O dólar atingiu nesta terça-feira, 2, a marca de R$ 5,70 pela primeira vez desde janeiro de 2022. A disparada da moeda frente ao real ocorre em meio a reiteradas críticas do presidente Lula ao comando do Banco Central e incertezas sobre a trajetória da dívida pública. Analistas do mercado apontam que, combinadas, as falas do presidente e o risco fiscal elevam as preocupações sobre o futuro do câmbio e seu impacto na inflação e até na taxa de juros.

Lula chegou a falar em “ataque especulativo” contra o real e nesta terça-feira, 2, disse que fará “alguma coisa” em relação à alta do dólar, mas evitou detalhar qual medida será tomada. Mas, afinal, o que explica o nervosismo dos mercados e o que é preciso fazer para conter a alta?

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Ruídos e falas de Lula

Os comentários de Lula em relação ao BC e ao ajuste fiscal vêm sendo apontados como um dos principais motivos para que o dólar tenha disparado e para que a curva de juros futuros esteja em forte alta no Brasil. Em 2024, a moeda norte-americana acumula elevação próxima de 17%.

“Quem intervém no câmbio é o BC, não o ministério da Fazenda”, comentou Jefferson Rugik, diretor da Correparti Corretora. “O que o presidente Lula pode fazer no câmbio é tranquilizar o mercado, dizendo que vai cortar gastos.

O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta terça que a melhor maneira de conter a desvalorização do real ante o dólar é melhorar a comunicação sobre o arcabouço fiscal e a autonomia do Banco Central.

Os economistas destacam a importância de reduzir o ruídos da comunicação dos integrantes do governo e de maior interlocução entre o Executivo e o Banco Central.

“É mais do que urgente que Planalto e Banco Central sentem para conversar, ou iremos passar pelo ridículo de ter que subir de fato os juros esse ano”, alerta André Perfeito.

Há um ataque especulativo em curso?

Alguns especialistas consultados pela IstoÉ concordam que há um ataque especulativo, ainda que discordem sobre o que ele representa.

“Não é um ato de “maldade” do mercado, mas antes uma situação tal do consenso entre investidores que o fluxo migra para uma direção que não necessariamente guarda relação com a realidade”, afirma o economista André Perfeito.

Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, tem uma posição parecida. Ele diz que o movimento de investidores é uma estratégia natural de defesa contra um cenário incerto. “Eu costumo brincar que o leão come carne, não adianta você pedir para ele comer alface.”

Para Gala, apesar de a economia brasileira estar em um bom momento, com indicadores positivos, o mercado está preocupado com a trajetória futura da inflação e taxa de juros, e por isso começou a comprar dólar e mandar recursos para fora do país.

“O mercado começou a considerar que não haverá uma credibilidade fiscal forte nos próximos anos”, diz Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, que discorda do termo “ataque especulativo”.

Já Pedro Afonso Gomes, presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), vê o movimento no câmbio como uma estratégia de um pequeno grupo econômico. Segundo ele, quem ganha com a alta do dólar são os exportadores, especialmente o agronegócio, e as empresas nacionais que não sofrem tanto impacto da importação.

“Ele [o presidente] está combatendo esta sanha cada vez mais acumulativa deste pequeno segmento da população que impõe sua vontade, pelo poderio econômico, aos demais”, diz o presidente do Corecon-SP.

Banco Central deve intervir no câmbio?

Parte do pressão no câmbio está fora do controle do governo brasileiro e tem relação com os altos juros nos Estados Unidos. Uma redução, que ainda não está claro quando ocorrerá, poderia aliviaria a pressão sobre o real, explica Gustavo Cruz.

Paulo Gala destaca que outros países emergentes têm sofrido desvalorização de suas moedas. A situação da América Latina, segundo o especialista, é ainda mais crítica, especialmente em países com governos que não são pró-mercado.

Entre as opções que o Banco Central teria para segurar a alta do dólar, Gustavo Cruz destaca leilões de linha ou operações de swap cambial. O estrategista, no entanto, acredita ser necessário também tratar a questão fiscal.

“Enquanto não vier cortes de juros dos EUA, ou anúncios mais contundentes de controle de gastos e de como o arcabouço funciona, ou anúncios de intervenção de câmbio no Brasil, esse movimento continua”, resume Paulo Gala.

Já Pedro Afonso Gomes acredita que a alta do dólar será temporária. “O que precisa ser feito é exatamente que haja resistência com relação a essa especulação”, diz. “Infelizmente, os menos espertos vão cair na cilada, e os mais espertos, como acontece na bolsa, na cotação do dólar, vão ganhar sobre essa desvalorização.”

Ajuste fiscal

Paulo Gala, do Banco Master, acredita que não há uma situação de descontrole fiscal. Porém falta um plano crível para mostrar que o arcabouço vai continuar “de pé”. “É só uma questão de colocar medidas para essa regra funcionar, que não seja só aumento de receitas.”

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, vê como positiva a posição de Fernando Haddad de afirmar que o governo contingenciará gastos para cumprir o arcabouço. “Infelizmente, na contramão, Lula em palanque vem reafirmando que não irá conter despesas”, diz.

“As frequentes críticas do presidente Lula à política fiscal e ao comportamento do Banco Central geram incertezas sobre uma possível flexibilização da inflação no próximo ano”, concorda Gustavo Cruz. “Isso aumenta o risco percebido a longo prazo e contribui para a deterioração do câmbio.”

Até onde vai o dólar?

Apesar do nervosismo ainda se manter nos mercados, há consenso entre os economistas de que os atuais fundamentos da economia brasileira não justificam um dólar em patamar tão alto como o atual.

Vale lembrar que as projeções para o câmbio em 2024 subiram, mas que a mediana do relatório Focus para o dólar no fim deste ano ainda está em R$ 5,20. Um mês antes, estava em R$ 5,05.

*Com informações da Reuters.