Bons tempos aqueles em que o Ibovespa subia como um foguete e deixava um rastro de milionários pelo caminho. O índice das ações mais negociadas na BM&FBovespa chegou a alcançar a marca estratosférica de 73.516 pontos em maio de 2008, numa alta de 778% desde o dia em que a primeira eleição do presidente Lula, em outubro de 2002, jogou o indicador no fundo do oceano, para 8.370 pontos. A jornada exuberante da bolsa foi interrompida com a crise bancária nos Estados Unidos, que secou o crédito e o apetite pelo risco no mundo todo.

Agora, oito meses depois da explosão do Lehman Brothers, os investidores estrangeiros redescobrem as ações brasileiras. O Ibovespa subiu mais de 80% e voltou à casa dos 50 mil pontos após uma enxurrada de investimentos estrangeiros. Sintomaticamente, o valor de mercado da BM&FBovespa atingiu US$ 12,4 bilhões na segunda-feira 15 e a brasileira deixou para trás, pela primeira vez na história, a Bolsa de Nova York e a Bolsa de Londres, rivais na competição global. Será que há combustível para ir mais longe? Há quem diga que sim.

As apostas de uma recuperação mais consistente da bolsa começam a ser colocadas nas mesas de operações dos bancos e corretoras. Estimuladas pela recente retomada do mercado, algumas companhias tiraram da gaveta grandes projetos de emissão de ações. Na quarta-feira 17, a Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (a VisaNet), empresa da área de cartões de débito e crédito, iniciou sua oferta pública secundária para captar entre R$ 5,7 bilhões e R$ 9,7 bilhões. Se conseguir emplacar as ações no preço máximo, irá superar o maior IPO (oferta pública inicial) do País, o da OGX Petróleo, de R$ 6,7 bilhões.

A construtora e incorporadora MRV Engenharia, que amealhou R$ 1 bilhão há dois anos, voltou para a fila da bolsa com planos de levantar mais de R$ 700 milhões na segunda-feira 22. Outros pretendentes a novos voos no pregão são Hypermarcas, Gafisa, Natura, Light, BR Malls, Magazine Luiza, Perdigão e a Brazil Foods (empresa resultante da fusão entre Sadia e Perdigão, que está sendo criada).

Quem vai testar os pregões da bolsa

Empresas que confirmaram novas emissões de ações na BM&FBovespa (foto)

Empresa: Visa Nnet Brasil
Pretende captar entre R$ 5,7 bilhões e R$ 9,7 bilhões. A oferta pública começou na quarta-feira 17

Empresa: MRV Engenharia
A construtora e incorporadora protocolou pedido de emissão na CVM. Quer levantar R$ 700 milhões

Empresa: BR Malls
A emissão da administradora de shopping centers pretende captar R$ 800 milhões

Empresa: Gafisa
A construtora ambiciona levantar recursos entre R$ 600 milhões e R$ 700 milhões

 

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As próximas semanas serão decisivas. Se essas captações decolarem, será uma evidência de que o humor dos investidores melhorou o suficiente para o Ibovespa não só manter o patamar dos 50 mil pontos como, quem sabe, alcançar novas altitudes.

Por enquanto, há mais dúvidas do que certezas no cenário econômico internacional, especialmente nos Estados Unidos, epicentro da crise. A alta recente da bolsa no Brasil e na China foi em parte estimulada pela percepção dos investidores, principalmente estrangeiros, de que o pior já passou.

Será mesmo? Na segunda, o diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, afirmou que não. Apesar de alguns sinais de que a economia mundial possa estar começando a sair da recessão, os países desenvolvidos ainda devem ter cautela e manter os estímulos à atividade econômica, sugeriu o francês. “A maior parte do pior ainda não ficou para trás”, afirmou, em tom cauteloso, comme il faut. Na terça, o jornalista Martin Wolf, do inglês Financial Times, uma das vozes mais influentes do momento, também jogou água fria na relativa euforia dos mercados.

