04/04/2014 - 21:00
O cientista social Daniel Annenberg, 49 anos, recebeu há três anos o convite para assumir o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP). A missão não era simples: reduzir a burocracia num órgão historicamente recheado de denúncias de corrupção e aumentar a percepção de qualidade por parte do usuário final. Annenberg foi convidado justamente por ter em sua bagagem a implementação, no fim dos anos 1990, do Poupatempo, que centraliza de forma padronizada diversos serviços públicos em um só local. Essa experiência bem-sucedida, que logo foi disseminada para outros Estados, foi replicada no Detran-SP, que ainda sofre com a falta de recursos. Para driblar as restrições orçamentárias, Annemberg buscou a ajuda de empresas. “Só um trabalho muito integrado entre o poder público e a iniciativa privada conseguirá enfrentar os problemas do trânsito”, disse à DINHEIRO em seu escritório, no centro de São Paulo, na sua última semana no cargo, de onde saiu para disputar uma vaga de deputado na Assembleia paulista pelo PSDB.
DINHEIRO – Qual balanço o sr. faz da sua gestão de três anos no Detran-SP?
DANIEL ANNENBERG – Foi um período superpositivo. Primeiro, estamos fazendo toda a transição da saída dos policiais civis do Departamento. Quando chegamos aqui, havia quase 1.400 policiais em funções burocráticas espalhados pelo Estado e nosso compromisso foi liberar esse pessoal para reforçar a Secretaria de Segurança Pública. Hoje, estamos com apenas 300 policiais e a transição deve ser completada nos próximos dois meses. Além disso, deixamos de ser uma coordenadoria e agora somos uma autarquia, vinculada à Secretaria do Planejamento.
DINHEIRO – Mas o que de prático já foi feito nesse período?
ANNENBERG – Estamos descentralizando o atendimento, o que reduz deslocamentos, e padronizando os procedimentos. Antes, cada Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran) tinha uma regra. Com um padrão, conseguimos orientar melhor o cidadão. Criamos o “Disque Detran” para informar os documentos necessários, quanto custa cada procedimento e o horário de funcionamento. As informações também estão no portal, que registra mais de sete milhões de cadastrados. Nada disso existia antes. Quanto mais transparência, melhor. Hoje o portal tem 22 serviços eletrônicos, antes só tinha consulta de multas e pontos. Ao desburocratizar a vida das pessoas, o Estado economiza recursos. O funcionário que atendia essa pessoa pode se dedicar aos casos mais complexos.
DINHEIRO – Esse processo de melhoria já está finalizado?
ANNENBERG – Ainda há muito a fazer. Estamos assumindo as unidades aos poucos. Um exemplo é o sistema de recursos de multas. É um verdadeiro “abacaxi” quando você precisa questionar uma multa. É tudo manual e é preciso ir até o Detran e entregar o recurso. Estamos desenvolvendo com a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp) o recurso eletrônico, em que a resposta será enviada já com o motivo do deferimento ou indeferimento. Tudo que puder ser eletrônico vai ser. Isso é ótimo por vários motivos: diminui problemas relacionados à corrupção, torna tudo mais ágil, mais desburocratizado, e permite que as pessoas simplifiquem a vida delas. Só a renovação de carteiras de habilitação que não será feita de forma eletrônica, porque precisa fazer o exame médico. Mas estamos dando a opção de agendamento, que é um padrão de atendimento do Poupatempo. Já são 54 unidades, de um total de 336, nesse novo padrão.
DINHEIRO – Como vai ser esse padrão de atendimento no Detran?
ANNENBERG – É um padrão Poupatempo, com atendimento por senha, funcionários treinados, acessibilidade, acesso à internet, equipamentos e mobiliários novos e avaliação dos serviços prestados. Nossa média de avaliação fica entre 90% e 95% de atendimento bom ou ótimo nessas unidades. Antes, nem havia avaliação e ninguém sabia quantas pessoas eram atendidas por dia, porque não existia senha eletrônica. No máximo, era manual. Tudo isso é muito importante para mostrar que o Detran está se modernizando.
DINHEIRO – O sr. falou muito dos serviços eletrônicos que facilitam a vida do cidadão. E o trabalho dos funcionários?
ANNENBERG – Na verdade, faltam funcionários. Estamos liberando mais de 1.300 policiais e estão chegando novos funcionários administrativos. São 1.200 para suprir um pouco essa saída de policiais, mas antes esse pessoal já não era suficiente para atender toda a demanda. O que nós temos feito? Parcerias com prefeituras que têm disponibilizado funcionários efetivos para trabalhar nas unidades de cada cidade. Não está sobrando pessoal. Por isso, estamos implantando serviços eletrônicos que permitem uma demanda presencial menor. Em 2013, com as melhorias, batemos recorde de emissão de carteiras de motorista, foram mais de 500 mil em um mês. É o que Pernambuco faz em um ano. Nosso objetivo é a simplificação. Muitas pessoas não vinham ao Detran porque era difícil e burocrático, ou tinham de pagar para um despachante.
Manifestação popular nas ruas de São Paulo, em junho do ano passado
DINHEIRO – Além de funcionários, o Detran precisa de mais tecnologia?
