como é a formação dos controladores de vôo?
GANDRA ?
Ela tem de ser trabalhada com mais antecedência. Por exemplo, um sargento demora dois anos para se formar e, depois de formado, não pode ir diretamente para o controle de área. Ele primeiro tem de passar pelo controle da torre, depois do terminal e, finalmente, acaba chegando ao controle de área em Brasília, por exemplo. O presidente do Sindicato dos Controladores de Vôo, Jorge Botelho, sempre teve nível de formação para trabalhar na torre. Depois que se entra no sindicato, a pessoa pára de trabalhar. Passa a fazer política. O que preocupa é que as autoridades, inclusive o ministro da Justiça, estão dando ouvidos às pessoas que, embora conheçam parte do problema porque são controladores, não têm o discernimento suficiente para julgar um sistema tecnológico. O Brasil está trabalhando nisso desde 1973.

 

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“Antes do acidente com o avião da Gol, ninguém tinha ouvido falar do caos aéreo”

 

 

DINHEIRO ? Houve falha dos controladores no acidente que envolveu a Gol?
GANDRA ?
Não vou falar antes de sair o resultado do inquérito. O inquérito verifica todas as possibilidades. As fitas que estão com a Polícia Federal revelaram que os pilotos do Legacy e a torre passaram 50 minutos tentando se comunicar. Na minha vida de piloto fiz muitas vezes uma manobra chamada ?ponte?. Se você não está conseguindo falar com o controle, você faz um chamado para a torre e solicita uma ponte (comunicação) com o controle. Logo após o impacto entre os aviões, os pilotos do Legacy conseguiram fazer essa ponte com outro avião, que falou com o pessoal da Serra do Cachimbo e assim conseguiram pousar. Nos dias de hoje a ponte é uma opção rara, mas tanto pode ocorrer que os pilotos do Legacy a fizeram logo depois do acidente.

DINHEIRO ? O que mudou no setor aéreo depois do acidente?
GANDRA ?
Foi uma fatalidade que desencadeou todo um processo. Escancarou o problema de carência de pessoas para cobrir faltas. Quando faltaram 27 controladores, não havia gente para dar apoio. Como tinha pouca gente, os controladores de Brasília passaram a ter um número superior de aeronaves para monitorar. Estavam no nível máximo. Então passaram a não autorizar decolagens. No final, todos nós ficamos com os cabelos em pé. Qualquer coisa que acontece, não só é divulgada com ênfase como também aparecem informações de que havia necessidade de revisão de alguns radares e softwares.

DINHEIRO ? É o que acontece agora com o Cindacta?
GANDRA ?
Essas panes que aconteceram no Cindacta são muito estranhas. São computadores de grande porte, que possuem backup automático. Sai um e entra outro. Agora dizem que o backup do software não funcionou. Houve uma pane, há uns 15 anos, quando tinha menos vôos. Para solucioná-la, os controladores passaram a trabalhar como há 20 ou 30 anos, com etiquetinhas. Com o nome do avião, altitude e outras informações, tudo escrito à mão. Acho estranho apontarem essas falhas no Cindacta justamente agora.
 
?O problema de Congonhas começou quando a Transbrasil estava para falir? 
   
DINHEIRO ? Quando ocorre uma falha no Cindacta, como é feito o controle do espaço aéreo?
MAURO GANDRA ? Existem várias maneiras. Quando se fala que o ?buraco negro? no radar teria sido uma das causas do acidente da Gol, acho muito estranho. Voei 50 anos na área da Amazônia, sem radar. Todos voavam ali sem radar. Só tinha um quando a aeronave chegava perto do aeroporto. Antes era tudo baseado em comunicação e controle de informações de rádionavegação. Hoje, o sistema aéreo é parecido com o dos bancos. O sistema às vezes cai. Só que o sistema aéreo não pode estar sujeito a uma simples queda, que desencadearia um problema como esse que estamos enfrentando.

