Há uma discreta pulseira preta no pulso esquerdo do ministro Guido Mantega, um genovês naturalizado brasileiro que, desde março de 2006, comanda a economia. Quase imperceptível, ela é muito utilizada por atletas e carrega um pequeno holograma. Em tese, melhora o fluxo de energias do corpo e reforça a sensação de equilíbrio ? um de seus adeptos é o atacante Neymar, do Santos. Mantega, que se mantém em forma aos 61 anos correndo seis quilômetros por dia, passou a usá-la há três meses e notou o progresso. ?Funciona?, ele garante. Os cientistas dizem que não. Afirmam tratar-se do ?efeito placebo? ? como o indivíduo crê no efeito de uma determinada terapia, ele acaba ocorrendo. Ainda assim, Mantega não pretende abrir mão da pulseirinha, que sugere até um pequeno paralelo com sua atuação na Fazenda. 

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“Nos últimos anos, a Fazenda e a Casa Civil trabalharam em total sintonia”
Guido Mantega, ministro da Fazenda

Nesses últimos quatro anos e meio, houve uma aceleração clara da geração de empregos e do crescimento ? a média do primeiro governo Lula foi de 2,5%, enquanto a do segundo foi de 4,5%. Mantega é o primeiro ministro da Fazenda, em décadas, que não administra a escassez. Reina sobre a abundância. Por vezes, tem até que vir a público para conter excessos de euforia. 

 

Os críticos, no entanto, geralmente usam a palavra ?sorte? para se referir ao trabalho do ministro e criticam um suposto desequilíbrio fiscal ? o que é curioso quando se nota que a dívida pública caiu de 48,2% para 40% do PIB na era Mantega. ?Mérito do presidente, não meu?, diz o ministro, num acesso calculado de modéstia.

 

A imagem de homem de sorte ? e também desprovido de maiores ambições ? faz bem ao ministro. Talvez ajude até a equilibrá-lo em meio a tantas especulações sobre quem irá comandar a economia brasileira num eventual governo de Dilma Rousseff. 

 

Fala-se de uma possível volta de Antônio Palocci, que antecedeu Mantega no cargo. Palocci seria, na visão dos que torcem por sua reabilitação, um fiador da estabilidade, como se o Brasil, que hoje cresce num ritmo mais forte e com uma inflação menor do que quando ele foi ministro, necessitasse de fiadores. 

 

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O início da ascensão: numa reunião do G20, em Washington, Bush pediu socorro aos emergentes.

A partir dali, a influência do Brasil aumentou 

 

Um segundo nome bastante lembrado é o do presidente do BNDES, Luciano Coutinho,  que é amigo pessoal de Dilma. Mas ninguém fez tanto por Coutinho nos últimos meses quanto o próprio Mantega ? o ministro autorizou repasses de mais de R$180 bilhões do Tesouro ao BNDES. 

 

?O Guido tem feito um trabalho excepcional e a crítica que se faz a ele não é técnica, mas apenas ideológica?, avalia o professor Delfim Netto. Outro apoio não desprezível é o de José Dirceu, eterno chefe do PT. O ministro prefere não falar sobre seu futuro. Diz apenas que, desde que chegou ao cargo mais alto da economia, a Fazenda e a Casa Civil (de Dilma Rousseff) trabalham em ?perfeita sintonia?. 

 

Para os que o consideram carta fora do baralho, ele se mostra desapegado do poder. ?Ontem mesmo recebi uma proposta de trabalho?, brinca. Na véspera de sua entrevista à DINHEIRO, Mantega havia participado de um encontro na Fundação Getulio Vargas, que o convidou a voltar a dar aulas. 

 

O ministro também começou a rascunhar o esboço de três livros. O primeiro sobre a crise internacional e as medidas tomadas para enfrentá-la. ?Será que é sorte ter que enfrentar a maior crise do capitalismo em 80 anos??, cutuca o ministro.  Um segundo livro seria sobre a capitalização da Petrobras ? a maior operação do gênero no mundo. 

 

E o terceiro, sobre a ascensão do Brasil nos foros internacionais, a partir da tomada de poder no G20. Em 2008, no auge da crise internacional, o ex-presidente americano George Bush entrou de surpresa numa reunião dos ministros do G20, em Washington, e pediu ajuda dos emergentes no combate à crise. 

 

A reunião era presidida por Mantega e a foto dele altivo, ao lado de um Bush derrotado, saiu em todos os jornais do mundo ? naquele instante, o ministro foi chamado de ?Forrest Mantega?, numa alusão ao personagem Forrest Gump, o herói improvável que aparece nos momentos decisivos da história. Mantega sabe que é tido com frequência como um azarão. No entanto, ao mesmo tempo que essa imagem prospera, seu poder e seu raio de influência aumentam. Da turma mais próxima ao ministro faz parte, por exemplo, o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine. 

 

Os dois tiveram papel central na expansão do crédito, no momento em que os bancos privados restringiam seus financiamentos. Mantega e Bendine também tomaram as rédeas da poderosa Previ, o fundo de pensão do BB, que durante quase todo o governo Lula esteve sob o comando da ala do PT ligada aos bancários de São Paulo. E o ministro tem sido cada vez mais consultado pelo presidente Lula sobre os mais diversos assuntos ? uma dessas ligações ocorreu durante a entrevista exclusiva concedida à DINHEIRO.

 

Embora não reivindique para si os louros da economia, Mantega acredita que sua gestão deixará um legado. ?O Brasil redescobriu o crescimento?, diz ele, prevendo uma expansão média de 5,5% ao ano no próximo quadriênio ? um ponto percentual acima das estimativas de mercado. ?Menos do que isso a sociedade brasileira não aceitará mais?, afirma. 

 

Mantega também acredita ter vencido os embates com o Banco Central. Para os ortodoxos, que criticam sua política fiscal, ele reserva uma fina ironia. ?Eles buscam o equilíbrio das contas públicas através de um método sadomasoquista, produzindo a recessão; eu persigo o mesmo objetivo através do crescimento?, provoca. Parece até o velho Guido Mantega dos tempos em que escrevia ensaios sobre a relação entre a cama e a economia ? em 1979, ele publicou o livro Sexo e Poder.

 

Antes de se despedir, Mantega retira do bolso os óculos escuros e sorri. Ele sabe que a economia brasileira está equilibrada. Como numa canção americana que fez sucesso nos anos 80 (?The future´s so bright, I gotta wear shades?), ele usa as lentes para se proteger de um futuro que brilha diante de seus olhos. E se ninguém der nada por ele, melhor ainda. Mantega é aquele azarão que chega de surpresa, vai ficando, ficando e, de repente, ficou.