27/07/2004 - 7:00
Ele nunca estudou as regras do marketing, não sabe o que é uma sala de aula de MBA e, mesmo que tentem lhe mostrar um livro do assunto, dará de ombros. Leonardo Senna, um dos sócios da Audi Senna, representante oficial da montadora alemã no País, criou um estilo próprio de chamar atenção. Com ações de publicidade que fogem do lugar comum, reinventou as leis de construção de marcas. Fez escola. Transformou a grife em um caso de sucesso em todo o mundo. Depois da morte do irmão Ayrton Senna, que havia assinado o contrato com os alemães em 1993, Leonardo tomou conta do negócio e acelerou. ?Em nenhum lugar do planeta a Audi tem a imagem de status e requinte que ela exibe no Brasil?, diz Eduardo Tomiya, diretor de avaliação de marcas da consultoria Interbrand. Na Inglaterra, por exemplo, a Audi ainda é vista como braço da Volkswagen, empresa de automóveis populares. Por aqui, é sinônimo de consumo de luxo. Apenas no Brasil a Audi rivaliza, em estilo e vendas, com a Mercedes e a BMW, do mesmo nicho milionário. A Audi fechou 2003 com 7.827 carros negociados. A Mercedes contou 7.333. A BMW, 1.125. Pelo ranking da Interbrand, que mede a força das marcas, ela está à frente de ícones como Louis Vuitton e Apple no País.
A façanha ganha proporções ainda maiores quando se observa o tempo que levou para construir esse rótulo: apenas uma década. No próximo dia 6 de agosto, a Audi brasileira comemora a data com uma festa na Oca, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Para chegar ao evento, os três mil convidados atravessarão um labirinto de salas com a retrospectiva dos 10 anos da empresa. A mostra, nos três dias seguintes, será aberta ao público. Simultaneamente, será lançado o livro A chave do sucesso ? Como a Audi se tornou cult (Editora CBNews). A chave do sucesso, é bom salientar, tem também um outro dono. Ubirajara Guimarães, sócio de Leonardo, é o homem do comando no dia-a-dia. Levou a Audi a um faturamento de R$ 700 milhões. ?Com ótimo marketing, excelente produto e uma rede de revendedores bem construída, vencemos?, diz Ubirajara.
Franquias. A história da empresa no País é repleta de bastidores curiosos, revelados com exclusividade agora. Em 1992, quando Ayrton Senna decidiu se tornar empresário, pediu para Leonardo estudar os setores promissores. O jovem executivo saiu a campo garimpando boas oportunidades. Vasculhou de tudo, de franquias a lojas de produtos eletrônicos. Mas como a imagem do piloto era associada à F-1, a família resolveu investir no segmento automobilístico. O primeiro a se associar aos Senna na empreitada foi Ubirajara Guimarães, dono de uma carreira de sucesso no grupo Souza Ramos, maior revendedor Ford do Brasil e importador oficial da Mitsubishi. Bira, como o chamam, vendeu suas participações de 15% na Mitsubishi, na SR e na fábrica de barcos Fast. ?Quem olhava de fora me considerava louco?.
A primeira investida do trio, formado por Ayrton, Leonardo e Bira, foi a própria Souza Ramos. ?Tentamos comprá-la mas não deu certo?, revela Bira. Como pretendiam se firmar no setor automotivo, conversaram com quase todas as montadoras. Queriam abrir concessionárias da Volks, mas o negócio não foi adiante. Ayrton, ídolo no Japão e com uma estreita relação com os comandantes da Honda, tentou trazer a marca para o País. ?O pessoal da Honda no Brasil queria nos dar só a representação no Estado de São Paulo?, diz Leonardo. ?Era muito pouco.? A tentativa seguinte foi a GM. Leonardo e Ayrton marcaram uma reunião com André Beer, vice-presidente da montadora, para discutir a abertura de revendas. No dia combinado, Bier cancelou tudo.
O nome Audi só foi mencionado meses depois por Christian Schües, executivo da Autolatina, a holding formada pela Ford e Volkswagen. Ayrton conversou com a turma da F-1 para saber um pouco mais a respeito da montadora. Todos diziam que era a marca do futuro. Na época, a Audi reestruturava suas operações e lançava produtos com design mais moderno. Começaram, então, as negociações. Neste meio tempo, os executivos da Mercedes descobriram que Ayrton tratava com a concorrência. ?Nos chamaram e disseram que gostariam que nós os representássemos?, diz Leonardo. Ayrton não aceitou. Meses depois assinava o contrato com a Audi.
