Em um galpão de um bairro paulistano qualquer, eles vão chegando um a um, discretamente: Palio, Gol, Corsa, Fiesta, Celta, Peugeot 206 e Uno Mille. Em seguida, também na surdina, entram os convidados ilustres ? homens e mulheres de idades e condições socioeconômicas variadas. Só uma característica os une. São todos proprietários de carros compactos nacionais. Nas próximas duas ou três horas, essas pessoas recrutadas sob sigilo vão examinar os modelos ali estacionados. Poderão abrir e fechar portas, tocar, cheirar, apertar botões. Então serão convocados a expressar suas opiniões de uma maneira muito direta. Os anfitriões vão querer saber ?qual o melhor volante??, ?o interior mais agradável??, ?a lanterna mais bonita?, e mais uma infinidade de porquês. Está começando a gestação de um novo carro. No jargão da indústria automobilística, o processo se chama ?clínica?. Essa foi arquitetada pela Fiat para o desenvolvimento da versão atualizada do Palio, que custou R$ 500 milhões e será lançada na sexta-feira 7. E o clima de filme de espionagem, no qual oculta-se o nome da promotora do evento, serve para evitar o vazamento de informações. Foram três anos de trabalho. A empresa lançou mão de inúmeras pesquisas. Mas são as clínicas, feitas na etapa inicial do projeto, que norteiam projetistas, campanhas de marketing e até definem o nome do carro.

Nas clínicas do novo Palio, mais de 350 itens foram avaliados, e 85% do carro mudou. A Fiat não informa que peças ?copiou? de outros compactos que participaram das sessões secretas. Mas as maçanetas ficaram iguais às do Gol. Desde o início, a montadora pensou em introduzir alguns itens mais sofisticados no modelo. Por isso, também realizou uma clínica na Itália, com donos de carros compactos acostumados a um pouco de mordomia embarcada. Foi assim que decidiu ?ampliar? o interior do Palio valendo-se de cores mais refrescantes (sai o cinza chumbo entra o bege claro). E também prover o modelo com sensor crepuscular (os faróis se acendem sozinhos dentro de um túnel), travamento automático das portas a 20 km/h, display do rádio no painel de instrumentos, etc. Tantas alterações poderiam indicar que o Palio antigo anda rateando? ?Pelo contrário. O modelo é o nosso campeão de vendas, com 1,3 milhão
de unidades comercializadas?, diz o engenheiro Carlos Ferreira, assessor técnico da Fiat. ?Acontece que o brasileiro troca de carro
a cada três anos. E na hora da decisão, temos que ter novidades para conquistá-lo.? As outras fábricas também promovem clínicas.
Na Ford, foram os consumidores que optaram pelo estepe preso à porta traseira do Ecosport. Na Volks, os publicitários chegaram ao mote do marketing do Fox (compacto por fora e gigante por dentro) assistindo a clínicas gravadas em vídeo. É o consumidor cada vez mais perto do chão da fábrica.