Por Eduardo Simões

SÃO PAULO (Reuters) – O ataque de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro à sede da Polícia Federal em Brasília e as cenas de violência e depredação que se espalharam em vários pontos da região central da capital federal na segunda-feira acenderam um sinal de alerta sobre a possibilidade de novos tumultos até o dia 1º de janeiro, quando o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva será empossado.

A onda de violência, desencadeada pelo inconformismo de bolsonaristas com a prisão pela PF, atendendo a uma ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), de um líder indígena que apoia o atual presidente, ocorre também em meio a manifestações de simpatizantes de Bolsonaro em frente a unidades das Forças Armadas em vários pontos do país pregando o desrespeito ao resultado das eleições e uma intervenção militar — o que seria um golpe, já que não existe previsão legal.

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“O problema é saber se isso foi uma prévia do que pode vir depois ou se eles esgotaram os cartuchos agora”, disse à Reuters o pesquisador de assuntos militares e professor titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) João Roberto Martins Filho.

“Faz muito tempo que a gente previa que isso poderia acontecer se o Bolsonaro fosse derrotado. A gente não sabia exatamente o que poderia acontecer, chegamos a pensar até que poderia ser pior do que foi até agora. Pior do que foi até agora é morrer alguém”, acrescentou.

A onda de violência na capital teve início com a tentativa de invasão do edifício-sede da PF pelos bolsonaristas depois que José Acácio Serere Xavante foi preso acusado de “envolvimento em protestos antidemocráticos” por ordem do STF.

Munidos de paus, pedras, fogos de artifício e até mesmo bombas caseiras, manifestantes vandalizaram e atearam fogo a carros e ônibus e depredaram um posto de combustível. A polícia respondeu com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e tiros de bala de borracha. Ninguém foi preso até o momento.

Os tumultos aconteceram no dia em que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro não se manifestou sobre os episódios de violência até o momento.

Desde a sexta-feira, Bolsonaro, que até agora não reconheceu diretamente sua derrota na eleição presidencial, falou a apoiadores no Palácio da Alvorada que defendem uma intervenção federal ilegal enviando mensagens cifradas, citando as Forças Armadas e pedindo que os simpatizantes façam “a coisa certa”.

“Se o presidente simplesmente mandasse as pessoas voltarem para casa, elas voltariam. Ao mesmo tempo, ele fica nesse fio da navalha, entre convocar claramente uma eclosão de violência ou ficar jogando com as palavras, mas deixando implícito que as pessoas têm autorização para fazer alguma coisa”, disse Martins.

“Tem um caldo de cultura que pode resultar em coisas mais violentas”, acrescentou, lembrando que não houve, até o momento, por parte dos militares, manifestações para desencorajar os protestos em frente aos quartéis.

COORDENAÇÃO

Enquanto a onda de violência acontecia em Brasília, não houve manifestação pública de autoridades do atual governo, exceto por uma publicação do ministro da Justiça, Anderson Torres, no Twitter, quando a situação já estava mais tranquila. Quem falou à imprensa na noite de segunda foi o futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, ao lado do secretário de Segurança do Distrito Federal.

Na entrevista, Dino disse que não houve diálogo com representantes do atual governo. O futuro ministro, assim como outros integrantes do governo de transição, alertaram para eventual responsabilização de autoridades que, por ventura, tenham sido lenientes no cumprimento de suas funções.

“É preciso que haja uma investigação profunda para se identificar quem financia esses atos e como a sua estruturação é subsidiada tanto no aspecto financeiro, quanto na questão relacionada à hierarquia”, disse o deputado federal Fábio Trad (PSD-MS), que participa da área de segurança pública da transição.

“Eu acho que já é hora de pensar em interpretar de uma maneira mais rigorosa essa leniência das autoridades do governo atual, que estão condescendendo de forma irresponsavelmente permissiva com essas práticas criminosas.”

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do DF disse que o policiamento na região do hotel em que Lula está hospedado foi reforçado e que os atos, que disse terem sido realizados por “grupos isolados” estão sendo investigados pela Polícia Civil.

Especialista em segurança pública, o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva afirmou à Reuters que as autoridades não poderiam ter sido apanhadas de surpresa pelo que ocorreu e que é necessário uma coordenação entre os que estão deixando o governo e aqueles que assumirão.

“Nesses casos, é necessário inteligência de campo, alguém que fica ali no meio da multidão, que faz parte, fica lá meses, se for o caso e vai avaliando uma série de questões. Essas informações ajudam a dimensionar a reação”, disse.

José Vicente afirmou ainda que é preciso haver compartilhamento das informações de inteligências entre as diversas instituições das várias esferas, como Polícia Militar e Civil do DF, Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e que essa engrenagem precisa funcionar de forma azeitada, mesmo que em período de transição de governo.

“É importante que as autoridades que estão saindo e as que estão entrando possam se entender perfeitamente sem a menor rivalidade, porque o que está em causa é a ordem pública… Todos deviam estar –se já não estão– reunidos em uma sala de situação”, disse.

“Esse trabalho é uma área que é uma tecnologia crítica, que é aquela que não pode falhar um minuto. Esse potencial de tumulto não passa desapercebido em outros países. Existem outros fatores que são afetados, os famosos prejuízos reputacionais, que têm que ser considerados”, acrescentou.

 

(Reportagem adicional de Maria Carolina Marcello, em Brasília)

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