DINHEIRO ? Então por que estamos passando por essa crise no setor?
GANDRA ? É uma surpresa. Se retrocedermos no tempo há seis meses, até um pouco antes do acidente da Gol, ninguém tinha ouvido falar em caos aéreo por aqui. Não acho que os fatos sejam coincidência. A imagem que tenho feito é a seguinte: quando uma pessoa vai fazer um exame de rotina, ela vai tranqüila. Aí o médico observa os resultados e diz : ?Você está com uma ?massa? no fígado?. A pessoa fica preocupada e começa a somatizar uma série de problemas que não são muito graves. Na minha cabeça, o acidente foi como a ?massa? no fígado do sistema aéreo. Foi o que provocou a somatização a partir dos controladores de vôo. Os nove controladores que estavam naquele dia foram afastados. Por uma questão legal, a Polícia Federal é obrigada a abrir inquérito. No final, todos se sentiram ameaçados e entraram em crise somática e psíquica. Nada menos do que 27 controladores apresentaram certificados médicos de incapacidade psicológica para o trabalho naquela área. Foi uma forçada de barra. Isso acaba estigmatizando os controladores.

DINHEIRO ? Como é a formação dos controladores de vôo?
GANDRA ? Ela tem de ser trabalhada com mais antecedência. Por exemplo, um sargento demora dois anos para se formar e, depois de formado, não pode ir diretamente para o controle de área. Ele primeiro tem de passar pelo controle da torre, depois do terminal e, finalmente, acaba chegando ao controle de área em Brasília, por exemplo. O presidente do Sindicato dos Controladores de Vôo, Jorge Botelho, sempre teve nível de formação para trabalhar na torre. Depois que se entra no sindicato, a pessoa pára de trabalhar. Passa a fazer política. O que preocupa é que as autoridades, inclusive o ministro da Justiça, estão dando ouvidos às pessoas que, embora conheçam parte do problema porque são controladores, não têm o discernimento suficiente para julgar um sistema tecnológico. O Brasil está trabalhando nisso desde 1973.

DINHEIRO ? Houve falha dos controladores no acidente que envolveu a Gol?
GANDRA ? Não vou falar antes de sair o resultado do inquérito. O inquérito verifica todas as possibilidades. As fitas que estão com a Polícia Federal revelaram que os pilotos do Legacy e a torre passaram 50 minutos tentando se comunicar. Na minha vida de piloto fiz muitas vezes uma manobra chamada ?ponte?. Se você não está conseguindo falar com o controle, você faz um chamado para a torre e solicita uma ponte (comunicação) com o controle. Logo após o impacto entre os aviões, os pilotos do Legacy conseguiram fazer essa ponte com outro avião, que falou com o pessoal da Serra do Cachimbo e assim conseguiram pousar. Nos dias de hoje a ponte é uma opção rara, mas tanto pode ocorrer que os pilotos do Legacy a fizeram logo depois do acidente.

DINHEIRO ? O que mudou no setor aéreo depois do acidente?
GANDRA ? Foi uma fatalidade que desencadeou todo um processo. Escancarou o problema de carência de pessoas para cobrir faltas. Quando faltaram 27 controladores, não havia gente para dar apoio. Como tinha pouca gente, os controladores de Brasília passaram a ter um número superior de aeronaves para monitorar. Estavam no nível máximo. Então passaram a não autorizar decolagens. No final, todos nós ficamos com os cabelos em pé. Qualquer coisa que acontece, não só é divulgada com ênfase como também aparecem informações de que havia necessidade de revisão de alguns radares e softwares.

DINHEIRO ? É o que acontece agora com o Cindacta?
GANDRA ? Essas panes que aconteceram no Cindacta são muito estranhas. São computadores de grande porte, que possuem backup automático. Sai um e entra outro. Agora dizem que o backup do software não funcionou. Houve uma pane, há uns 15 anos, quando tinha menos vôos. Para solucioná-la, os controladores passaram a trabalhar como há 20 ou 30 anos, com etiquetinhas. Com o nome do avião, altitude e outras informações, tudo escrito à mão. Acho estranho apontarem essas falhas no Cindacta justamente agora.

DINHEIRO ? Existe um problema de saturação das operações nos aeroportos do Brasil?
GANDRA ? Congonhas tem um problema grave. Começou com o DAC, por uma situação estranha. Quando a Transbrasil estava para falir, o DAC autorizou a companhia a utilizar Congonhas e Santos Dumont para pousar e sair de lá para voar mil quilômetros. Isso não é normal. Desses aeroportos só podem decolar aviões que irão fazer um trajeto de no máximo 500 ou 600 quilômetros. Um avião que sai de São Paulo, pousa no Rio de Janeiro e vai para Manaus, tem de sair de Guarulhos.
 
