DINHEIRO ? De que forma o sr. ficou sabendo do pacote que aumentaria em 30 pontos percentuais o IPI dos carros importados?

JOSÉ LUIZ GANDINI ? Ouvimos que algo sairia, e pedi então uma reunião com o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. Ele me recebeu em Brasília, no dia 5 de setembro, e  me disse que, realmente, o governo estava preocupado com a invasão dos importados e que estavam estudando algo. O ministro afirmou que a ideia era assinar um tratado para que as indústrias investissem em tecnologia. Para essas, haveria redução do IPI.

 

 

 

DINHEIRO ? É o que estava contemplado no plano Brasil Maior…


GANDINI ? Exatamente. O ministro Pimentel nos disse que estava discutindo o assunto com o Ministério da Fazenda, e que ainda não havia um consenso. Segundo o ministro, a Fazenda queria subir a alíquota para quem estivesse fora do pacote ? IPI mais alto para quem tivesse um índice de nacionalização de peças abaixo de 65% ? e manteria a alíquota atual para quem estivesse nesse parâmetro. Pimentel nos disse: ?Eu quero manter o IPI para todos e reduzir para quem assinar o compromisso com o investimento em tecnologia.? Ele ainda se comprometeu a nos enviar um rascunho do decreto assim que chegassem a um consenso para que não fôssemos pegos de surpresa. 

 

 

 

DINHEIRO ? Foram pegos do mesmo jeito…


GANDINI ? No dia 15 de setembro, ouvi de um amigo da Anfavea que o Ministério da Fazenda faria um anúncio. Ele falava em algo como uma alta de 30% do IPI. No mesmo dia, tivemos a confirmação de que a Fazenda faria um anúncio. Corremos para lá, no momento em que acontecia uma coletiva de imprensa. O aumento não era de 30% como haviam me informado, mas de 30 pontos percentuais. Ao serem abertas as perguntas, pedi a palavra, mas o ministro Guido Mantega não me deixou falar. Um segurança veio tomar o microfone da minha mão. Eu só avisei que representávamos  menos de 6% do mercado. 

 

 

 

DINHEIRO ?  A medida pegou o ministro Pimentel de surpresa?


GANDINI ? Na minha percepção, sim. Ele estava pálido, não abriu a boca durante a coletiva. Tenho a sensação de que ele foi muito sincero comigo no dia 5 de setembro. Na nossa maneira de ver, foi uma quebra de contrato, não há outro modo de explicar tudo isso. 

 

 

 

DINHEIRO ? Qual era a projeção de venda para o ano?


GANDINI ? Prevíamos 185 mil veículos até o final do ano. E, com as alíquotas antigas, recolheríamos R$ 5,6 bilhões. Não acho justo simplesmente de uma hora para outra dizer: olha, nós estávamos jogando, mas agora acabou o jogo. E ainda emitem um decreto no dia 15, que vale a partir do dia 16 de setembro. Mas o artigo 150, capítulo 3, letra C da Constituição Federal garante 90 dias para que um decreto dessa natureza entre em vigor. E essa carência vale para que eu possa me planejar. Porque eu comprei carros do Exterior baseado numa alíquota em vigor. Aí muda essa alíquota e posso estar comprando modelos que ficarão invendáveis. 

 

 

 

DINHEIRO ? Qual é o estoque em poder das importadoras atualmente?


GANDINI ? São mais ou menos 20 mil carros. Contamos estoque quando faturamos a nota para o concessionário. Então aí estou contando veículos na transportadora, na concessionária, mas todo ele já foi pago com IPI antigo. Estamos solicitando a todos os concessionários que mantenham esses preços em respeito ao consumidor. Ainda estamos com preços anteriores ao decreto. Temos estoque para um mês. Porém, no último final de semana, houve uma corrida às lojas com o consumidor antecipando compras. 

 

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Modelo de Ferrari em concessionária de São Paulo

 

 

 

DINHEIRO ? Mas vocês já começaram a fazer novos pedidos de importação?


GANDINI ? Nós pedimos carros com quatro meses de antecedência. Dois meses para  planejamento e produção lá fora, mais um de viagem e outro para desembaraço. Temos carros encomendados lá fora que vão pagar o novo imposto, embora tenham sido solicitados pensando na realidade anterior. 

 

 

 

DINHEIRO ?  A Anfavea orquestrou esse acordo?


GANDINI ? Sem dúvida. Nós balizamos os preços de acordo com o mercado externo. Nos tornamos concorrentes deles. É preciso lembrar que antes dos anos 1990 tínhamos carros sem ABS, sem airbag, sem nada, mil vezes piores que o do nível atual. O importado veio mostrar quanto custa o carro lá fora. É o que acontece em qualquer lugar do mundo. Quando tiram a gente do jogo com sobretaxa, eles acabam com a concorrência e passam a cobrar quanto querem. Mas nossos carros já são caros, pagamos o máximo de alíquota de importação permitida pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que é 35%. Isso já torna nossos veículos importados mais caros que no Exterior. Com o IPI, eles aumentam ainda mais. 

