04/10/2024 - 10:27
Num momento de força de trabalho minguante e ameaça de déficits do orçamento previdenciário, a China planeja elevar a idade mínima de aposentadoria, pela primeira vez desde a década de 1950. Para os homens, ela passará de 60 para 63 anos; para as mulheres em empregos administrativos (“colarinho branco”), de 55 para 58 anos, enquanto para as trabalhadoras manuais, de 50 para 55 anos.
Segundo a agência de notícias estatal Xinhua, a mudança transcorrerá gradualmente ao longo dos próximos 15 anos, no ritmo de alguns meses a partir do início de 2025. Fica vedada a possibilidade de aposentadoria antecipada, mas será permitido prorrogar em até três anos o início da jubilação.
Atualmente o país tem uma das idades de aposentadoria mais baixas do mundo: mesmo com a nova medida entrando em vigor em 2025, ela ainda está abaixo da maioria dos países industrializados, inclusive a Alemanha.
O demógrafo Yi Fuxian, da Universidade de Wisconsin-Madison, estima que nos próximos anos os problemas com o envelhecimento da sociedade chinesa serão também acima da média: “A China manteve a idade de aposentadoria imutável até agora, e a prorrogação atual ainda é insuficiente”: se a medida tivesse sido implementada 20 anos atrás, ele crê que “se poderia ter evitado as atuais dificuldades”.
Taxas de natalidade baixas
Em 2023, a taxa de natalidade chinesa alcançou o recorde negativo de 6,39 nascimentos por cada mil cidadãos. Além disso, pelo segundo ano consecutivo a população total reduziu-se, desta vez em 2 milhões.
Nos últimos anos, adotaram-se medidas para incentivar o matrimônio e a reprodução, porém grande parte das jovens chinesas continua reticente quanto a ter filhos, sobretudo num momento de desaceleração da segunda maior economia do mundo.
O especialista em política trabalhista chinesa Eli Friedman, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, está cético de que prorrogar a aposentadoria vá ajudar a combater a contração da força de trabalho nacional: é até “mais provável que vá empurrar na outra direção”.
Isso, como tradicionalmente os avós têm um papel crucial em partilhar os cuidados infantis, se as gerações mais velhas tiverem que adiar sua entrada na aposentadoria, haverá menos ajuda com essas responsabilidades, nas famílias com várias crianças.
Previdência social em apuros
O novo pacote de medidas também prevê que os assalariados chineses cujas aposentadorias começam a partir de 2030, passem a descontar mais para o sistema de previdência social: até 2039, será necessário ter contribuído pelo menos 20 anos para ter direito à pensão.
Isso coincide com indícios crescentes de que os fundos de aposentadoria de Pequim estão se esvaziando. Em 2019 – portanto antes mesmo do impacto da epidemia de covid-19 – o instituto nacional de pesquisa Academia Chinesa de Ciências Sociais já advertia sobre um potencial esgotamento até 2035.
Pequim “tem pouca escolha, devido ao déficit significativo do sistema de seguridade social”, observa o demógrafo Yi. Ainda assim, a incapacidade de sustentar a população que envelhece “mina seriamente a credibilidade do governo”.
Portanto, embora elevar a idade mínima de aposentadoria possa ajudar a reduzir a pressão previdenciária no futuro próximo, “é difícil dizer quanto tempo isso pode durar”: “É como adiar uma bomba que está tique-taqueando.”
Potencial de crise política
Friedman acredita que para enfrentar esse desafio orçamentário, é mais necessária uma mudança estrutural do sistema previdenciário do que um simples ajuste etário. O atual sistema de aposentadoria chinês é altamente descentralizado: diferentes localidades têm suas próprias variações, o que tem o potencial de agravar as desigualdades regionais.
Para os governos locais que enfrentam queda das arrecadações, “fica mais difícil cumprir suas obrigações financeiras”, constata o especialista, sugerindo que Pequim estabeleça “um sistema nacional de aposentadoria”, como fazem diversos países, a fim de inspirar mais confiança na aposentadoria pública.
Tal confiança aumentaria a probabilidade de a população se sentir mais segura para investir seu dinheiro no presente. Pois a questão-chave não é só a idade, mas se os chineses contarão com pensões adequadas para “sustentar uma aposentadoria digna”.
Também sentirão o impacto da elevação da idade de aposentadoria aqueles que estão entrando para o mercado de trabalho chinês justamente agora. Com a prorrogação gradual, menos assalariados abandonarão o mercado de trabalho “implicando em menos empregos se disponibilizarem para os jovens”, alerta Friedman.
A taxa de desemprego entre os chineses de 16 a 24 anos vem subindo continuamente, mesmo após as autoridades terem modificado seu método de cálculo, em dezembro de 2023, excluindo quem ainda frequenta a escola: em setembro, o Departamento Nacional de Estatísticas da China acusou o recorde de 18,8% de jovens desempregados.
Eli Friedman vê o perigo de qualquer “mudança significativa brusca” da idade de aposentadoria provoca protestos por parte das gerações mais jovens e dos chineses atualmente por volta dos 50 anos: “Poderia até mesmo desencadear uma crise política.”