28/05/2025 - 6:13
Governo Trump cogita sancionar ministro do Supremo por sua atuação em casos de ameaças à democracia. Movimento dos EUA reflete articulação da extrema direita em nível mundial, avaliam especialistas.As tensões entre o bolsonarismo e o Judiciário atingiram patamares internacionais nos últimos dias, com a ameaça de sanções pelo Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Além de mostrar um alinhamento com o bolsonarismo, esse posicionamento do governo de Donald Trump expõe uma articulação mundial da extrema direita na ingerência em outros países, agora com os EUA na linha de frente, avaliam especialistas ouvidos pela DW.
As ameaças vieram de Marco Rubio, secretário de Estado de Trump, cargo análogo ao de ministro do Exterior. Questionado pelo deputado republicano Cory Mills, que acusou o ministro do STF de perseguição política à oposição no Brasil, Rubio afirmou haver “grandes chances” de punir Moraes com a Lei Global Magnitsky.
O mecanismo, em voga desde 2012 no país, pode ser empregado contra cidadãos de outros países acusados de violações de direitos humanos, congelando seus ativos e os impedindo de entrar nos EUA ou portar cartões de crédito.
Logo depois da fala, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está licenciado do cargo e vivendo nos Estados Unidos desde março, comemorou a ameaça de Rubio e afirmou ter se reunido com Mills na semana anterior. Em resposta, o próprio Moraes autorizou a abertura de um inquérito, a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR), contra o filho do ex-presidente por coação e obstrução de Justiça.
Pressão de Musk
O governo Lula não se pronunciou oficialmente sobre o assunto, mas intensificou, nos bastidores, os diálogos diplomáticos com as autoridades americanas para evitar a sanção a Moraes. Os EUA são o segundo maior comercial parceiro do Brasil, atrás somente da China. Além de Eduardo Bolsonaro, as big techs também estariam fazendo pressão para punir o ministro do STF, segundo o jornal Folha de S.Paulo.
Membro do governo Trump, o bilionário Elon Musk se envolveu, no ano passado, em uma disputa direta com Moraes, que chegou a bloquear o X (antigo Twitter), a rede social de Musk, após o empresário se recusar a cumprir medidas judiciais e bloquear contas que incentivam discursos antidemocráticos.
Para Evandro Menezes de Carvalho, professor de direito internacional da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da FGV Rio, a atitude do governo Trump não possui base legal e é grave, do ponto de vista político e jurídico. “Soa como uma intervenção externa a assuntos internos, porque não há nenhum tipo de ação deliberada do Moraes que ameace a soberania dos Estados Unidos e que justifique uma intervenção no STF”, afirma.
Carvalho ressalta que as empresas estrangeiras com atuação no Brasil, com a de Musk, devem ser submetidas a legislação local e à Constituição Federal.
“A título de quê o governo dos EUA pretende direcionar uma sanção específica a um ministro da Corte Suprema do Brasil? Ainda que fosse a qualquer outro juiz, qualquer outro cidadão, qual é a raiz disso?”, questiona Carvalho. “O que parece é ser um apoio do governo dos EUA a uma certa agenda política da oposição ou pelo menos daquelas pessoas que estão sendo alvo do processo, que foi instalado no Supremo para analisar os atos de tentativa de golpe de Estado.”
O STF julga atualmente o processo sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Entre os réus estão Jair Bolsonaro e aliados próximo do ex-presidente, como o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, o general Augusto Heleno, ex-ministro da Defesa, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.
Estratégia deliberada
A truculência do governo Trump vai além do Brasil. Entre outras ameaças, o presidente americano externou a intenção de anexar o Canadá e a Groenlândia, que pertence à Dinamarca. México, Panamá e África do Sul também já foram alvo de arroubos antidemocráticos do republicano.
Neste contexto, as ameaças ao Judiciário brasileiro podem ser lidas em um espectro mais amplo, como parte da estratégia dos Estados Unidos sob a batuta do segundo governo de Trump. “Isso aumenta ainda mais o nível de tensão global, porque até governos e Estados com os quais os EUA têm relações mais consolidadas e menos tensas também têm sido alvo de situações como essa”, explica Carolina Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Se os Estados Unidos sob o governo do democrata Joe Biden foram relevantes para impedir ou desestimular a possibilidade de um golpe nas eleições passadas, diz a pesquisadora, “agora há um movimento mais brusco no sentido de apoiar a narrativa do bolsonarismo, de perseguição do Judiciário, de cerceamento das liberdades individuais e à liberdade de expressão – o que pode ter uma repercussão interna”.
Risco para democracia
Essa aliança pública entre governo dos EUA e a extrema direita no Brasil pode ter repercussões internas nos processos eleitorais futuros. “Isso certamente fortalece a base eleitoral bolsonarista, independente de quem for herdar o espólio político de Bolsonaro”, diz. O ex-presidente está inelegível por oito anos, condenado por abuso de poder político pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Já Lucas Pereira, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vê na política de Trump uma tentativa de solapar a ordem liberal construída após a Segunda Guerra Mundial. “O governo Trump não é um governo democrático. Ele busca constantemente enfraquecer as instituições democráticas e tem aliados internacionais que busca favorecer de alguma forma, como uma ferramenta de manutenção dessa rede internacional que tem, em última instância, líderes autoritários como protagonistas”, resume.
Segundo ele, no momento atual, o Brasil deve buscar manter alianças com países democráticos, como os membros da União Europeia (UE), que tenham como objetivo preservar as instituições e resistir a esse tipo de ofensiva. “É fundamental ter alternativas políticas e não depender só de um ator. Se o Brasil depositar todas as fichas nos EUA, na Rússia, na China ou quem seja, isso significa menos opções de parcerias. Num mundo em transformação, é muito importante ter diálogo”, afirma Pereira.
“Os movimentos totalitários não se restringem às fronteiras nacionais. Eles querem organizar movimentos que busquem reorientar o Estado para atender exclusivamente aos seus interesses”, conclui.