08/02/2023 - 22:04
Ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga avalia que ainda é cedo para qualquer conclusão em relação ao terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo ele, o novo governo tem uma chance histórica de recuperar áreas cruciais para o País, mas há muitos riscos na condução da política econômica. “Vejo muito potencial de um lado, mas vejo algum risco do outro lado”, disse Arminio, sócio-fundador da Gávea Investimentos.
Em entrevista ao Estadão, ele afirmou que as declarações de Lula contra o Banco Central são um “equívoco”. “Se ele (Lula) quiser colaborar para derrubar os juros, pode dar mais atenção à responsabilidade fiscal”, disse o economista, que, ao lado de outros economistas liberais, declarou voto no petista no segundo turno da eleição presidencial.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Que leitura o sr. faz sobre o embate entre Lula e o presidente do Banco Central?
Se ele (Lula) quiser colaborar para derrubar os juros, devia dar mais atenção à responsabilidade fiscal. Ele passou a campanha inteira dizendo que teve superávit primário (nos seus outros governos) – e teve, de fato – e, agora, está lidando com um déficit primário, que, na verdade, nasceu com o colapso fiscal de 2015 e 2016. O presidente poderia liderar um movimento, mas não na direção que estamos vendo. É verdade que o ministro (Fernando) Haddad (da Fazenda) teve a coragem de dar um passo na direção contrária. É um sinal importante, mas o que está pesando é o todo. É um desprezo raivoso pela responsabilidade fiscal e, depois, o ataque ao Banco Central me parece um equívoco. O Banco Central tem, por lei, autonomia para cumprir objetivos que são determinados pelo governo.
Quais podem ser as consequências econômicas?
Toda vez que a temperatura sobe na economia, aumenta a incerteza, a economia começa, na verdade, a se defender, com medo. E isso é recessivo.
O País pode ter um crescimento ainda mais baixo em 2023, então?
Nos momentos em que a inflação ameaça sair de controle, como foi o caso, e ainda é, em certa medida, a economia tende a desacelerar num processo de correção de rumo. Se os rumos não forem corrigidos, ela vai desacelerar mais ainda. Cabe ao governo escolher a melhor situação: fazer o ajuste e, no fundo, proteger o povo, porque é quem sofre quando a inflação sobe.
Como o sr. viu os quase 40 dias iniciais do governo?
Estou vendo um governo que tem uma oportunidade histórica de mostrar serviço em áreas cruciais, tais como educação, saúde e meio ambiente, mas que infelizmente está correndo o risco de se atrapalhar pelo lado da macroeconomia. Vejo muito potencial de um lado, mas vejo algum risco do outro lado. Fui um crítico público do governo anterior (de Jair Bolsonaro), que fez algumas coisas boas também. Mas, no geral, eu fui crítico, sobretudo, por razões políticas. E eu vejo, portanto, um bom espaço para esse governo reforçar a qualidade da nossa democracia, pacificando o funcionamento dos três Poderes, que são naturalmente tensos, mas não no ponto em que a coisa chegou. Temos visto algo que passa do campo construtivo e mergulha no destrutivo. Tem muita coisa que esse governo pode fazer, muita coisa que precisa de uma visão, que ainda não está completamente posta. O Brasil tem sido uma vítima histórica de más ideias, de uma ideologia mal implantada, uma visão velha, frequentemente intervencionista, capturada por grupos de interesse. Está cedo para uma conclusão final. Só acho que, na área macroeconômica, em particular, os sinais não são bons.
E qual é a avaliação sobre o plano fiscal apresentado?
Esse foi um primeiro passo. O próprio ministro (Haddad) reconheceu que, provavelmente, ele cumpriria metade das propostas. Sabemos que as áreas com espaço para economizar são difíceis e são três: folha de pagamento do setor público, Previdência e esse emaranhado de subsídios regressivos, inclusive nas regras do Imposto de Renda. O governo precisa se posicionar nessas três áreas com clareza e coragem. Imagino que um governo do PT deveria, naturalmente, correr atrás desses subsídios todos. Os outros dois não estão no radar. Ou seja, a chance de um sucesso convincente e que realmente ponha o País nos trilhos, por enquanto, é limitada.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.