16/02/2023 - 6:30
Categoria 1, estado de saúde B. Em sua caderneta militar, Dmitry (nome fictício) mostra seu status de reservista do Exército russo, para o qual foi convocado de forma prioritária para lutar na Ucrânia.
No entanto, ele ignorou a convocação. “Penso que participar desta infâmia é ficar manchado para toda a vida”, diz Dmitry, com o rosto escondido sob um capuz.
Há quatro meses, o jovem, preso em seu próprio país, vive sob o risco de ser detido. Excepcionalmente, aceitou explicar sua história à AFP sob condição de anonimato e sem revelar sua localização na Rússia.
Depois que o presidente Vladimir Putin anunciou uma mobilização militar em setembro, centenas de milhares de reservistas receberam convocações. Alguns, ninguém sabe quantos, preferiram não responder a elas.
Embora seja possível conseguir uma isenção por razões médicas ou profissionais, é um recurso de resultado incerto. Centenas de milhares de russos preferiram fugir do país antes que corressem o risco de ser enviados à frente de batalha.
– Sempre atento –
Quem não pudesse ou não quisessem marchar teve que buscar outras artimanhas para fugir do recrutamento forçado ou da prisão.
É o caso de Dmitry que, com voz grave e serena, define o ataque russo contra a Ucrânia como “uma ação bárbara e um crime absoluto”.
A ordem de mobilização foi emitida no fim de setembro, mas foi enviada para um antigo lar, em uma região de Rússia onde ele já não vive. Em seu passaporte ainda aparece este antigo endereço.
“O síndico do edifício recebeu minha convocação e tentou fazê-la chegar até mim, mas sem sucesso, porque já não vivo mais ali há mais de três meses”, explica Dmitry.
“Deveriam ter dado baixa do registro militar [dessa região], o que não fizeram, assim que tentaram me enviar ilegalmente a convocação e eu simplesmente ignorei”, continua.
Dmitry, que tem cerca de 20 anos, realizou parte do serviço militar no grupamento de paraquedistas, uma unidade de elite, o que explica sua convocação já nas primeiras jornadas de mobilização.
Entre os seus conhecidos, oito pessoas foram recrutadas. Algumas obtiveram uma isenção, outras partiram para o front.
O jovem está sempre à espreita. Só se desloca para o interior de sua região e trabalha de forma remota para uma empresa de informática com sede no exterior.
Também segue uma “higiene digital” rígida, utilizando ferramentas cibernéticas para evitar que o localizem através de seu telefone ou seu computador, e evita as câmeras de vigilância de seu município equipadas com sistema de reconhecimento facial.
“Houve casos em que as pessoas foram presas por causa das câmeras”, garante.
– ‘Prefiro ir para a prisão’ –
Segundo ele, existem outras táticas para não ser recrutado: “não informar sobre uma mudança”, “instalar-se em um povoado perdido” ou “se perder em uma grande cidade”, evitando os lugares onde os policiais podem realizar controles.
Mas o medo persiste. Outro desertor, também na Rússia, rechaçou no último momento a entrevista à AFP por temor de chamar a atenção.
Dmitry não fugiu da Rússia quando pôde porque queria ficar perto de sua família, principalmente de sua parceira que tem um filho sob seus cuidados.
Agora, tentar escapar é muito mais perigoso porque o Serviço Federal de Segurança (FSB, a antiga KGB) tem listas de pessoas convocadas que devem ser detidas nas fronteiras.
O jovem mostra inquietação com os rumores que circulam sobre a possibilidade de uma iminente segunda onda de mobilização e pelo fato de que os comissariados militares “estão aprimorando” os seus métodos para capturar os que se opõem à convocação. Ele também tem medo de ser denunciado.
Caso seja detido, Dmitry pode ser condenado à prisão por “insubordinação”. “Se não posso resistir ao Estado, prefiro ir para a prisão”, garante.
“E se os combates terminam e a Ucrânia vence, ficarei aqui, na Rússia, e farei o máximo possível para que isso não volte a acontecer”, acrescenta.
Dmitry tem familiares na Ucrânia que nunca pôde conhecer. “Pode ser banal, mas sempre tive um sonho: ir a Kiev e Odessa para me encontrar com esses familiares”.
Um sonho que já não pode ser realizado, segundo ele, por causa de “um único homem”: Vladimir Putin.