26/02/2003 - 7:00
Furlan é um dínamo. Quando sentou-se àquela cadeira não foi para brincar
“Dizem que FHC tinha prestígio, mas em um mês Lula colocou o Brasil lá em cima”
DINHEIRO ? O pacote de cortes já se conhece. Onde está o pacote para o crescimento da economia?
GUIDO MANTEGA ? É o Plano Plurianual, que será transformado num projeto de desenvolvimento. Ali ficará explícito, e registrado, o Brasil que nós queremos. Estamos fazendo um projeto de crescimento de longo prazo, coisa que este País não via há muito tempo. O Plano vai mostrar os eixos de desenvolvimento para o futuro. Tudo estará contemplado no Orçamento de 2004.
DINHEIRO ? E para agora, o que o governo apresenta?
MANTEGA ? Estamos arrumando a casa que, de resto, pegamos agora. O País enfrentou uma crise forte, com problemas de crédito e de confiança. Não dá para fazer as duas coisas: arrumar a casa e colocar o pé no acelerador. Seria irresponsabilidade. Ainda mais diante de um cenário internacional, neste momento, desfavorável. Quando a situação lá fora melhorar, as condições de crescimento estarão colocadas por aqui.
DINHEIRO ? Como e quando teremos crescimento?
MANTEGA ? Não podemos prometer nada de imediato. O que estamos fazendo é criar condições para que o desenvolvimento econômico venha da forma saudável. Isso não acontece a
partir de déficit público. Por isso o estamos combatendo fortemente neste primeiro ano de gestão. Com o tempo, vamos aumentar o superávit e equilibrar as contas públicas. Isso e mais a reforma da Previdência, a remodelação tributária e a lei de falência fazem com que sejam criadas as condições para a queda mais rápida dos juros. Com juro baixo, teremos a volta do crescimento a partir do investimento privado.
DINHEIRO ? Significa que não devemos esperar nada de espetacular neste primeiro ano ou em todos os quatros
anos de governo?
MANTEGA ? Em quatro anos mudaremos a face econômica do País, para melhor, mas sabemos através de pesquisas que o povo não está cobrando a fatura neste primeiro ano. Está deixando para o segundo, o terceiro e o quarto ano. Existe na população a certeza de que os problemas não serão resolvidos de uma hora para outra. Há consciência de que a situação no Brasil era difícil. As pessoas estão dispostas a esperar que as coisas melhorem no seu devido tempo. Ao sentirem os efeitos dos programas sociais, o voto de confiança no governo do PT será renovado.
DINHEIRO ? Então o que temos a esperar é um governo assistencialista?
MANTEGA ? Dar comida para as pessoas que morrem de
fome no Nordeste é ser assistencialista? Então, teremos de
ser, por enquanto. É o que dá para fazer. Não dá para fugir
das responsabilidades. Isso não significa esquecer o
planejamento de longo prazo.
DINHEIRO ? Paga-se tanto imposto no Brasil, hoje, como na Suíça, com uma mordida superior a 35% da renda das pessoas físicas. Onde está a reforma tributária do PT?
MANTEGA ? A reforma tributária está na nossa ordem do
dia, junto com a da Previdência. Num primeiro momento, o
governo não pode abrir mão de receitas. Tem de ser um jogo de soma zero. Por exemplo, o caso do PIS. Não queremos um imposto em cascata, mas um imposto sobre o valor agregado. Então, transformou-se o PIS de 0,65% para 1,65%. Esperamos fazer o mesmo com o Cofins. Isso já foi posto em discussão. Há outras possibilidades, como imposto sobre faturamento, mas os debates ainda são prematuros. Temos de ir com calma para não desequilibrar as contas, o que seria pior para todos.
DINHEIRO ? O PT não está ortodoxo demais?
MANTEGA ? Ortodoxo? Não. Não existe esse negócio de ortodoxo ou heterodoxo. Nós somos um governo diferente. Estamos combatendo a inflação porque nenhuma camada da população quer esse monstro de volta, corroendo os salários. As esquerdas francesa,
italiana e alemã combatem taxas inflacionárias altas. Ter um orçamento saneado também não é uma questão de ortodoxia ou heterodoxia. O que interessa é como serão conduzidas as demais políticas sociais. O governo anterior preocupava-se só com as contas públicas ? e fez isso mal feito, porque não conseguiu equilibrá-las. Estamos fazendo um ajuste, sim, mas não nos esqueceremos do resto.
DINHEIRO ? Como a guerra vai afetar o Brasil?
MANTEGA ? O contingenciamento que fizemos no Orçamento leva em conta um cenário de guerra variando entre três semanas e dois meses e meio. Diria que, em termos orçamentários e de superávit primário, estamos calçados. No caso de um possível conflito duradouro, os números serão revistos. Teremos de sentar e negociar tudo de novo. Mas é cedo para falar sobre algo que ainda não aconteceu. Já temos o bastante para nos preocupar no presente.
DINHEIRO ? A agência de classificação de risco Standard & Poor?s afirma que, com guerra, o Brasil terá de voltar ao FMI. Terá?
MANTEGA ? Não necessariamente. Por enquanto estamos calçados, como já disse. Como economista sei que esses movimentos das agências são cíclicos. Os números vão e voltam. Não há nada pior para o mercado do que indefinição. Quanto ao FMI, temos um acordo vigendo, estamos cumprindo nossa parte neste acordo e temos direito a fazer saques. Isso não tem relação com a guerra.