?Antes do acidente com o avião da Gol, ninguém tinha ouvido falar do caos aéreo?
DINHEIRO ? Existe confusão sobre a qual órgão público cabe a responsabilidade em momentos de crise como esse?
GANDRA ? Há cinco anos, tínhamos um sistema que era uno é abrangente. Tudo era gerido pelo Ministério da Aeronáutica. Quando foi criado o Ministério da Defesa, acabou saindo mais uma fatia para dividir a responsabilidade. No período que passei no DAC, o Ministro da Aeronáutica me deu carta branca e somente eu podia falar sobre acidente e aviação civil. Eu somente comunicava a ele o que ia fazer. Depois criaram o Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac), com um monte de ministros. São pessoas que não têm a autoridade, por exemplo, que eu tinha. O que quero dizer é que foi criada uma série de órgãos distintos, com culturas distintas. No caso da Anac, foram colocados diretores que não conhecem o problema e, coitados, acabaram pegando uma má fase. O resultado é que com o acidente, por exemplo, nunca foi vista tanta impropriedade junta. Falou a Infraero, que não tem nada a ver com isso, falou a Anac, que não conhece nada sobre segurança de vôo e até o próprio comando da aeronáutica declarou, num congresso, que houve culpa deles no caso dos controladores. Uma culpa declarada antes de realizar uma investigação.

DINHEIRO ? Como é o controle do espaço aéreo brasileiro comparado com outros países do mundo?
GANDRA ? Quando servi na Europa, de 1980 até o fim de 1982, observei o Eurocontrol (órgão responsável por gerir o tráfego aéreo europeu). Nosso sistema de cobertura de radar e de comunicações é maior que o Eurocontrol, já que o sistema de radares e comunicações não tem fronteira. O radar brasileiro cobre muito mais que os 8,5 milhões de metros quadrados do Brasil porque também abrange a área litorânea e as fronteiras. Em Foz do Iguaçu, existe um controle combinado com o Paraguai e a Argentina. O Brasil tem recursos na área do controle aéreo.

DINHEIRO ? Qual é o órgão responsável pelo Cindacta?
GANDRA ? É o departamento de controle do espaço aéreo e, normalmente, é dirigido por um comandante brigadeiro. Logo depois da crise do ano passado, assumiu o major-brigadeiro Paulo Hortêncio. O Cindacta 1 foi o primeiro, inaugurado nos anos 70. Depois veio o Cindacta 2 em Curitiba e o 3 em Recife. Logo depois veio o Sivam. Depois de instalado, o Sivam passou o controle de toda a parte operacional que não fosse do controle do tráfego aéreo para o Sibam, esse subordinado ao gabinete da Presidência da República. A partir daí, surgiu o Cindacta 4, em Manaus, que é quem faz uso hoje de todos os radares que sejam para fins do controle aéreo.

DINHEIRO ? Qual é a responsabilidade do governo federal na atual crise do setor aéreo?
GANDRA ? O governo não põe dinheiro no sistema aéreo. Todo o dinheiro para a área sai do nosso bolso. A tarifa de navegação e dos aeroportos é tirada diretamente do bolso dos cidadãos. Então, ela não devia ser contingenciada pelo governo. Desde que era secretário de Economia e Finanças da Aeronáutica, em 1991, eu brigava com o planejamento para isso. Dizia que eles estavam contingenciando dinheiro arrecadado especificamente para uma função. Eles não podem fazer isso, mas fazem há 20 anos.

DINHEIRO ? Melhorar a relação entre civis e militares no controle do tráfego pode ser parte da solução para a crise?
GANDRA ? Sim, mas acho que isso vai acontecer só daqui a uns cinco ou dez anos. Os controladores pedem, por exemplo, a desmilitarização do setor. O controle aéreo, no entanto, trata da soberania do espaço aéreo nacional e não pode deixar de ser cuidado por militares. Estamos dentro de um processo político no qual o sindicalismo pesa muito. A democracia é assim e ninguém vai dizer que não é.

DINHEIRO ? Quais suas perspectivas para o fim da crise?
GANDRA ? Acho que o governo vai fazer algumas concessões a esses grupos de civis. Costumo brincar que provavelmente vão dar um braço ou uma perna para o jacaré comer e vão continuar nadando com o outro braço e a outra perna. De qualquer maneira, fazer uma previsão nesse caso é muito perigoso. Quando me perguntaram a mesma coisa, no ano passado, eu disse que dentro de dois meses a situação certamente estaria normalizada. Agora, tivemos outra crise e mais outra. Realmente, não sei.