O atraso na liberação de um fundo de garantia de crédito para as companhias aéreas foi um dos fatores que pesou na decisão da Azul de recorrer ao Chapter 11, equivalente à recuperação judicial nos Estados Unidos, segundo o vice-presidente Comercial e de Negócios da companhia, Fábio Campos.

“O que vínhamos discutindo era uma linha de financiamento perene e sustentável, como acontece em outros setores como agronegócio e construção civil, mas não na aviação”, afirmou o executivo durante entrevista à imprensa nesta sexta-feira, 30.

Campos complementou dizendo que a companhia buscou “diferentes caminhos”, entre eles o Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC). “Essa implementação não se materializou e o dinheiro não chegou na ponta para as companhias”, disse.

Com isso, avalia que esse foi um dos fatores que pesou na equação na hora da companhia decidir se entraria ou não em processo de recuperação judicial na Justiça americana.

Saída da recuperação judicial

A Azul estima conseguir concluir todas as etapas judiciais do Chapter 11 até o final de 2025, segundo Campos. Isso permitira que a companhia encerrasse o processo de recuperação no início do próximo ano, ainda segundo o executivo.

Caso o prazo se confirme, o Chapter 11 da Azul seria mais rápido do que o das concorrentes. A Gol, por exemplo, entrou em recuperação judicial no início de 2024 e espera sair do processo no início do próximo mês. Já no caso da Latam, a duração foi de cerca de dois anos, ocorrendo entre 2020 e 2022.

“O nosso prazo é diferenciado em relação aos demais processos, porque estamos entrando já com apoio dos principais stakeholders (partes interessadas)”, afirmou Campos.

O executivo ressaltou que, antes de entrar em recuperação, a Azul chegou a um acordo com a United e American Airlines, que se tornarão sócias da aérea brasileira após o fim do Chapter 11.

No entanto, disse que ainda é cedo para cravar qual será a participação exata das americanas na companhia, pois isso depende de alguns fatores, incluindo qual será o valuation (valor) da Azul quando a recuperação for encerrada.

Ao final do processo, está prevista a amortização do DIP (do inglês “debtor in possession”, que consiste num tipo de financiamento usado por empresas em recuperação judicial para suprir a falta de fluxo de caixa) com os recursos de uma oferta de subscrição de ações de até US$ 650 milhões, com garantia firme dos referidos investidores, além de um possível investimento adicional de até US$ 300 milhões por parte da United Airlines e American Airlines, somando US$ 950 milhões.

Além da American e United, a Azul chegou a um consenso também com a AerCap, que representa a maior parte do passivo de arrendamento de aviões da companhia.

Financiamento aprovado

Um financiamento de US$ 250 milhões para a Azul no âmbito do Chapter 11 foi aprovado pela Justiça americana na quinta-feira, 29, segundo Campos. O montante, que faz parte do DIP de US$ 1,6 bilhão previsto no processo, virá direto para o caixa da companhia, ainda segundo o executivo.

Campos detalhou que o acesso ao DIP será faseado em três etapas, sendo a primeira composta pelo financiamento já aprovado. Ainda não há uma previsão de quando os outros dois montantes serão concretizados.

No entanto, a expectativa é que uma parte do segundo financiamento venha para a companhia e outra seja utilizada para comprar dívida. Já a terceira etapa, que ocorre também antes da saída do Chapter 11, deve consistir em injeção de capital. “O cronograma ainda não é público, mas os financiamentos preveem dinheiro novo para companhia e recurso para recompra de dívidas”, disse.

Redução da frota

A previsão de redução de 35% da frota da Azul no âmbito do Chapter 11 inclui aeronaves já paradas por problemas na cadeia de suprimentos e pedidos futuros, segundo Campos. “Não quer dizer uma diminuição de 35% na frota atual”, explicou o executivo.

A projeção foi citada inicialmente pela companhia na apresentação feita a investidores na quarta-feira, dia de anúncio do Chapter 11, gerando ruídos. No entanto, Campos esclareceu que a porcentagem é uma comparação com números passados da companhia e não com a frota atual.

“A redução inclui aeronaves que já estavam paradas por falta de motores e peças nos últimos meses diante dos problemas na cadeia de suprimentos”, afirmou o executivo.

Campos complementou que a previsão inclui também pedidos futuros de aeronaves, que serão revistos. No entanto, o vice-presidente Comercial informou que ainda não há a informação pública de quanto dessa porcentagem seria representado por aeronaves paradas e quanto por pedidos futuros.

Ele falou ainda sobre o pedido de devolução de 11 aeronaves apresentado na primeira audiência promovida na quinta-feira em Nova York. “A solicitação inclui, principalmente, aeronaves mais antigas, como o modelo E1 da Embraer”, disse. Nesse sentido, destacou que a devolução depende ainda de negociações. “Não queremos só reestruturar as finanças, mas também otimizar a frota, voando com aeronaves mais eficientes”, acrescentou.

Fusão com a Gol

Campos foi sucinto ao falar sobre o andamento de uma possível fusão com a Gol após a entrada da companhia em Chapter 11. O executivo disse apenas que a Azul segue com “foco total” no processo de recuperação. “O memorando de entendimento (assinado com a Gol) ainda é válido, mas o nosso foco é encerrar o Chapter 11”, afirmou.

Ele destacou que o acordo de negociação entre as duas companhias aéreas não tem uma validade específica.

Segundo pessoas a par do assunto ouvidas pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), o processo de recuperação da Azul, pode postergar ainda mais a combinação de negócios.

Desde que anunciaram o memorando de entendimento para a fusão, em janeiro de 2025, as duas companhias sempre reforçaram que o objetivo da operação seria criar uma aérea mais forte e saudável financeiramente. Por isso, só poderia ser concretizada após o encerramento do Chapter 11 da Gol, mas a situação ganha novos contornos com a entrada da concorrente no mesmo processo.

A leitura das pessoas ouvidas pela reportagem é que a combinação, que já era um plano de longo prazo, fique ainda mais morna. O CEO da Azul, John Rodgerson, cogitou, em entrevista ao Broadcast na época da assinatura do memorando, que a fusão pudesse ser concluída até o final de 2025. Contudo, diante dos desdobramentos recentes, o calendário tem ficado cada vez mais apertado.

Uma das condições impostas no documento assinado no começo do ano era que a alavancagem da combinação das duas companhias teria que ser menor que a da Gol ao fim do Chapter 11.

Mesmo com a piora do dólar, a Gol conseguiu reduzir o nível de alavancagem no primeiro trimestre, de 6,3 vezes no último trimestre de 2024 para 5,8 vezes em março de 2025. Em igual período do ano passado, estava em 4,2 vezes. O mesmo indicador da Azul subiu de 4,9 vezes para 5,2 no primeiro trimestre ante o final de 2024, acima do que estava há um ano, em 3,7 vezes.

Agora, com o processo, a Azul estima que a alavancagem caia de 5,1 vezes para 3 vezes. Para 2026, estima que o indicador desacelere para 2,2 vezes, enquanto deve atingir 1,7 vez em 2027. No entanto, isso dependeria do sucesso do Chapter 11.

Campos ressaltou que a desalavancagem da companhia vai acontecer ao longo do processo. “Não é algo que acontece do dia para a noite, a previsão de 3 vezes é para a saída do Chapter 11”, afirmou durante a coletiva.