30/09/2009 - 7:00
Dinheiro não é semente que, plantando, dá. Se eu quero ver a cor dele, eu tenho que trabalhar. A letra de Dinheiro Não É Semente, do mestre do samba Ciro Monteiro, parece óbvia para qualquer indivíduo que precise trabalhar para garantir seu sustento. Mas o que fazer quando a carreira profissional termina por volta dos 30 anos e a fonte de dinheiro que costumava jorrar com intensidade, de repente, seca? Buscar um novo trabalho pode ser a opção. Mas quando se é um exjogador da Seleção Brasileira de Futebol, com inúmeras Copas do Mundo no currículo, ou um campeão olímpico, o leque de saídas é, no mínimo, restrito. Muitos ídolos do esporte, como Mané Garrincha, Leônidas da Silva e o mítico João Carlos de Oliveira (mais conhecido como João do Pulo) vivenciaram a pobreza quando a carreira esportiva terminou. Hoje, a bolsa de valores e os negócios conquistam cada vez mais adeptos no esporte e se tornaram maneiras eficientes de perpetuar a riqueza e, principalmente, os louros colhidos ao longo da carreira.
Veteranos como Raí (futebol), Gustavo Borges (natação) e Tande (vôlei) investem no mercado financeiro e em negócios paralelos para manter e multiplicar seu patrimônio. Enquanto jovens como Cesar Cielo (natação), Daiane do Santos (ginástica) e Tiago Camilo (judô), ainda no auge da carreira, dão passos firmes no difícil caminho da escolha de seus investimentos. Eles deram à DINHEIRO dicas para você investir melhor.
O olimpo dos esportistas é cobiçado. Quem não gostaria de assinar contratos milionários, desfilar com carros de luxo, viver a vida de um jet setter e ser reverenciado por nações inteiras como ídolo no que faz? Tal realidade chega para um seleto grupo de atletas que, em sua maioria avassaladora, jamais teve acesso a uma vida de excessos. O deslumbramento é um caminho tentador e nem todos enxergam a perspectiva do longo prazo. Um caso recente de percalço financeiro foi o enfrentado pelo exjogador da Seleção Brasileira Romário, que leiloou seu apartamento no Rio de Janeiro (avaliado em R$ 5,5 milhões) para a quitação de dívidas. Felizmente há casos de exjogadores que estão mais para mestre das finanças do que dos débitos, como o de Raí. Trata-se da típica história de sucesso esportivo.
Nascido no seio de uma família simples, ele começou jogando no Botafogo e na Ponte Preta até estourar como meio-campo do São Paulo. De lá para a equipe brasileira, foi rápido. Logo depois veio a época dourada do time francês Paris Saint- Germain e a volta ao São Paulo, no qual se aposentou em 2000, aos 35 anos. Quanto acumulou? Raí não conta. “O suficiente para ficar tranquilo”, disse à DINHEIRO, sentado em uma confortável poltrona de seu camarote, também conhecido como Sala Raí, no estádio do Morumbi.
A sala, mantida em parceria com a Caixa Econômica Federal e a Xerox, foi uma das maneiras encontradas pelo ex-atacante de associar seu nome a projetos ligados ao esporte. Todos eles são realizados por meio da empresa Raí Produções e Participações, que administra a marca Raí. Nela está investido cerca de um terço do patrimônio do ex-jogador.
O restante fica repartido entre imóveis e um fundo de investimentos de renda fixa criado somente para administrar sua fortuna. Com a bolsa, Raí prefere não se envolver. “Não compro ações. Sou muito conservador. Prefiro um retorno pequeno e garantido a correr risco”, afirma. Apesar de se considerar uma pessoa comedida nas compras, Raí jura que irá gastar cada centavo de seu patrimônio ao longo da vida. “Tenho três filhas e já disse a elas que o melhor que eu posso fazer é oferecer oportunidades para que corram atrás dos próprios objetivos. Do meu patrimônio, o máximo que posso dar é um apartamento. E olhe lá”, diz, em tom bem-humorado. Sua principal dica de investimento não é a bolsa e nem um fundo qualquer. Para Raí, aplicar o que se ganha no aprimoramento da carreira é mais proveitoso do que qualquer grande aplicação. “Investir na fonte que gerou o patrimônio é essencial”, aconselha.
Um pouco menos conservador é o ex-nadador Gustavo Borges, medalhista em três Olimpíadas. Fora das raias desde 2004, Gustavo não aplica diretamente em ações. Cliente há mais de cinco anos do Fundo Verde, do Credit Suisse Hedging-Griffo, o ex-atleta afirma que as únicas ações que já passaram por sua carteira são as do fundo multimercado. Nesse período, ele acumulou 130% de rentabilidade. Gustavo acompanha seu extrato da gestora mensalmente e não se desesperou quando a crise fez seu fundo perder 6,44% em 2008.