DINHEIRO ? Como o sr. fez para convencer os ministros dos cortes de RS 14,1 bilhões no Orçamento?
MANTEGA ? Eles entenderam rápido, após uma reunião curta, de nove horas (risos). Nenhum reclamou ou achou que estávamos fazendo uma retenção de verbas de forma gratuita. Nenhum
dos ministros encara sua área como um feudo porque são
todos experimentados administradores. Não há nenhum
novato. São todos ex-deputados, ex-prefeitos, ex-secretários,
ex-governadores, ex-empresários. A maior vantagem deste governo é que a equipe é unida. O líder da equipe, o presidente Lula, dá o rumo e todos acatam.
DINHEIRO ? Se era para tirar 90% das verbas do Ministério da Integração Nacional, não seria mais econômico acabar com
ele de uma vez?
MANTEGA ? Com o contingenciamento que fizemos, o ministério dele ficou com R$ 200 milhões. Só que é preciso olhar debaixo para cima. Há verbas dos fundos constitucionais, da Sudene e da Sudam, mais a capacidade de gestão do próprio Ciro Gomes. Ele entendeu, tanto que não houve reclamação.
DINHEIRO ? Teremos boas notícias, ao menos, no setor exportador?
MANTEGA ? Essa é uma promessa de campanha que vamos cumprir. Vamos aumentar as vendas em 10%, mesmo com cenário econômico externo adverso. Ou seja, o comércio internacional não crescerá e teremos pela frente um grande desafio. Mas está sendo cumprido. Em janeiro, o superávit comercial bateu recorde. O ministro [Luiz Fernando] Furlan é um dínamo. Quando sentou-se àquela cadeira não foi para brincar.
DINHEIRO ? Mas esse superávit de janeiro ainda tem a ver com vendas feitas no ano passado…
MANTEGA ? Mas pode colocar na conta do PT (risos). No ano passado, um período adverso, não crescemos mais do que 3%. Se elevarmos as vendas externas em 10% ao ano, aumentaremos nossa participação de forma significativa. Além disso, desonerar as exportações é uma prioridade. Isso significa mais financiamento, novas linhas e incentivo às pequenas empresas. Neste semestre estamos negociando com a Alca, o Mercosul e costurando acordos bilaterais. As viagens feitas pelo presidente Lula repercutiram muito bem junto aos outros países. Todos diziam que o prestígio internacional era o grande trunfo de Fernando Henrique Cardoso mas, em um mês, Lula colocou o Brasil lá em cima. Isso deixa claro a adoção de uma política externa e comercial mais agressivas.
DINHEIRO ? Teremos um choque de crédito?
MANTEGA ? Reduzir os juros é nosso objetivo. Há duas coisas que determinam juros altos nos empréstimos feitos no País: a taxa Selic e o spread. Desde o ano passado, trabalhamos com os banqueiros um jeito de impulsionar o crédito. Eu, inclusive, chefiei o grupo de economistas do PT que cuidou disso. Há vários pontos que precisam ser atacados como, por exemplo, a adequação da Lei de Falências. Do jeito que ela está, as instituições temem perder dinheiro. Há ainda a necessidade de criar maiores garantias da retomada de bens por parte do credor. Hoje, há um risco grande de perda. Resolvidos esses pontos, o spread cai rapidamente.
DINHEIRO ? Qual a diferença entre ser governo e oposição?
MANTEGA ? A diferença é que agora podemos colocar em prática um sonho que, cada vez mais, tenho certeza de que é passível de realização. Claro que num primeiro momento há dificuldades. Acho até que Lula não teria sido eleito se elas não existissem. Mas passamos esses anos todos sendo treinados para enfrentá-las.
DINHEIRO ? O PT que era oposição, visto agora pelo PT na situação, era injusto em relação ao governo?
MANTEGA ? Não, nossas críticas eram justas. Dizíamos que havia desequilíbrio, que a gestão dos recursos não era bem feita, que os juros eram altos, que o social não era priorizado, que a concentração de renda, absurda e perversa, era a mesma há 30 anos. Nós tínhamos razão.
DINHEIRO ? Mas em relação à Previdência, o que o PT diz agora é o que o PSDB falava antes.
MANTEGA ? A reforma previdenciária que o governo anterior estava fazendo não era boa. Faremos uma remodelação superior àquela que vinha sendo idealizada. Do atual jeito, a seguridade social não garante a aposentadoria dos jovens que estão entrando no mercado de trabalho. Queremos mudar isso, mas sem abrir mão do estilo próprio. Tanto que as discussões começaram em um fórum onde há representantes de todas a sociedade.
DINHEIRO ? Durante a campanha, o então candidato Lula disse que queria um Ministério do Planejamento até mais forte que o da Fazenda. O sr. já se sente um superministro?
MANTEGA ? Não há superministério ou superministro. Aqui, o que temos é a função de pensar o futuro e coordenar uma ação integrada entre as pastas. Tentamos ajudar a gestão dos outros ministérios e acreditamos ter todos os instrumentos para isso aqui. Ou seja, tem de usar a inteligência. E a criatividade. Com a redução do custeio nos ministérios, seremos obrigados a fazer mais com menos dinheiro.