01/05/2021 - 11:18
Em prisão domiciliar, isolada do mundo e com várias acusações apresentadas contra ela, a birmanesa Aung San Suu Kyi inicia neste sábado o quarto mês de detenção desde o golpe de Estado militar contra seu governo.
A vencedora do Nobel da Paz em 1991, que está bem mas perdeu bastante peso, de acordo com seus advogados, não é vista em público desde sua detenção em 1º de fevereiro.
Ao pressentir o que os militares pretendiam, Suu Kyi, 75 anos, pediu à população para “não aceitar” o golpe. E seu apelo foi ouvido.
Há três meses e apesar da repressão violenta da junta militar, as manifestações acontecem em todo o país: uma grande campanha de desobediência civil, com milhares de trabalhadores em greve, paralisa setores inteiros da economia. Ao mesmo tempo, os opositores, agora na clandestinidade, formaram um governo de resistência.
Neste sábado, pequenos grupos de manifestantes saíram novamente às ruas, mas os protestos não demoraram muito devido ao medo de represálias. Em Yangon, eles exibiram uma faixa com a frase “Apenas a verdade triunfará”.
Vários explosivos de fabricação caseira foram detonados na cidade. Os ataques, que não são reivindicados, aumentam o sentimento de insegurança em Yangon.
Os confrontos entre militares e grupos étnicos nas regiões de fronteira também não dão trégua.
De acordo com a ONU, na região leste do país os confrontos entre as Forças Armadas e a facção rebelde Karen deixaram mais de 30.000 deslocados.
Mas atrás dos muros da residência da capital birmanesa Naypyidaw, onde Suu Kyi está detida, a ex-líder do governo permanece à margem da violência e dos distúrbios.
“Ela provavelmente não tem acesso às informações nem à televisão. Não acredito que está a par da atual situação”, disse Min Min Soe, uma de suas advogadas, à AFP.
Quase 760 civis, incluindo menores de idade e mulheres, foram mortos a tiros pelas forças de segurança nos últimos três meses e 3.500 estão detidas, segundo uma ONG local.
Os generais, que enfrentam críticas internacionais, aproveitam as divisões dentro do Conselho de Segurança da ONU.
O Conselho aprovou na sexta-feira uma declaração por unanimidade com o pedido para que o plano da Asean (Associação de Nações do Sudeste da Ásia), que pede o “fim imediato da violência”, seja aplicado.
Mas China e Rússia, aliados dos militares birmaneses, não devem ir mais longe.
A ONU também voltou a pedir a libertação de todos os detidos, mas a junta segue intensificando a ofensiva judicial contra Aung San Suu Kyi.
Ela recebeu seis acusações, sobretudo por ter violado uma lei sobre os segredos de Estado que data da época colonial, e pode perder os direitos ou políticos ou ser condenada a uma longa pena de prisão se for considerada culpada.
Também foi acusada de ter recebido centenas de milhares de dólares e 11 quilos de ouro em subornos, quando governava o país, mas não foi indiciada por corrupção.
Os advogados não foram autorizados a encontrar a cliente e só falaram com ela em poucas oportunidades, sempre por videoconferências, monitoradas pelas forças de segurança.
“Se não recebemos nenhuma instrução da acusada, como poderemos defendê-la?”, questiona Khin Maung Zaw, que coordena a equipe de advogados. “Estamos muito preocupados com o respeito de seus direitos”.
Aung San Suu Kyi já passou 15 anos em prisão domiciliar após a revolta popular de 1988. Ela foi liberada em definitivo em 2010 e venceu as eleições cinco anos depois.
– Venerada no país –
A imagem internacional da líder birmanesa foi muito abalada quando centenas de milhares de muçulmanos rohigyas fugiram em 2017 para Bangladesh após os abusos do exército.
A líder birmanesa não condenou a situação e negou qualquer “tentativa de genocídio” por parte dos militares.
Alguns a criticam por ter cedido muito, o que permitiu aos generais conservar um grande controle do país e de seus recursos, como as minas de jade e rubis, assim como as reservas de gás e petróleo.
E as concessões não foram suficientes para os militares. Em 1º de fevereiro eles derrubaram Aung San Suu Kyi, alegando fraudes nas legislativas de 2020, que o partido dela, a Liga Nacional para a Democracia (LND), venceu com grande folga.
A “Mãe Suu” continua sendo objeto de veneração por uma parte da população, sobretudo nas zonas rurais.
“É insubstituível aos olhos dos birmaneses”, explica Moe Thuzar, do Instituto da Ásia do Sudeste de Singapura. Ela continua sendo a “encarnação das décadas de processo democrático birmanês e a filha do herói da independência, Aung San, assassinado em 1947”.