Não estranhe se no próximo happy hour um amigo vier com uma conversa esquisita sobre TVP, ou Trombose Venosa Profunda. Depois do diabetes, do colesterol e da disfunção erétil, ela promete ser a doença mais comentada da hora ? e provavelmente de onde a indústria farmacêutica pretende tirar mais dinheiro daqui para frente. Graças a uma campanha de prevenção realizada pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), o assunto está nas rádios, nas tevês, em panfletos, outdoors. Trata-se de um esforço do laboratório franco-alemão Aventis de esclarecer a população e os médicos sobre o mal. É também uma reação da companhia à investida de concorrentes como o Sanofi-Synthelabo e o Astrazeneca, que prometem trazer ao País drogas de última geração a partir do ano que vem. A Aventis, fabricante do líder de mercado Clexane, está patrocinando a campanha com objetivo de erradicar a desinformação e ampliar o mercado nacional de medicamentos usados no tratamento da doença. Um mercado estimado hoje em R$ 70 milhões mas que pode crescer, segundo ela, para R$ 600 milhões ao ano. ?Apesar de potencialmente fatal, a TVP é pouco conhecida. Apenas 38% dos médicos brasileiros estão preparados para diagnosticá-la?, diz o cirurgião vascular Eduardo Ramacciotti, um dos coordenadores da campanha.

A TVP é uma doença causada pela formação de coágulos no interior das veias (das pernas, em 90% dos casos). Isso ocorre quando há uma redução do fluxo sangüíneo provocada por longos períodos de repouso, cirurgias, hospitalizações e longas viagens ? daí a TVP ser conhecida também como Síndrome da Classe Econômica, numa referência aos passageiros que se aboletam na parte mais apertada do avião. Predisposição genética, obesidade e varizes são fatores de risco. A conseqüência mais grave da TVP é a embolia pulmonar, que pode matar. O coágulo formado nas veias da perna se desprende, ?navega? pela corrente sangüínea e atinge os vasos dos pulmões, obstruindo-os. Só nos Estados Unidos, 100 mil pessoas morrem dessa maneira todos os anos. E olha que lá existem programas muito bem azeitados de prevenção e tratamento da doença.

Blockbuster. No Brasil, calcula-se que aproximadamente 1 milhão de pacientes submetem-se a tratamentos de trombose todos os anos. É um número baixíssimo. ?Temos estudos que mostram que o potencial do mercado é oito vezes maior?, diz Patrice Lebrun, gerente-executivo da divisão hospitalar da Aventis. ?Mas para que essa potencialidade se torne realidade a população tem que estar informada sobre a doença.? A Aventis, que faturou 16 bilhões de euros em 2002, fabrica o antitrombólico (esse é o nome dos medicamentos usados no tratamento e prevenção à trombose) mais vendido do mundo: o Clexane. Ele é o que a indústria farmacêutica costuma chamar de ?blockbuster?, ou seja, um remédio cujas vendas ultrapassam a casa do bilhão de dólares. No ano passado, o Clexane rendeu à Aventis 1,5 bilhão de euros, 13% a mais que em 2001. Foi o segundo colocado no ranking de comercialização da empresa, perdendo apenas para o antialérgico Allegra, que recheou o cofre do laboratório com 2 bilhões de euros. Não é um assombro como o Viagra da Pfizer e seus US$ 10 bilhões anuais. Mas não deixa de ser impressionante. Tais cifras garantem à Aventis a liderança mundial no segmento de antitrombólicos, com 63% de participação num mercado de 2,5 bilhões de euros anuais. ?O Clexane é o nosso grande produto estratégico. Das receitas de 1,5 bilhão de euros que ele gerou, 1 bilhão foram nos Estados Unidos?, conta Lebrun. ?Há muito a ser explorado em outros países, sobretudo no Brasil.?

O Clexane foi lançado por aqui em 1994. Suas vendas cresceram 25% no ano passado e atingiram R$ 50 milhões. Já seria um reflexo direto da campanha de prevenção patrocinada pela Aventis junto à SBACV, que teve uma primeira edição no ano passado. A fabricante tem 70% do mercado, também disputado pelo francês Sanofi-Synthelabo (que produz o Fraxiparina) e pela americana Pfizer (dona do Fragmin). ?Não queremos aumentar nosso market share?, ressalta Lebrun. ?A questão é outra: precisamos que o mercado inteiro cresça. Por isso estamos empenhados em divulgar os riscos da TVP.?

No ano que vem, o Clexane deve ganhar dois concorrentes no Brasil. Um será o Arixtra, também do Sanofi-Synthelabo, recentemente aprovado pela FDA, a agência americana de controle de medicamentos. ?Nossa matriz também está desenvolvendo uma nova geração de antitrombólicos que não usa eparina?, conta Geane Pilli, gerente de produto do Sanofi, que investe 1,2 bilhão de euros em pesquisas todos os anos. A eparina é o princípio ativo dos antitrombólicos existentes hoje. ?O resultado dos estudos devem ser apresentados em 2005. Como o mercado potencial é muito grande, trata-se da menina dos olhos da companhia?, diz Geane. O laboratório anglo-sueco AstraZeneca também promete vir com novidades. Seu produto se chamará Exanta. Atualmente ele está em fase de registro nos Estados Unidos e Europa, mas a companhia já fala em vendas de US$ 3 bilhões ao ano. Tudo porque o Exanta, ao contrário dos outros, que têm aplicação subcutânea, foi desenvolvido para o uso oral. É o primeiro do gênero desde a invenção da eparina, 50 anos atrás.