ANNENBERG – A tecnologia é essencial para avançarmos mais, não só para agilizar a prestação de serviços, mas também para a nossa retaguarda. Os sistemas do Detran têm 20 ou mais anos. Por isso estamos trabalhando com a Prodesp. Será criado um novo sistema para recursos de multa. E teremos também um talonário eletrônico. Hoje é manual. O agente de trânsito perde tempo, pode errar um número e isso ainda vai ter de ser digitado mais tarde. Existem mil problemas. Nossa ideia é entregar um tablet a cada um dos agentes para dar mais agilidade ao trabalho. Trata-se de uma otimização do trabalho fantástica. Queremos também fazer a integração dos sistemas de retaguarda com outros órgãos, como a Secretaria da Fazenda. Também já instalamos um posto de atendimento expresso no metrô Marechal Deodoro, com alguns serviços. Vamos replicar isso em outros locais. E há as iniciativas pelo lado da educação no trânsito.
DINHEIRO – De que forma a educação pode ajudar a melhorar a segurança e a fluidez no trânsito?
ANNENBERG – O Brasil é, a depender da fonte, o quarto ou quinto colocado nos rankings mundiais de mortes. A ONU estabeleceu para esta década o objetivo de reduzir pela metade os acidentes de trânsito no mundo e, por isso, São Paulo está fazendo um trabalho forte em educação e fiscalização. Criamos um comitê de mobilidade noturna no qual envolvemos bares, fabricantes de bebida, taxistas, prefeitura e governo do Estado. A ideia é encontrar formas de fazer com que as pessoas cheguem em segurança em suas casas. Temos um projeto para criar um centro de referência de mobilidade urbana, que será um espaço para discutir trânsito e alcoolemia (presença de álcool no sangue). Ele terá simuladores, novas tecnologias e assim por diante. Vai ser algo interativo, que possa mostrar, inclusive para as crianças, as consequências de dirigir embriagado.
DINHEIRO – O sr. acha que há uma mudança na maneira como o setor público presta serviços à população e como isso é cobrado?
ANNENBERG – Acho que sim. É só lembrar as manifestações nas ruas no ano passado. O que as pessoas pediam? Qualidade nos serviços públicos em todas as áreas e o fim da corrupção, o que significa mais transparência. No setor público, cada vez mais as pessoas querem transparência, querem serviços de qualidade, e estão exigindo isso. Temos trabalhado no Detran para achar soluções melhores e com transparência, dizendo o que pode e o que não pode. Já estamos fazendo isso.
Unidade do Detran Armênia, na avenida do Estado, em São Paulo,
que adotou o padrão Poupatempo de atendimento
DINHEIRO – É um trabalho de mudança de cultura interna?
ANNENBERG – Sim. Foi uma orientação do governador Geraldo Alckmin e do secretário de Planejamento, Julio Semeghini, transformar o Detran em um órgão mais proativo e com mais qualidade. Mas isso demora. Quando chegamos, existiam unidades em que chovia dentro, que não tinham cadeira. Mas, agora, com essas mudanças, conseguimos reduzir os prazos para a entrega de documentos. Se antes demorava 30, 15 dias, agora leva alguns dias. É algo gradual.
DINHEIRO – E em relação à corrupção? O tema o assustou quando o sr. chegou ao Detran, devido ao número de brechas existentes que possibilitam as fraudes?
ANNENBERG – Não. É um trabalho para o qual recebemos grande apoio. Eu sempre acreditei que mais de 95% das pessoas são sérias e honestas. Isso em todas as áreas. Quando se implementa um projeto como esse, você recebe apoio de quem é honesto e quer que os picaretas saiam. Temos feito ações contra fraudes. Estamos mostrando que quem não acompanhar essa mudança vai sofrer. As pessoas estão cansadas de corrupção em todos os níveis da vida brasileira. O Detran está mostrando que dá para atender bem, dá para funcionar direito e não precisa ter esse tipo de artifício.
DINHEIRO – O orçamento do Detran é suficiente para todas essas demandas?
ANNENBERG – O Detran gera uma arrecadação muito grande, mas só uma parte volta em termos de orçamento. Há também o convênio com o DPVAT (seguro obrigatório). Temos disponíveis R$ 686,6 milhões para 2014. Com isso, conseguimos aprovar um aumento da gratificação aos funcionários, o que ajuda a valorizar a função. E temos reduzido os custos com os serviços eletrônicos que disponibilizamos para a população.
DINHEIRO – Os convênios com o setor privado são uma alternativa para driblar as restrições de orçamento da área pública?
ANNENBERG – Temos vários convênios. Tem um com a Honda para o treinamento de instrutores para motos, há também parcerias com a Fundação Mapfre e com a Porto Seguro. Não é só uma questão de orçamento. A área pública sozinha não resolve todos os problemas. E o setor privado sozinho também não. Temos de fazer juntos. Não há dúvida de que a Honda tem muito mais expertise sobre motos do que a gente, assim como outras montadoras. Temos o comitê de mobilidade noturna, com fabricantes de bebidas, associações. Só um trabalho muito integrado entre o poder público e a iniciativa privada conseguirá enfrentar os problemas do trânsito. O objetivo é fazer isso de forma transparente para que todos possam ajudar.