Na última semana, o governo sofreu uma derrota mais simbólica do que se imagina no Supremo Tribunal Federal (STF). De um lado, a massa falida da antiga Varig reivindicava uma indenização estimada em R$ 4 bilhões. Seu argumento era de que a companhia aérea foi mortalmente ferida pelo congelamento de tarifas durante o Plano Cruzado, entre outubro de 1985 e janeiro de 1992. As medidas seriam diretamente responsáveis pela quebra da empresa. De outro, o governo, representado pela Advocacia-Geral da União (AGU), afirmou que não deveria ser punido por cumprir uma função legítima: “regular o serviço público em prol de toda a coletividade”. 

 

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Os ministros do STF tiveram que decidir, portanto, o que prevalece: a queixa de quem se sente prejudicado por uma determinada ação; ou a suposta boa-fé de quem agiu para resolver uma situação crítica e acabou, inadvertidamente, causando danos a outras pessoas. Se fosse apenas uma briga entre dois cidadãos, a decisão do STF interessaria só aos juristas. Mas quem agiu foi o Estado, o que significa que, no fundo, os magistrados tiveram que julgar até que ponto os erros do governo são toleráveis. Como diria o ex-juiz de futebol e atual comentarista esportivo Arnaldo Cezar Coelho, pelo menos nesse caso, a maioria dos magistrados indicou que “sem querer também é pênalti”. 

 

O que prevaleceu foi a tese de que o congelamento desequilibrou as finanças da empresa e foi determinante para seu fim. A relatora do processo, ministra Cármen Lúcia, lembrou que a Varig era uma concessionária de serviços públicos, com uma relação regulada por contrato com a União. O congelamento seria, portanto, uma quebra de acordo, sem que houvesse compensação. Acompanhando seu voto, o ministro Celso de Mello declarou que “houve, de maneira explícita, a ocorrência de responsabilidade civil da União quanto aos prejuízos sofridos”. Dos sete juízes que julgaram o caso, apenas dois negaram o direito à indenização. 

 

O presidente do STF, Joaquim Barbosa, minimizou o impacto do congelamento e atribuiu a decadência da Varig à má gestão. Já o ministro Gilmar Mendes recorreu a um raciocínio barroco, segundo o qual reconhecer o pleito significaria conferir ao Estado uma “responsabilidade universal”, que daria margem para que até a “birosca da Maria” fosse indenizada. Traduzindo: não se poderia culpar o governo por tudo, porque todos se sentiriam no direito de ser ressarcidos. Mas é exatamente esse o nó. Se a função do Estado é garantir o bem-estar de todos os seus cidadãos, como justificar eventuais medidas que os prejudiquem, ainda que inadvertidamente? 

 

Com a decisão da Varig, o STF tende a mostrar que há limites para isso. O tira-teima, contudo, virá com o julgamento dos expurgos nos índices de correção da poupança, também motivados pelos planos econômicos do passado – uma bomba de até R$ 150 bilhões. É verdade que, aqui, os bancos são os réus. Sua principal defesa, porém, é que eles apenas cumpriram as leis da época. O governo é representado, no caso, pelo Banco Central, que participa como “amicus curae”, o jargão jurídico para “parte interessada”. O argumento, de novo, é que os planos econômicos visavam à proteção da moeda e, portanto, ao bem dos brasileiros. Mesmo os que falharam. Mais uma vez, será posta a pergunta ao STF: até que ponto deve-se perdoar o governo?