Passarela. A chegada do primeiro carro foi um show.
Em março de 1994, um avião cargueiro aterrissou no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Cada movimento era mostrado, ao vivo, em um telão. Quando a aeronave taxeou, um Audi 80 cabriolet guiado pelo apresentador
Jô Soares fez o percurso até um palco ao som do ?Tema da Vitória?, a melodia da bandeirada de Senna. A estréia dava o tom do que seria adotado dali em diante. Em 1995, foi realizado um crash test ao vivo, algo nunca feito no País. Em 1996, o Salão do Automóvel virou passarela do A3, ao lado de modelos de carne e osso. Em 1998, nem o céu era limite. A Audi Senna trouxe o exemplar
TT, um roadster (veículo esportivo com apenas dois lugares), de helicóptero. O carro, fetiche dos amantes
da tecnologia e do design, sobrevoou São Paulo até aterrissar no sambódromo. ?O Léo é um sujeito ousado, aceita idéias inovadoras?, afirma Bazinho Ferraz, diretor da agência de eventos B/Ferraz.
Todas essas ações, a um custo de R$ 150 milhões nestes 10 anos, transformaram a Audi num cobiçado sonho de consumo. Vê-se, nas ruas, carros de outras montadoras ostentando, numa brincadeira de adultos, as argolas da Audi. Fenômenos desse gênero ajudam a entender por que a importadora brasileira ganhou espaço diante de seus pares no restante do mundo.
No primeiro ano de atuação no Brasil, em 1994, a empresa previa vender 600 carros. Fechou o ano com 1.470 modelos comercializados. Em 1995, a marca assumiu a liderança do setor de luxo com 3.072 unidades. Daí para a frente foram só boas notícias. Ao mesmo tempo em que alcançavam o topo e pretendiam instalar uma fábrica no País, Leonardo e Bira preparavam outra tacada ousada. Conversavam com a Porsche para ter a representação no País. ?Estava tudo acertado, o contrato tinha sido fechado verbalmente e tínhamos assinado até uma carta de intenção?, diz Leonardo. ?A Audi, porém, quis que a gente se concentrasse no lançamento da nova fábrica no Brasil e barrou o negócio.?
Quando a matriz resolveu investir R$ 750 milhões na fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná, os executivos tiveram de mudar a estrutura da até então Senna Import. Venderam 51% de participação para os alemães e criaram a Audi Senna. ?Não ficamos sócios na fábrica mas continuamos no comando das operações?, diz Bira. No fim de 1999, foi inaugurada a planta industrial em sociedade com a Volks, que produziria o Golf e, hoje, o Fox. Com o A3 fabricado no Brasil, o preço caiu, e as vendas subiram. Dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, a Anfavea, mostram que a montadora alemã vendeu 8.598 unidades do A3 em 2000 e 11.521 modelos em 2001.
A revolução criada por Leonardo e Bira teve o dom de inventar uma marca a partir do zero. Mas, como qualquer outro setor da economia brasileira em tempos de crise, de câmbio alto e carga tributária insana, bateram de frente com a retração da indústria. No ano passado, as vendas do A3 atingiram 7.173 unidades. É um número tímido. No primeiro semestre deste ano, foram vendidos 3.069 carros, quase 1,5 mil unidades a menos que no mesmo período de 2003. Acendeu, neste momento, o sinal vermelho.
A queda levou a montadora a anunciar que interromperá a fabricação do A3 no Brasil em 2005. Outro ponto que faz a empresa encerrar a produção no Brasil é o lançamento do novo A3 alemão no fim deste ano. Ele é maior e fabricado em outra plataforma. Para fazer o mesmo por aqui, seria necessário um investimento milionário. A saída: voltar a importar o A3 com um preço salgado. ?Estamos preparando a rede de revendedores à adaptação?, diz Bira. Os donos de concessionárias fazem coro. ?Teremos de mudar a nossa linha de atuação?, diz Eduardo Kohn, presidente da Associação Nacional dos Revendedores Audi. São obstáculos que atrapalham a estrada da Audi no Brasil, os obriga a mudar de marcha, mas não impede a aceleração. Para quem tem Senna no sobrenome, é desafio bom de enfrentar.
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