“Fiquei um pouco preocupado. Mas, como são ganhos moderados, quando se perde, o trauma é bem menor”, afirma. Gustavo possui 10% de seu patrimônio no mercado financeiro, entre o fundo e CDBs. Do restante, 30% está alocado em imóveis e 60% em negócios. É dono de quatro lojas da franquia de cafeterias Café do Ponto e sócio da rede de academias que leva seu nome e que já possui quatro unidades (três no Paraná e uma em São Paulo). “Sou um cara agressivo nos negócios. Por isso, na bolsa, sou mais tranquilo”, diz. Seu principal conselho para o investidor? “Faça o dinheiro trabalhar por você”, recomenda.
Tal regra é seguida com disciplina pelo “garoto de ouro” Tande, ex-jogador da seleção brasileira de vôlei e campeão olímpico em 1992. Longe das quadras desde 1993, Tande jogou vôlei de praia por alguns anos e depois também seguiu o rumo das franquias, principalmente no ramo de alimentação. É sócio da rede Spoletto e está abrindo a terceira unidade do restaurante de comida orgânica Cria da Terra, no Rio de Janeiro. Além disso, junto com Ronaldo (Fenômeno), Rodrigo Santoro, Alexandre Aciolly, João Paulo Diniz e outros, é sócio da rede de academias A! Body Tech, que recentemente comprou a rede Fórmula, em São Paulo. Tande também investe, aparthotéis e direciona 10% de seu patrimônio para a BM&FBovespa, em ações da Vale e Petrobras.
Na bolsa há quatro anos, o ex-atleta não esconde a preocupação vivida em 2008, quando as duas empresas perderam, respectivamente, 46,11% e 51,13% de seu valor de mercado. “Como investi pouco, a perda não foi tão grande.
Até pensei em recomprar quando o preço estava baixo, mas faltou coragem”, relembra Tande, que acredita na diversificação como principal estratégia para mitigar possíveis perdas com investimentos.
A preocupação de Tande que, de certa forma, já é veterano na bolsa, não se repete com o novato Cesar Cielo, medalha de ouro nos 50 metros livre de natação nos Jogos Olímpicos de Pequim. Cielo, que começou a investir em 2008, defende a cautela. “É preciso ter calma. Momentos de crise e alto risco fazem parte do mercado”, diz o menino de apenas 22 anos e serenidade de gente grande. Sem citar os papéis nos quais investe, o jovem nadador afirma levar a sério a teoria de “ser sócio” de uma empresa. “É preciso aprender a comemorar as altas e consumir os produtos daquela companhia. Afinal, você é sócio dela”, diz. Cliente da Link Corretora, além de aplicar em ações, Cielo também investe em imóveis comerciais. Quando a carreira chegar ao fim, ele já tem planos traçados.
“Gostaria de estar bem posicionado para enfrentar um novo mercado de trabalho. Pois, quando se é inexperiente, as coisas são mais difíceis”, diz o nadador, que está em busca de um patrocinador master para poder competir com mais tranqüilidade e, consequentemente, investir mais.
Assim como Cielo, outros jovens talentos do esporte também aprendem, pouco a pouco, a adaptar os produtos disponíveis no mercado às suas estratégias de investimento. Tanto o nadador quanto a ginasta Daiane dos Santos e o judoca Tiago Camilo, medalha de prata em Pequim, competem pelo Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo, e recebem salários do clube. Apesar de não estarem, ao menos por enquanto, no hall dos milionários dos esportes, sabem muito bem o que fazer para não serem pegos de surpresa após o final da carreira. Daiane investe 80% do patrimônio acumulado com a ginástica em imóveis no Rio de Janeiro, em Curitiba e Porto Alegre, e aplica o restante em um fundo de renda fixa em seu banco, o Santander. “Nunca pensei em comprar ações, pois ficamos muito dependentes do mercado e isso é complicado”, afirma a ginasta. Já Tiago Camilo opta pela poupança enquanto estuda quais ações comprar para iniciar sua vida de investidor em renda variável.
“Isso tem que ser feito com calma. E, enquanto eu decido, deixar na poupança é melhor do que no fundo de renda fixa, pois não há taxa de administração”, diz.
Sejam eles conservadores ou agressivos, o fato é que os esportistas de hoje, além de ganharem mais do que os de antigamente, também cuidam melhor de suas finanças.
Marcelo Xandó, diretor da gestora de recursos Verax, pôde comprovar isso entre seus clientes esportistas, todos do mundo do futebol. “Eles se envolvem muito pouco na gestão e são mais conservadores quando estão ativos na carreira. Quando se aposentam, participam mais e querem tomar mais risco.
Apesar disso, no geral, conseguem manter bem seus investimentos, ao contrário dos atletas do passado”, diz. Para os que obtêm sucesso nessa árdua tarefa de perpetuar o lucro, o ex-jogador Raí tem uma recomendação conclusiva: “Investir é bom. Mas, chega um determinado momento em que o melhor investimento que se pode fazer é em energia para conseguir aproveitar tudo o que foi acumulado durante a carreira.”