“No ano passado, a economia mundial caiu numa recessão. A resposta política foi maciça. Mas as pessoas que estão convencidas de que estamos no começo de uma recuperação econômica robusta liderada pelo setor privado estão quase certamente enganadas. Provavelmente, a corrida rumo à recuperação plena será longa, árdua e incerta”, afirmou Wolf. Por ora, os números relativos continuam favoráveis ao Brasil. O País apresentou uma queda do PIB de apenas 0,8% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2008. Nos Estados Unidos, a queda foi de 2,5%. No Reino Unido, de 4,1%. Na Rússia, chegou a 23,2%.China (alta de 6,1%) e Índia (crescimento de 5,8%) colocaram o pé no freio sem entrar no território negativo.

Quando colocam todos esses destinos em seu mapa de investimentos e os comparam, os grandes gestores de fundos globais e de planos de previdência – que adquiriram 80% das ações brasileiras vendidas em IPO entre 2004 e 2008 – têm dado grande destaque para o País. A recuperação nos preços de commodities agrícolas e minerais e a reação do mercado interno às medidas de estímulo do governo, como o corte dos juros e dos impostos sobre alguns produtos, contam a favor.

“O Brasil está mais bem preparado do que nunca para atravessar a crise global e espera-se que saia dela mais cedo do que outros países”, afirmou à DINHEIRO Scott Cutler, vice-presidente executivo da Bolsa de Valores de Nova York. Segundo ele, isso acontece “por causa do sólido sistema financeiro e dos programas de investimento do governo em áreas-chave como infraestrutura, habitação e agricultura”. Cutler vem a São Paulo nesta semana para participar do congresso do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores.

O interesse externo pelo mercado local foi revigorado a partir de fevereiro. O saldo líquido dos negócios estrangeiros na BM&FBovespa em 2009 alcançou a marca de R$ 11 bilhões até 12 de junho. Somente em maio, foram R$ 6 bilhões líquidos, o mesmo saldo eufórico de abril de 2008, quando o Brasil foi promovido a grau de investimento pela Standard & Poor’s e alcançou o panteão dos países bons pagadores.

“É impressionante, nunca vi tanta força assim. Entrou muito dinheiro de fora e tudo subiu”, afirma Herculano Aníbal Alves, superintendente-executivo de Renda Variável da Bradesco Asset Management (Bram). A gestora do Bradesco administra R$ 150 bilhões, dos quais R$ 15,6 bilhões em renda variável. A animação dos estrangeiros levou o Ibovespa a subir 36% em reais e 60% em dólares este ano, até quarta-feira 17. Será que esse movimento é consistente com os dados econômicos e as perspectivas de crescimento do País e das empresas, que também dependem do que acontece ao redor do mundo? “Os fundamentos foram deixados um pouco de lado”, responde Alves. Isso não quer dizer que necessariamente vai faltar combustível à bolsa, mas que pode haver realizações de lucros e muita turbulência pelo caminho.

“A volatilidade está muito alta. Para o Ibovespa cair 5% a 10%, não custa nada”, alerta o executivo. Ele tem razão. Nos últimos dias, o Ibovespa chegou a 54.486 pontos e voltou a roçar nos 50 mil. Na quarta, fechou em 51.045 pontos. Oscilações de curto prazo são naturais em termos normais, que o diga em momentos de crise. A questão é se as últimas agitações do Ibovespa irão tirá-lo da trajetória ascendente dos últimos meses (leia quadro à pág. 90).

Sandra Petrovsky, superintendente de investimentos da Votorantim Asset Management, acha que não. A gestora recalibrou suas projeções do Ibovespa para o final do ano, elevando-a de 55.000 para 63.500 pontos. “Ainda vemos valor na bolsa. Pode haver realização de lucros, mas não vejo mudança na tendência de alta”, diz Sandra. Salvo se surgirem novas notícias alarmantes sobre os EUA ou a China, o relativo otimismo deve durar e favorecer novas emissões de ações no Brasil. Desta vez, sem euforia nas cotações e com o pé no chão. “O investidor precisa ser cauteloso. Muitas empresas prometeram e não cumpriram”, lembra Alves.

 

Estrangeiros compraram no Brasil R$ 11 bilhões em ações no ano até 12 de junho

 

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