 

 

 

DINHEIRO ? Vocês chegaram a falar em acionar a OMC…


GANDINI ? Nós não temos poder para ir contra eles na OMC. Apenas um país que esteja se sentindo prejudicado pode. A China tem de decidir, a Coreia, a Alemanha. Mas está claro que há um abuso de poder econômico. Veremos se cabe uma ação no Cade, a partir do artigo 154, parágrafo 4 da Constituição. A outra ação é relativa ao prazo de 90 dias da entrada em vigor da medida. 

 

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O ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1991

 

 

 

DINHEIRO ? Além do IPI, os importadores estão pegando dólar em alta. Qual é a previsão de vendas para este ano?


GANDINI ? Sinceramente, não sei. Não deixo associados divulgarem preço dos carros com IPI novo. Até porque eu acredito que podemos ao menos segurar o decreto por 90 dias. 

 

 

 

DINHEIRO ? O sr. vai pedir audiência com o ministro da Fazenda?


GANDINI ?  Não sei se ele me atenderá, ele pediu para tirarem o microfone da minha mão durante a coletiva (risos). Mas não tenho nada contra ele.

 

 

 

DINHEIRO ? Se o governo estender o prazo para a vigência, vai dar um refresco?


GANDINI ? Esse prazo nos ajuda, dá sobrevida aos carros já encomendados. Há automóveis que ficam inviáveis, principalmente os populares. O aumento da alíquota nos carros de mil cilindradas, de 7% para 37%, representa, na realidade, um aumento de 430% na alíquota. 

 

 

 

DINHEIRO ?  As associadas à Abeiva planejavam aumentar a rede de lojas?


GANDINI ? As marcas mais populares, sim. Mas agora, para tudo. E vamos lembrar que na década de 1990, vieram montadoras como a Honda, Peugeot,  Mitsubishi, etc. Primeiro  chegam, começam a importar, sentem  a receptividade. Depois decidem montar fábrica. 

 

 

 

DINHEIRO ? Algumas marcas já falavam em montar fábricas no País… 


GANDINI ? Sim, uma delas é a Chery, em Jacareí (SP), e a outra é a JAC Motors, que mais ainda está negociando para onde vai. As demais, eu não sei. Não é uma decisão fácil, precisa ter volume. Fala-se muito que com a marca de 100 mil carros já dá para montar uma fábrica. Eu pretendia, como a Kia Motors, vender 100 mil unidades este ano. Mas são 11 famílias, não é um só modelo. De alguns vendemos 2,4 mil unidades por ano; de outro, 20 mil, nenhum dá um volume que viabilize uma fábrica ainda.  

 

 

 

DINHEIRO ? O sr. vê a possibilidade de alguma marca sair do mercado agora?


GANDINI ? Acho que os produtos top de linha, tipo Ferrari, Lamborghini, Maserati e Porsche, não saem. Pode cair o volume de venda, mas o consumidor não deixará de comprar. Mas ele vai pagar a conta, sem dúvida. As indústrias nacionais vão subir os preços dos carros, e ele vai comprar carro antiquado.

 

 

 

DINHEIRO ? Os importados trazem outro patamar de qualidade para o mercado. Vamos interromper esse processo?


GANDINI ? Na época do governo Collor, no início da década de 1990, quando se abriu a importação, as montadoras investiram em tecnologia, design, sofisticaram os produtos e ficamos imbatíveis, por exemplo, em carros populares. Daí, as montadoras priorizaram o lucro e pararam de investir. Os carros ficaram velhos de novo. Está todo dia nos jornais que a Fiat daqui sustenta a Fiat no mundo, por exemplo, não deixa dinheiro aqui, vai para a matriz. 

 

 

 

DINHEIRO ? E os pátios cheios das montadoras?


GANDINI ? As vendas delas não caíram. Se estão defendendo o  emprego nas montadoras, eu pergunto: e os 40 mil empregos das importadoras? Veja: tivemos oito anos de governo Lula e não houve a quebra de uma regra no País, nenhum susto desta natureza.

 

 

 

DINHEIRO ? O sr. acredita que arranha a credibilidade do governo Dilma?


GANDINI ? Não a conheço pessoalmente, mas tudo que ouço falar é que ela é uma pessoa séria, comprometida, e que, se ela reconhece que está errada, ela volta atrás. Ainda acho que vou resolver tudo com diplomacia, e não na Justiça.

 

 

 

DINHEIRO ? As importadoras vão repassar a alta do IPI integralmente para os preços?

 

GANDINI ? Vamos rebolar para não passar, investir menos em propaganda, negociar mais com fornecedores para evitar perder mercado.