Ninguém ouviu um ruído do lado de cá do imenso lago de Itaipu, mas não se fala em outra coisa a oeste das barrancas do Rio Paraná: o guarani, quem diria, é a nova vítima do voraz apetite dos especuladores internacionais. De tão surpreendente, a notícia causou confusão. Apêndice do moribundo Mercosul, a economia paraguaia é baseada em uma moeda menos conhecida aquém da Ponte da Amizade que a homônima equipe futebolística de Campinas, em São Paulo. Ataque ao Guarani. Para infelicidade das autoridades monetárias de Assunção, no entanto, a repercussão internacional de sua agonia financeira faz menos alarde que um grito de gol no Brinco de Ouro da Princesa, estádio do clube recém-rebaixado à segunda divisão do campeonato paulista. Afinal, no alvo dos financistas predadores, o guarani é uma moeda de segunda divisão ? e dentro do Terceiro Mundo. Ela serve de lastro para uma economia com PIB de US$ 8 bilhões, semelhante ao de Campinas.

Na semana passada, a situação ficou insustentável. A crise cambial eclodiu como um maremoto nas plácidas águas do lago azul de Ipacaray ? cartão postal da capital paraguaia ? quando a cotação do dólar rompeu a barreira psicológica dos 4.000 guaranis. ?Visiblemente molesto?, conforme definiu o diário paraguaio Última Hora, o presidente do Banco Central do país vizinho, Raúl Vera Bogado, culpou os especuladores pela onda de desvalorização. ?É provável que tomemos medidas orientadas a reverter a especulação e punir os responsáveis por ela?, afirmou Bogado. Poucas vezes teve tanta audiência. É provável que ninguém tivesse reparado no tal ataque se não estivessem em Assunção as delegações de Brasil, Argentina e Uruguai que participam da reunião de cúpula do Mercosul. Para se fazer ouvir, Bogado também responsabilizou seus parceiros do bloco pela difícil situação que tem de enfrentar. Ameaçou agir de forma unilateral contra a Tríplice Aliança que derrotou os paraguaios numa sangrenta guerra no século 19. Mais de 130 anos depois, acusou, os países que deveriam ser amigos desprezam os interesses guaranis em suas decisões ? os três acabam de desvalorizar suas moedas, pressionando ainda mais as posições do governo de Assunção. Nas transações comerciais entre eles, os paraguaios são massacrados. Acumularam, no ano passado, um déficit de US$ 550 milhões. ?El Mercosur no nos da pelota?, protestou o ministro da Indústria e Comércio do Paraguai, Euclides Acevedo. A tradução é desnecessária.

Envoltos em dramas particulares, Pedro Malan e Domingo Cavallo dificilmente derramarão uma lágrima sequer pelo guarani. Talvez até riam da desgraça alheia. Experientes esgrimistas no mercado internacional, no íntimo devem estar se divertindo com o rebaixamento, não da moeda paraguaia, mas dos especuladores internacionais. Há pouco mais de dez anos, George Soros à frente, eles duelavam com o Banco Central inglês em um ataque à poderosa libra esterlina, nobre representante da primeira divisão do mundo monetário. Hoje, são vistos atuando em campos de várzea, dividindo terreno com muambeiros e ladrões de carros, atacando o tal guarani.