O analista, ensaísta e matemático Nassim Taleb afirma que sempre estamos à mercê de eventos imprevisíveis cujo impacto nos faz mudar a forma de compreender as situações, o que torna esses mesmos eventos menos aleatórios. A essa teoria ele deu o nome de cisne negro, em alusão ao animal considerado uma lenda até ser avistado na Austrália, no século 17.

Pois bem, a atual pandemia de coronavírus é mais um desses eventos. Quem deu o nome aos bois foi um dos gigantes do setor de venture capital, o fundo Sequoia. Em nota enviada aos fundadores e CEOs das empresas nas quais investe, o fundo recomenda prestar atenção nas finanças. A reserva de caixa pode mesmo aguentar o tranco se a economia patinar durante alguns trimestres?

Na crise mundial mais recente, de 2008, o mercado de venture capital como um todo viu uma retração bastante significativa e só retornou a patamares pré-crise dois anos depois, em 2010.” A liquidez dos últimos anos está secando. E não temos evidências de que a recuperação será mais rápida do que a vista em 2008.

Investimentos de Venture Capital nos EUA. Fonte: Tomtuguz.com

Para as startups o momento agora deixa de ser onde investir para crescer mais rápido e se transforma na busca por maneiras de melhor resistir à tempestade. Como disse Collin West, da Kaufman Foundation: “Silicon Valley needs camels, not unicorns, to outlast Covid”

Um caminho para trazer maior segurança de caixa é ir atrás de um reforço por meio de linhas de crédito. Porém, as startups possuem uma grande dificuldade de acessar o sistema bancário e o mercado de capitais, dada a exigência de garantias reais e histórico de rentabilidade, o que muitas vezes acaba inviabilizando a operação.

Pensando justamente nessa demanda, o Silicon Valley Bank foi criado em 1983 oferecendo um produto customizado para startups que leva em conta a realidade do ecossistema. O mercado era marcado por empresas com pouco tempo de vida, queimando caixa para financiar o crescimento, além de serem super asset light, não possuindo ativos para compor as garantias reais. O produto criado para suprir esta demanda foi o chamado venture debt.

Nesse modelo, ao invés de os sócios captarem dinheiro exclusivamente por meio da venda de equity da empresa, levantam uma parte do capital de que necessitam na forma de dívida, criando uma estrutura de capital mais eficiente.

Novidade no Brasil, esse modelo experimentou um crescimento robusto nos Estados Unidos nos últimos anos. A expectativa é de que tenha atingido US$ 10,1 bilhões, em 2019, um aumento de 20% em relação ao ano anterior, de acordo com a Kruze Consulting.

Existem muitas startups no Brasil em excelente forma, com excelentes produtos e um bom modelo de negócio, mas que irão passar por um período de estagnação de vendas e possível queda de faturamento. No entanto, se bem geridas, elas podem se recuperar em breve. Nesse momento, uma captação de dívida faz todo sentido e o venture debt pode ser a solução mais acessível.

Períodos de crise podem apresentar boas oportunidades para startups no médio e longo prazo. Em crises como a atual, as empresas tendem a procurar soluções inovadoras que tragam eficiência e redução de custos. Em momentos difíceis, são obrigadas a sair de sua zona de conforto para buscar melhorar seu desempenho. E as startups são as fornecedoras de grande parte destas soluções.

Crises também podem gerar oportunidades. É uma fase em que surgem novos mercados através da necessidade de sanar novos problemas. As empresas investidas pelos fundos de venture capital são, por definição, inovadoras. Os empreendedores destes negócios já montaram suas empresas atuais a partir de oportunidades de mercado que outros não haviam ainda enxergado.

Mesmo que o segmento da sua empresa pareça não estar sob estresse imediato, é bom imaginar que pode haver uma mudança ainda não prevista que poderá colocar seu negócio em uma zona de risco. O curto prazo exige revisar planos de crescimento e preparar o caixa da sua empresa para sobreviver à tempestade. Neste momento, mais do que nunca, “cash is king”.

As startups são grandes concorrentes para estarem no pool de empresas que devem sair melhor da crise. Startups são inovadoras por DNA e conseguem tomar decisões com velocidade, reagindo a adversidades de maneira mais eficiente. Há muito que podemos aprender com elas para vencer a crise da pandemia.

* Gabriela Gonçalves é CEO do Brasil Venture Debt